Quem pode saber ao certo que tendências econômicas ou de comportamento determinarão as características do mercado no futuro? Acertar predições como essas é o que leva empresas a ter sucesso ao longo do tempo. Fundada em Blumenau há 140 anos, a Hering deve sua longevidade ao fato de entender como funciona – e se modifica – o mercado em que atua. Tanto que, amargando uma crise no início do século, a companhia reinventou seu modelo de negócios, passando a ter forte presença no varejo e adotando o conceito de fast fashion, em que os lançamentos chegavam a ser semanais. A mudança de rumo deu resultados positivos, só que nos últimos anos o modelo dava sinais de esgotamento e a companhia engatava uma volta às origens, focada em produtos básicos, porém associada a toda a tecnologia disponível para facilitar a vida dos consumidores e potencializar as vendas. Até que, no meio da jornada, foi colhida pela pandemia do Coronavírus.
A crise levou ao fechamento das mais de 700 lojas, paralisação da produção e renegociações de prazos e pagamentos. A empresa tomou empréstimos de R$ 200 milhões para reforçar o caixa, mas não ficou sem faturar. Além de acelerar a transformação digital, ampliando os canais de e-commerce, criou uma nova força de vendas denominada social selling, que envolveu mais de 2 mil colaboradores e funcionários de lojas franqueadas, em vendas on-line, projeto que posteriormente foi estendido a qualquer pessoa. Apesar de todo o esforço, as vendas no primeiro trimestre caíram quase 30%.
No período posterior, mesmo com a reabertura de lojas, parte da coleção de inverno e a coleção primavera-verão foram canceladas, a marca infantil PUC foi extinta e a empresa apostava as fichas no consumo básico, compatível com os tempos de guerra impostos pela pandemia. Ao mesmo tempo, traçava estratégias visando a uma retomada. Dentre as questões que se impunham para a reorganização dos negócios, uma das mais relevantes era acerca de quais tendências perdurariam somente durante a pandemia e quais se tornariam perenes.
“O mundo mudou. Acreditamos que o cenário que se desenha passa por uma mudança mais profunda, cultural, pois estamos impelidos a conviver com situações que jamais imaginávamos”, afirma Thiago Hering, diretor executivo da Cia. Hering. “Há um retorno para a valorização da nossa essência, do que realmente importa. Isso passa por escolhas de consumo muito mais conscientes, valorizando marcas que priorizam a produção nacional, adotam o espírito de solidariedade e atendem o básico”, acredita.
Nesse contexto, a empresa avalia o redimensionamento da rede de lojas e reforça a gestão de marcas. Para testar a receptividade de linhas de produto e aproveitar oportunidades pontuais, criou “coleções-cápsulas”, que são minilançamentos fora da coleção principal da estação. As ações deram resultado. Entre março e junho, os novos clientes representaram mais de 50% da base de compras do e-commerce, que dobrou o faturamento no período. “Esta mudança veio para ficar. Quando o cliente passa pelo processo de digitalização, tende a repetir o relacionamento com as marcas no ambiente on-line de maneira mais intuitiva nas próximas vezes”, diz Thiago.
A experiência da Hering ilustra o alto grau de transformação de negócios e quão grandioso é o desafio de se reestruturar em novas bases para os tempos vindouros, ao mesmo tempo que se luta pela subsistência no presente. Essa experiência profunda, inesquecível, é universal. Não há empresa que não a esteja vivenciando, independentemente do porte ou do ramo de atuação, ainda que com distinções entre os setores.
Indústria 4.0 | Para a WEG, os impactos da crise foram assimétricos em suas linhas de produtos. No caso dos equipamentos de ciclo curto (motores de pequeno porte e tintas e vernizes), de altos volumes e fabricação rápida, houve redução de encomendas. Já nos produtos de ciclo longo, para os quais a companhia havia formado uma gorda carteira de pedidos, a tendência é de manutenção dos cronogramas dos projetos. Destacam-se aí produtos para as áreas de geração, transmissão e distribuição de energia, motores elétricos de grande porte e painéis de automação.
A crise também trouxe oportunidades. A companhia se notabilizou pela fabricação e entrega de centenas de ventiladores pulmonares para UTIs, atendendo a uma demanda emergencial. Não se sabe, entretanto, se continuará no negócio quando a pandemia passar. Mais certo é o aprofundamento no universo da indústria 4.0, para o qual já desenvolvia soluções. Como o WEG Motor Scan, um sensor capaz de monitorar parâmetros de motores, como temperatura e vibração. Conectado a plataforma de internet das coisas e a software de gestão, fornece indicadores que permitem melhorar a produtividade de uma planta industrial.
Tecnologias como essas permitem o controle a distância de fábricas, o que nunca foi tão importante quanto na atual conjuntura. “Nossos produtos estão inseridos em todas as máquinas e equipamentos envolvidos na produção, o que nos faz estar presentes na ‘espinha dorsal’ do movimento produtivo. Desta forma, monitorar, coletar dados e informações e garantir a melhor performance desses equipamentos também faz parte do nosso negócio”, informa André Rodrigues, diretor administrativo e financeiro.
A WEG criou uma estrutura de negócios digitais, reforçada pela compra recente de três empresas desenvolvedoras de tecnologia 4.0. Em paralelo, incorpora cada vez mais soluções em softwares nos produtos tradicionais e amplia a integração de dados da indústria por meio de uma plataforma em nuvem, a WEGnology.
Mobilidade | Outra frente de negócios que ainda não responde por uma fatia relevante das receitas da WEG, mas que pode se revelar uma área de negócios de gigantesco potencial no futuro, é o da mobilidade elétrica. Associada ao conceito de sustentabilidade, a tecnologia é dominada pela companhia, que já fornece sistemas de tração elétrica para ônibus, caminhões, trólebus, navios e embarcações, além de sistemas de recarga para veículos. Tem parcerias com a Volkswagen e a Embraer, dentre outros fabricantes de veículos e implementos. “Estamos trabalhando não só para viabilizar a propulsão elétrica em veículos de transporte, mas também para elevar a capacidade tecnológica do Brasil”, diz Rodrigues.
A visão estratégica é de que a mobilidade elétrica é uma tendência mundial e que o Brasil, por contar com fontes hidráulica, solar e eólica, pode ser 100% sustentável, já que a recarga das baterias dos veículos poderá ser feita por meio de fontes não poluidoras. “Se tivermos as políticas certas, o Brasil poderá se tornar um player global de veículos de transporte urbano elétricos”, afirma Rodrigues.
A Tupy, que fornece blocos de motores e cabeçotes ao setor automotivo, foi uma das primeiras empresas brasileiras a suspender as operações devido à crise. Essencialmente exportadora, atuante em 40 países, os executivos da companhia perceberam mais cedo a gravidade e os efeitos da pandemia que estava chegando. Ao retomar parcialmente as atividades, atuou de forma flexível, adequando a produção à demanda e formação de estoques próximos a clientes. “Toda a transformação pela qual já vínhamos passando foi acelerada e alcançamos um novo patamar de maturidade dos processos, flexibilidade e eficiência operacional e agilidade na tomada de decisões”, destaca o presidente Fernando de Rizzo.
Para o executivo, empresas como a que gerencia, que possuem gestão de risco, governança e disciplina financeira, têm melhores condições de atravessar crises como a atual. A Tupy já tinha implementado um sistema de anéis de defesa, que pode ser resumido em conjunto de ações predefinidas para reduzir custos e preservar o caixa em períodos de redução de demanda. Para internalizar os aprendizados do período de crise, a empresa instituiu um Comitê de Retomada. Além de planejar ações, também cabe ao comitê reunir as práticas adotadas no período e que podem trazer resultados positivos se forem mantidas.