Investimentos em pontos de estrangulamento podem destravar a rodovia e gerar retorno econômico de mais de R$ 9 bilhões. Contrapartida é a elevação das tarifas de pedágio.
BR101 - Foto: Leo Laps
A duplicação do trecho Norte da BR-101 em Santa Catarina, concluída no início dos anos 2000, parecia ter virado uma página da história do Estado. O sofrimento da população local, dos turistas e das empresas que dependiam da rodovia aparentemente havia acabado. Mas a alegria durou pouco.
Estimuladas pela própria existência de uma rodovia de maior capacidade, centenas de empresas se instalaram em seus arredores, dentre elas novos terminais portuários. A movimentação nos portos disparou, com a consequente elevação do número de caminhões circulando pela estrada. O turismo se avolumou em cerca de 50%, mas o que cresceu mesmo foi a frota de veículos das cidades servidas pela BR-101, em decorrência do aumento populacional. O número de automóveis quase dobrou de lá para cá, chegando a 2,6 milhões. Falho, o plano de exploração da rodovia assumido pela concessionária em 2007 não considerou a expansão do entorno, e poucas obras de adequação foram feitas.
Principais artérias de SC
Dados consolidados da área de influência da BR-101
- População (2019) - 3,5 milhões (49% do total do Estado)
- PIB (2017) - R$ 144,3 bilhões (59% do total)
- Corrente de Comércio (2019) - US$ 20,9 bilhões
- Estabelecimentos (2018) - 110,9 mil
- Trabalhadores (2018) - 1,2 milhão
- Arrecadação de Tributos Federais (2018) - R$ 40,4 bilhões
- Arrecadação de ICMS (2019) - R$ 13,0 bilhões
Fontes: IBGE, MDIC, MT-RAIS, Receita Federal do Brasil e Sefaz-SC – Elaboração e compilação FIESC/GETMS
Por uma questão de matemática básica a estrada duplicada voltou, em apenas alguns anos, a ser uma fonte de problemas tão grande quanto era antes, se não pior. A constatação é intuitiva: basta estar trancado nos engarrafamentos que se formam diariamente nas regiões de Florianópolis e Itajaí para se ter uma dimensão do problema. Para além da irritação de quem perde horas na rodovia, há parâmetros técnicos que atestam o colapso.
Estudo produzido com a metodologia Highway Capacity Manual constata que a maior parte da rodovia está no nível de serviço E. Nesta classificação, que é a penúltima da escala, os veículos trafegam com um mínimo de espaço entre eles e a velocidade média inferior a 50 km/h. “Em alguns segmentos chegamos ao nível F”, informa Egídio Martorano, gerente para assuntos de transporte, logística, meio ambiente e sustentabilidade da FIESC. O nível F corresponde a uma circulação muito forçada, com filas frequentes, paradas prolongadas ou absoluto congestionamento.
O tamanho dos problemas e a grande importância do chamado Eixo Litorâneo para o desenvolvimento social e econômico de Santa Catarina motivaram a FIESC a criar, em 2014, o GT BR-101 do Futuro, com o objetivo de elaborar uma pauta estratégica de viabilidade para a rodovia. Com base nas diretrizes consolidadas pelo grupo de trabalho, recentemente a Federação publicou o documento SC não pode parar – Proposta para garantir a segurança e a eficiência do Eixo Litorâneo catarinense.
Alto retorno
Estudo da FIESC demonstra importância de se investir na BR-101
- Trechos analisados
- Travessia de Navegantes a Balneário Camboriú
- Travessia de Itapema
- Travessia de Biguaçu a Palhoça
- Principais melhorias
- Marginais com continuidade, implantação de viadutos em intersecções, readequação de intersecções, readequação de alças e agulhas de acesso e regresso à pista expressa, implantação de faixas adicionais
- Investimento abordado no estudo
- R$ 1,2 bilhão
- Benefícios econômicos
- Com acidentes: R$ 2,03 bilhões
- De tempo: R$ 5,07 bilhões
- Operacional: R$ 2,06 bilhões
- Com emissões: R$ 48,9 milhões
Fonte: FIESC/Lucas Trindade Engenharia de Tráfego e Pesquisa
Travessias | Dentre as novidades do trabalho destaca-se um estudo que mensura os gastos sociais dos congestionamentos para os usuários da BR-101 em seu trecho Norte, caso não sejam feitos investimentos. A constatação é que a realização de um pacote de melhorias entre os municípios de Navegantes e Palhoça custaria R$ 1,2 bilhão e traria economia de R$ 5,6 bilhões, a valores presentes. Considerando os benefícios econômicos para os usuários e o Estado até o final da concessão, em 2032, o impacto positivo supera R$ 9 bilhões. Este é o custo que a sociedade catarinense arcará em perda de tempo, queima desnecessária de combustível, custos operacionais, poluição e acidentes caso os investimentos não sejam realizados.
O estudo, realizado pelo engenheiro Lucas Trindade, tem o poder de quantificar monetariamente o tamanho do problema. Ao mesmo tempo, evidencia a alta taxa de retorno dos investimentos. “A infraestrutura logística inadequada impõe um custo altíssimo à sociedade catarinense. Estamos demonstrando que melhorar a infraestrutura não é gasto, mas investimento de altíssimo retorno e de efeitos tanto imediatos quanto de longo prazo”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.
As obras propostas englobam três pontos de travessias urbanas (veja o quadro), e incluem a continuidade de vias marginais interrompidas em vários trechos, situação que obriga veículos de tráfego local a acessar a pista principal, além da implantação de viadutos e pontes. As intervenções equivalem a uma parte das propostas do Grupo Paritário de Trabalho (GPT) formado em 2015 pela concessionária, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e entidades da área de influência da rodovia. O objetivo é propor melhorias para a BR-101 em Santa Catarina e outros trechos no estado do Paraná que compõem o chamado Lote 7, concessionado à empresa Autopista Litoral Sul, pertencente à Arteris.
Contratos de concessão de rodovias incluem um conjunto de obras obrigatórias. Elas integram o chamado PER – Programa de Exploração da Rodovia. No caso do Lote 7 é aí que se inclui, por exemplo, a construção do Contorno Viário da Grande Florianópolis, que é um capítulo à parte no imbróglio da BR-101 (veja o box). Além das obras contratuais, novas ações podem – e devem – ser propostas às concessionárias. É o chamado, no jargão técnico, de “ExtraPER”, que no caso foi formulado pelo GPT.
Pontes e marginais | O expediente visa suprir uma grande lacuna. O modelo de concessão a que foi submetida a BR-101 teve como critério a modicidade tarifária – e, de fato, o valor dos pedágios é pequeno em comparação a outras estradas concessionadas pelo Brasil. O problema é que, para que fossem baratos, foram poucas as exigências de obras de aumento de capacidade e de melhorias.
Para o trecho Norte da BR-101 em Santa Catarina, as obras elencadas no ExtraPER somam investimento total de R$ 2,6 bilhões, em valores de 2017. São mudanças que poderão alterar o cenário da rodovia até o final do período de concessão, em 2032. A maior parte delas já foi projetada pela concessionária e possui até mesmo licenciamento ambiental. A Arteris afirma estar disposta a realizar os investimentos. Ainda é necessária a autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), reguladora do setor.
Para a FIESC, que propôs alguns ajustes e avalizou os projetos, os investimentos devem ser feitos com a maior urgência possível. Porém, para levar o projeto adiante, a sociedade precisa estar disposta a pagar pedágios mais caros, para cobrir os investimentos que deverão ser feitos pela concessionária. Estima-se que a execução do pacote completo de obras do ExtraPER implicaria em aumento expressivo nas tarifas, que atualmente são de R$ 3. “Mesmo assim elas ainda ficariam entre as mais baixas do País”, afirma Martorano, da FIESC.
A Associação Empresarial de Itajaí (ACII) entende que vale a pena pagar pedágios mais altos em troca da construção de pontes e marginais em um trecho que vai de Balneário Camboriú até o Rio Itajaí-Açu, na divisa entre Itajaí e Navegantes. “Pela retenção de tráfego que temos em 12 quilômetros, o custo homem-hora e máquina-hora seria plenamente justificado pelo aumento de produtividade, pelo tempo ganho com uma rodovia destravada”, diz Mário Cesar dos Santos, presidente da ACII.
Santos, da ACII, de Itajaí: pedágio mais alto é justificável pelos ganhos da rodovia destravada - Foto: Leo Laps
Não é pouca coisa que está em jogo. Além de travar a logística portuária regional, a saturação da BR-101 ameaça o turismo. “Cada vez mais gente reclama que de Curitiba a Balneário ou Itapema (cerca de 225 quilômetros) está se levando cinco, seis horas. As pessoas estão começando a considerar se vale mesmo a pena vir. Isso é um impacto tremendo em um dos maiores trades do Estado”, afirma o dirigente.
Pista tripla | Mais ao norte, em Joinville, onde a situação não é tão grave quanto em Itajaí ou na Grande Florianópolis, as limitações também preocupam os empresários. “A BR-101 virou uma artéria da cidade. O trânsito flui, mas se há um acidente complica, pois não há plano B”, descreve Marcelo Hack, líder da pasta de mobilidade da Associação Empresarial de Joinville (ACIJ) e CEO do Perini Business Park.
Hack, da ACIJ: é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre custos e benefícios da BR-101 - Foto: Leo Laps
Os municípios vizinhos cresceram e atraíram empresas a partir da duplicação da BR-101. Araquari, por exemplo, passou de 24 mil para 38 mil moradores entre 2010 e 2019, e recebeu empresas como a capixaba Fortlev, a coreana Hyosung e a alemã BMW. A montadora se beneficia da estrutura logística regional, que inclui a própria BR-101, e a proximidade com o Porto Itapoá, que utiliza para receber peças e embarcar produtos acabados. “A BR-101 possui complicações de estrutura. Considero essencial que haja ampliação das faixas de rodagem, diminuindo o rotineiro congestionamento e proporcionando maior segurança aos usuários”, diz Ricardo Santin, diretor de montagem da unidade da BMW de Araquari.
“Temos que entender o quanto estamos dispostos a contribuir para a melhora do tráfego. Precisamos encontrar o ponto de equilíbrio: quanto vou pagar a mais para ter uma BR-101 com pista tripla e pontes, versus o que eu perco de dinheiro com engarrafamentos”, analisa Hack. Os estudos elaborados pela FIESC fornecem embasamento para decisões dessa natureza e propõem uma visão de futuro para a BR-101, num cenário em que ela deixará de ser uma estrada problemática para se tornar o coração de um eixo logístico e de desenvolvimento para Santa Catarina (leia matéria subsequente).
Nem o contorno resolve
Atrasada e muito mais cara que o previsto, obra não resolverá o nó do trânsito na capital.
BR-101 - Foto: Fernando Willadino
Prevista no contrato original de concessão da BR-101, assinado em 2008, a construção do Contorno Viário da Grande Florianópolis era para ter sido entregue em 2012. Porém, oito anos depois do prazo expirado, o melhor cenário é o de que a obra será concluída somente no final de 2023.
O principal problema foi a construção de um condomínio residencial em Palhoça sobre o projeto original. Um novo traçado para o contorno foi aprovado, porém muito mais complexo e caro, com túneis, pontes e viadutos. A ANTT aprovou um aditivo contratual e uma nova tarifa de pedágio para o equilíbrio econômico-financeiro do projeto, mas o Tribunal de Contas da União contestou os valores, criando um impasse. Sem o aditivo formalizado, a concessionária Arteris não inicia as obras no trecho de 11 quilômetros em questão – o contorno terá um total de 50 quilômetros.
Considerado a maior obra de infraestrutura em Santa Catarina, o objetivo do contorno é desviar o tráfego de longa distância do eixo principal da rodovia no entorno da capital. Ele é essencial, mas não será capaz de resolver a saturação na região. “O maior problema é o tráfego local, que vai continuar engarrafando a pista principal se nada for feito nela”, afirma Egídio Martorano, sublinhando a importância dos investimentos propostos pelo GPT/ANTT.