Cientista e empreendedora. A combinação destas duas atividades sintetiza a trajetória de Betina Zanetti Ramos, 48 anos, fundadora e diretora técnica da Nanovetores, que utiliza nano e microtecnologia para maximizar o desempenho, a proteção e a permeabilidade de ingredientes de cosméticos. Em 2022, após 15 anos de trajetória, a empresa sediada em Florianópolis entrou em uma nova fase de expansão ao se unir à gigante global Givaudan, de origem suíça, que passou a ter 48% de participação no negócio.
A agenda de Betina envolve várias viagens internacionais ao longo do ano, ocasiões em que se reúne com representantes de grandes corporações, tanto clientes quanto parceiros comerciais. “É incrível ter a oportunidade de conversar com profissionais de alto nível e perceber o interesse genuíno que a nossa tecnologia desperta”, descreve.
Essa rotina sequer poderia ser imaginada pela menina que viveu uma infância tranquila na cidade natal, São Miguel do Oeste – extremo oeste catarinense, bem perto da fronteira com a Argentina. A mãe, Cora, que por muitos anos atuou como professora de Biologia, tem ascendência alemã – a família foi uma das oito fundadoras da Vila Oeste, que deu origem ao município. Jovino, o pai, descende de italianos instalados no interior do Rio Grande do Sul. Mesmo tendo cursado apenas o ensino fundamental, ele trabalhou no mercado de exportação de sementes, inicialmente como empregado e depois com negócio próprio. “Meu pai nunca fez curso de espanhol ou de inglês, mas se virava. Sempre brincamos que ele fala um idioma próprio, o jovinês”, diverte-se Betina.
Encantamento | Desde pequena, Betina gostava de mexer com plantas, observando detalhes de folhas, frutos e flores. Quando chegou a época de escolher o curso para o vestibular, Farmácia se apresentou como o mais próximo daquele universo que ela tanto amava. Foi aprovada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e se mudou para Florianópolis.
O plano inicial era voltar para São Miguel do Oeste e montar uma farmácia de manipulação – o pai já havia até adquirido um imóvel com este objetivo. Só que, certa noite, ao acompanhar uma amiga num barzinho, ela conheceu Ricardo Ramos, estudante de Administração, seu futuro marido e sócio. Além do namoro, a mudança de rumo foi causada também pelo encantamento com o universo das pesquisas científicas.
Betina emendou a graduação com o mestrado e com o doutorado, cumprido na Universidade de Bordeaux, na França. Nesse meio tempo, a única irmã, Berenice, quatro anos mais jovem, começou a estudar Gastronomia e também partiu para Florianópolis – hoje é professora da área no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Para não ficarem distantes das filhas, Cora e Jovino também se mudaram para a capital.
Na tese de doutorado, Betina defendeu o uso de materiais sustentáveis em nanotecnologias aplicadas à indústria farmacêutica. De volta ao Brasil, o caminho natural seria seguir carreira acadêmica. Ela foi então provocada pelo marido a pensar se o tema dos estudos não poderia dar origem a um negócio – caso a resposta fosse positiva, ele estaria disposto a participar da empreitada com seus conhecimentos de administrador.
Assim surgiu a Nanovetores, fundada em 2008 e logo instalada na incubadora Celta, da Fundação Certi. Três anos depois, já focada no setor de cosméticos e higiene pessoal, a empresa captou investimentos do Fundo Criatec, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Reconhecia-se, assim, o alto teor de inovação trazido pelas estruturas de encapsulação robustas, seguras e sustentáveis – um dos diferenciais era a utilização de base aquosa, natural, em etapas que normalmente envolviam solventes orgânicos.
Nova sede | Em 2022, após mais de dez anos de vínculo com o Fundo Criatec, a Nanovetores passou a contar com um importante parceiro global, o Grupo Givaudan. Hoje, a empresa nascida em Florianópolis está desenvolvendo o 17º pedido de patente. Ocupa uma área de 2.300 metros quadrados no Sapiens Parque, centro de inovação da capital catarinense, e planeja a construção de uma nova sede no mesmo complexo. Das quase 300 toneladas produzidas mensalmente, 29% são exportadas, chegando a 150 países. São mais de 200 clientes ativos, de todos os portes, grande parte deles internacionais.
Nos últimos anos, especialmente depois das reflexões despertadas pela pandemia, Betina intensificou a busca pessoal por autoconhecimento. Leitora assídua de obras de filosofia, ela fez uma formação em Felicidade Interna Bruta (FIB), metodologia que tem disseminado na empresa para promover um maior nível de realização entre os 96 componentes da equipe, dos quais 55% são mulheres. “Comecei a pensar em como trazer elementos de bem-estar para a minha vida e para a empresa, pois considero que esse princípio de humanização é essencial para qualquer negócio que busca um propósito maior”, explica. “Não se trata apenas de fazer negócios e gerar renda, e sim de criar um ambiente em que o ser humano possa se realizar. Conseguir isso representa o verdadeiro sucesso de uma empresa.”
Betina considera estar colhendo os frutos da decisão disruptiva que teve a coragem de tomar – deixar a previsibilidade do ambiente acadêmico para se tornar uma das primeiras mulheres cientistas-empreendedoras do Brasil. Entre esses frutos está o privilégio de viver na Cachoeira do Bom Jesus, bairro do norte da Ilha de Santa Catarina que é seu lugar predileto do mundo, onde mais gosta de estar, desfrutando de contato com a natureza e perto da família. Em meio a uma rotina repleta de compromissos e afazeres, ela sempre encontrou tempo para dedicar à filha Beatrice, que acaba de completar 18 anos. “Olhando para a minha jornada, o sentimento de gratidão é enorme. Tudo foi se construindo de forma muito bonita na minha vida.”