A agroindústria catarinense começou 2020 com otimismo. Após enfrentar as crises da operação Carne Fraca, em 2017, e da greve dos caminhoneiros, em 2018, o setor havia se reerguido em 2019, passando a ser lucrativo pela primeira vez em anos. Começava a realizar uma rodada de investimentos de R$ 2 bilhões em Santa Catarina, quase tudo para expandir a capacidade produtiva. O período vindouro, afinal, tinha tudo para ser o melhor da história, com recorde de produção e resultados financeiros significativos. Veio, então, a pandemia do coronavírus, mas nem isso foi suficiente para retirar o otimismo do setor.
A indústria de alimentos é uma das menos afetadas pela crise, naturalmente. É do interesse de todos que a produção não pare. Redobrando os cuidados sanitários, que sempre foram altos, os frigoríficos de frangos e suínos de Santa Catarina seguiram funcionando a todo vapor, enquanto quase todo o resto se recolhia. No início do ano, o principal motor foi o mercado externo, que absorveu mais da metade da produção catarinense no primeiro trimestre. China e Europa elevaram, e muito, as compras de produtos brasileiros. O pano de fundo para o aumento das encomendas foi a questão sanitária, mas não exatamente o coronavírus.
A China teve seu sistema produtivo de suínos devastado pela temível peste suína africana, obrigando-se a exterminar boa parte do rebanho – o país detinha metade do plantel mundial de suínos, e também é responsável por metade do consumo global. Já países como Estados Unidos, México, Alemanha e China registraram ocorrências de influenza aviária, o que os obrigou a frear a produção enquanto tentam conter a epidemia. A resultante é uma relevante redução de oferta desses países, abrindo mercado para os produtos brasileiros. Com bons preços no mercado internacional e o câmbio extremamente favorável às exportações, a agroindústria se viu diante de uma oportunidade rara.
“Santa Catarina é o estado melhor posicionado para as exportações, por ser livre de doenças e possuir certificações para fornecer aos mercados mais exigentes do planeta”, afirma José Antonio Ribas Junior, presidente da Associação Catarinense de Avicultura (ACAV) e diretor da Seara, frigorífico que anunciou investimento de R$ 500 milhões em Santa Catarina em 2020.
A demanda é tão forte que, mesmo diante da perplexidade causada pela pandemia, as empresas decidiram manter os investimentos programados. É certo que ampliações fabris e a construção de novas unidades não manterão o cronograma inicial por causa das políticas de isolamento adotadas que afastaram trabalhadores dos canteiros de obras, mas até o final de abril nada havia sido engavetado pelos executivos do setor. A expectativa no período era de que a produção cresceria até 4% no Estado.
Expansão | É alentador para a economia catarinense que o segmento que acumula o maior valor bruto da produção dentre todos os setores industriais e puxa uma extensa cadeia de fornecedores pode não se desestruturar.
A retomada iniciada em 2019 afastou temores de que Santa Catarina não seria mais palco de projetos de expansão da agroindústria, que migrava para a Região Centro-Oeste. O motivo era o alto custo local de produção. Considerando-se apenas o fator milho, a principal matéria-prima, produzir um frango em Santa Catarina custa 7% a mais do que em estados com maior oferta do insumo, de acordo com estudo da ACAV. Outros fatores, entretanto, compensaram o problema.
Cenários | Além de possuir a melhor condição sanitária do País, a proximidade com portos de alta eficiência conta pontos a favor. A mão de obra é outro diferencial. Produtores rurais integrados há décadas fazem seu trabalho de cria e engorda de animais com maestria para a indústria, enquanto a produção em outras regiões requer investimentos maiores no desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Tudo isso contribuiu para Santa Catarina se tornar o principal polo de crescimento das exportações do setor.
Dois mil e vinte, entretanto, é um dos anos mais imprevisíveis da história, e muita coisa ainda pode dar errado. Um dos cenários de risco é o aprofundamento da crise do coronavírus, causando uma recessão grande a ponto de derrubar a demanda por proteínas. Ou restrições logísticas severas, que impeçam navios de atracar nos portos ao redor do mundo, por exemplo. Um dos riscos mais temidos é a descontinuidade forçada da produção, pois se os animais alojados não seguirem para a indústria tendem a morrer no campo, o que pode causar graves problemas sanitários. “Numa situação dessas poderíamos perder as certificações internacionais. Nossa produção não pode parar”, afirma Ribas Junior.
R$ 2 bilhões - Investimento da agroindústria em SC (2019-2020)
Setor agroalimentar em números
- 122 mil empregos - 16% da indústria de SC
- 3,9 mil empresas - 7,8% do total
- R$ 40,1 bilhões de Valor Bruto da Produção Industrial - 27,5% do total
Fonte: FIESC