Com fabricação local de motores, veículos e formação de competências, indústria brasileira avança na transição energética do setor, e Santa Catarina larga bem nessa corrida.
Montagem do e-Delivery, projeto pioneiro no Brasil - Foto: Divulgação
Ao longo deste ano sairão da fábrica da Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) em Resende (RJ) os primeiros caminhões 100% elétricos totalmente desenvolvidos e fabricados no Brasil. O lote inicial será destinado à Ambev, que assumiu o compromisso de adquirir 1.600 unidades e vem testando um protótipo do veículo há meses nas ruas de São Paulo. Até o final do ano, de acordo com a VWCO, o modelo batizado de e-Delivery estará disponível para os demais clientes. Trata-se de um marco da chamada “transição energética” no Brasil, movimento que poderá, nos próximos anos, alterar a lógica da indústria automotiva: boa parte dos motores a combustão interna, que reinam há mais de 100 anos, dará lugar a propulsores elétricos.
A tendência abre as portas do complexo e vasto segmento automotivo a novos fornecedores. É o caso da WEG, de Jaraguá do Sul, responsável pelo sistema powertrain – formado por motor elétrico de tração e um inversor de frequência – dos caminhões e-Delivery, e que adicionalmente fornecerá motores e inversores para sistemas auxiliares. O trabalho desenvolvido pela VWCO dá uma ideia das mudanças que a transição imporá à cadeia produtiva. “Nossa engenharia focou em novas tecnologias para bateria, motores elétricos e mesmo carregadores, o que não era usual na área automotiva. Nossos fornecedores também são novos para o mercado automotivo, como a WEG”, afirma Walter Pellizzari, gerente executivo de Estratégia Corporativa da VWCO, que organizou um consórcio de fornecedores específico para a empreitada.
Na WEG, a mobilidade elétrica é tratada como um tema “extremamente estratégico”, de acordo com Valter Luiz Knihs, diretor de Sistemas Industriais & e-Mobility da companhia. É uma das áreas que recebe a maior parte dos investimentos em P&D, ao lado de energias renováveis, eficiência energética, novos materiais, inteligência artificial e soluções para a indústria 4.0. Há anos a empresa desenvolve tecnologias e produtos para o segmento, com destaque para sistemas de tração de ônibus, trólebus, locomotivas, embarcações e aviões.
“No powertrain já estamos em um estágio fantástico de densidade, volume, peso e eficiência”, diz Knihs, citando a aplicação de tecnologias de semicondutores e ímãs para a obtenção de melhores resultados, associados a técnicas de refrigeração. Além dos sistemas de tração, a WEG se especializa no fornecimento de estações de recarga de bateria para todos os tipos de veículos elétricos. Em relação ao tamanho total da companhia, a mobilidade elétrica ainda é um negócio pequeno, mas a aposta é que a qualquer momento ele poderá experimentar crescimento significativo.
Detalhe do sistema powertrain - Foto: Divulgação
“Nossa tecnologia, testada e aprovada, agora será comercializada em grande escala. Além de referência no mercado de mobilidade elétrica, estamos definitivamente inseridos no cenário mundial da indústria automotiva”, avalia Knihs. O Grupo Traton, que congrega as marcas VWCO, Scania e MAN, anunciou recentemente investimento de 1,6 bilhão de euros em pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos até 2025. Já a Volkswagen trabalha para se tornar a “número 1” em mobilidade elétrica no mundo, destinando 30 bilhões de euros entre 2018 e 2023 para a empreitada.
O compromisso maior da transição energética é com a sustentabilidade. Os transportes são responsáveis por 24% das emissões de gases de efeito estufa no setor de energia, e a conversão pode reduzir substancialmente essas emissões, desde que as fontes geradoras da energia excedente necessária sejam limpas (veja o box). Seguindo determinações de diversos países, sobretudo europeus e asiáticos, de reduzir e mais à frente extinguir a produção de veículos movidos a combustíveis fósseis, todas as grandes marcas globais anunciam planos de reconversão de seus portfólios.
Convivência | Além dos modelos puramente elétricos ganham espaço os veículos híbridos, que possuem motores elétricos e a combustão. Pelo andar da carruagem, a consultoria Wood Mackenzie estima que em 2040 haverá 323 milhões de carros eletrificados em circulação no mundo, 30 vezes mais do que atualmente.
Uma mudança estrutural desse porte envolve aspectos ambientais, tecnológicos, sociais e de mercado e requer a conformação de um novo ecossistema integrado por montadoras, indústrias de vários segmentos, empresas de energia, fornecedores de soluções, profissionais especializados, startups, governos e consumidores. O Brasil ainda engatinha neste processo. Estima-se que por aqui a transição elétrica não será tão rápida e o País tende a conviver por muito tempo com veículos a combustão e elétricos dividindo ruas e estradas. Atualmente, para uma frota total de 65 milhões de automóveis no País, há pouco mais de 42 mil elétricos e híbridos rodando.
Uma das iniciativas mais importantes para acelerar a transição local e ao mesmo tempo posicionar a indústria brasileira na nova cadeia global é a recente criação do Instituto da Indústria Eggon João da Silva, em Jaraguá do Sul, uma parceria entre a FIESC e a WEG para formar recursos humanos, gerar inovações, fornecer serviços e prestar consultoria em mobilidade elétrica e também em fontes renováveis de energia (leia o box). “O objetivo é desenvolver, em parceria com a WEG, que já é um dos grandes players mundiais, um novo cluster industrial em Santa Catarina. O potencial de crescimento é exponencial e representa uma grande oportunidade para a indústria”, destaca José Eduardo Fiates, diretor de Inovação e Competitividade da FIESC.
Pelo lado tecnológico, o processo de conversão do setor automotivo a eletricidade tem características peculiares. Uma delas é que, em parte, corresponde a uma simplificação do produto. Motores elétricos podem ser considerados menos complexos do que os que funcionam a combustão, que possuem centenas de peças móveis contra algumas poucas do elétrico. Estes não têm caixa de marchas, diferencial ou cardã, e não é necessário trocar óleo, água ou correias – portanto, os custos de manutenção são menores. O motor elétrico também ganha de goleada quando o assunto é a eficiência. Enquanto os motores a combustão têm aproveitamento de apenas 30% da energia ou pouco mais, no caso dos elétricos o rendimento supera os 95%.
Entretanto, se o aproveitamento da energia é excelente, o problema é armazená-la. As baterias ainda são pesadas, caras, difíceis de reciclar e oferecem baixa autonomia aos veículos. Feitas de íons de lítio e compostas com diversas ligas metálicas, elas evoluíram muito nos últimos anos, mas ainda são entraves a uma maior disseminação da tração elétrica. Tornam os veículos caros e exigem uma grande rede de abastecimento espalhada por cidades e estradas. Como são importadas, ficaram ainda mais inacessíveis aos consumidores brasileiros devido à forte desvalorização cambial dos últimos anos.
Valter Knihs, diretor da WEG: “Com as políticas certas, a indústria brasileira poderá atender a demanda nacional e vender para o mundo” - Foto: Divulgação
Barreira | Aprimorar as baterias, entretanto, é uma questão de tempo. Estima-se que entre 2023 e 2025 consiga-se quebrar a barreira dos US$ 100 por kWh armazenado, o que será considerado um grande salto tecnológico. Montadoras como a GM já conseguiram reduzir o custo das baterias em 60% em relação aos primeiros modelos elétricos lançados e anunciam que, graças à continuidade desse processo, em poucos anos os preços dos veículos elétricos serão equiparados aos de combustão, a despeito da forte pressão nas cotações do lítio por conta dessa demanda. Paralelamente, em diversos países adensa-se a rede de abastecimento. O Reino Unido, por exemplo, já possui mais pontos de abastecimento EV (sigla em inglês para veículos elétricos) do que postos de combustíveis.
No Brasil, possuir um automóvel puramente elétrico ainda é considerado uma aventura. Um modelo importado compacto custa cerca de R$ 200 mil, enquanto um popular nacional de porte semelhante com motorização Flex pode custar três ou quatro vezes menos. A economia com combustível do usuário é relevante – estima-se que o custo por quilômetro seja quatro ou cinco vezes menor – mas há o desconforto de se ter que gastar horas para fazer cargas completas na bateria e o risco de conviver com poucos postos de abastecimento rápido. Apenas 857 carros 100% elétricos foram vendidos no Brasil em 2020, o que ainda assim representou um crescimento de 53% sobre o ano anterior. O mercado é disputado por 20 modelos importados disponíveis, sendo que o mais vendido foi o Audi e-tron, que custa a partir de R$ 532 mil.
Quando se fala em veículos eletrificados, categoria que contempla também os automóveis e comerciais leves híbridos, as coisas mudam de patamar. As vendas totais somaram 19.745 unidades no ano passado, 66,5% a mais do que em 2019. Considerando que o mercado de veículos “convencionais” encolheu no período, pela primeira vez os eletrificados ocuparam a fatia de 1% do mercado nacional, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Quase todos os modelos situam-se no topo da escala de preços, o que delineia claramente como este mercado se estabelece no Brasil.
BMW i3 foi o primeiro modelo puramente elétrico vendido no mercado brasileiro - Foto: Divulgação
Três em um | “O futuro da mobilidade premium é autônomo, eletrificado, conectado e compartilhado. Como maior fabricante de veículos premium do Brasil, estamos nos preparando também para esta realidade”, afirma Mathias Hofmann, diretor-geral da fábrica do BMW Group em Araquari. A BMW trouxe seu primeiro híbrido para o mercado brasileiro em 2011, e foi a pioneira em ofertar um modelo puramente elétrico, o BMW i3, a partir de 2014. Além do i3, a marca atualmente oferece versões híbridas plug-in (motor elétrico recarregado na rede elétrica) para os modelos Série 3, Série 5, Série 7, X3 e X5.
O sucesso entre os consumidores mais exigentes deve-se, além de todas as qualidades comumente associadas à marca, à versatilidade dos carrões. “É como ter três carros em um, usando os diferentes modos de direção de um BMW”, diz Hofmann. Ele explica que no modo esportivo, quando a bateria está totalmente carregada, o alto desempenho é proporcionado pela dinâmica dos dois powertrains. Em outro modo, o carro decide de forma inteligente e automática qual o melhor motor a ser usado em cada situação. Já o modo puramente elétrico é adequado para uso urbano e pequenos deslocamentos. Uma vantagem crucial dos híbridos é que com eles não se corre o risco de ficar parado por falta de carga da bateria, pois pode ser abastecido com gasolina.
“São veículos mais sofisticados e tecnologicamente bem mais complexos que os veículos elétricos de bateria ou os veículos de combustão interna, perfeitos para regiões sem uma larga infraestrutura de recarga como é ainda o caso do Brasil”, informa o executivo. As vendas de veículos eletrificados da marca cresceram 300% no Brasil no ano passado, e este ano estão sendo lançados novos modelos das marcas BMW, BMWi e MINI, todos importados. A empresa também expande a rede de pontos de recarga – em Santa Catarina atualmente há 26 pontos instalados.
Mathias Hofmann, diretor da BMW: “Há estudos para produzir híbridos e elétricos em Araquari, mas mercado ainda não sustenta produção local” - Foto: Divulgação
Os números, apesar de vistosos, ainda não sustentam os planos de tirar da gaveta o projeto de fabricar carros elétricos por aqui. “Há estudos para produzir veículos híbridos e elétricos na fábrica de Araquari, mas a decisão ainda não foi tomada”, diz Hofmann. “Apesar do crescimento do mercado, o volume ainda precisa ser maior para sustentar uma decisão de produção local.”
A experiência da BMW está alinhada às perspectivas sobre eletromobilidade no Brasil traçadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em estudo que serviu de apoio ao Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, lançado pelo Governo Federal no final do ano passado. O cenário antevisto até 2050 é de um processo de “hibridização”, que considera uma dinâmica de “coexistência robusta” de veículos híbridos e a combustão interna, com desvantagem nítida no processo para os veículos puramente elétricos. A empresa estima que a frota de híbridos e elétricos atinja 360 mil unidades no País em 2026.
“A grande barreira é o custo elevado dos veículos eletrificados, que não são acessíveis ao poder aquisitivo do brasileiro. Outro percalço é a dificuldade em se articular a infraestrutura necessária em um país continental”, analisa Hugo Ferreira, presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria Automotiva da FIESC e diretor regional do Sindipeças, entidade que congrega os fabricantes de componentes para veículos. No Brasil há ainda um forte “concorrente” da eletrificação, o etanol, considerado sustentável porque é renovável e menos poluente do que o diesel e a gasolina, com sistemas de produção e distribuição consolidados e a maior parte da frota brasileira já adaptada ao combustível.
Nesse contexto, o crescimento da mobilidade elétrica tende a ser mais acelerado em aplicações específicas e nichos de mercado, como compartilhamento de veículos (carsharing), transporte público e frotas corporativas. É aí que se encaixa o e-Delivery, o caminhão da VWCO equipado com powertrain da WEG que ilustra esta reportagem.
De acordo com a montadora, seus custos operacionais são até 60% mais baixos que o modelo equivalente a diesel, além de oferecer vantagens como ausência de emissões de poluentes, baixíssimo nível de ruído e pouca vibração, o que traz conforto para os usuários e à própria população. A autonomia das baterias é de 100 quilômetros e 200 quilômetros, a depender da versão.
Caminhão elétrico em testes: custos operacionais são até 60% mais baixos que os de modelos a diesel - Foto: Divulgação
Ônibus | “Estamos vendo a tendência de eletrificação exatamente no segmento de entrega urbana. A expectativa é que teremos uma participação significativa dos elétricos neste segmento ainda nos próximos três a cinco anos”, afirma Walter Pellizzari, da VWCO. De olho nesta tendência, modelos importados 100% elétricos já chegaram ao mercado, como o iEV1200T trazido pela chinesa JAC Motors, que entregou as primeiras unidades à PepsiCo no início deste ano. Também há outros projetos nacionais para a montagem de pequenos caminhões urbanos, como o da FNM. A antiga Fábrica Nacional de Motores foi rebatizada como Fábrica Nacional de Mobilidades por uma startup de Caxias do Sul (RS) que vai montá-los nas instalações da Agrale. A empresa já começou a receber pedidos, inclusive da Ambev. Os planos da fabricante de bebidas são de modificar metade de sua frota de 5.300 caminhões no Brasil até 2023.
A conversão da frota de ônibus urbanos também é vista como grande oportunidade para o desenvolvimento do setor. Estima-se que há por volta de 500 mil ônibus em operação no Brasil, sendo boa parte da frota antiga e, movida a motores de combustão a diesel, altamente poluente e barulhenta.
Para se ter ideia do interesse nessa frente, recentemente foi anunciada uma coalizão entre fabricantes e investidores com o objetivo de aplicar US$ 1 bilhão na ampliação da frota de ônibus elétricos em quatro grandes cidades da América Latina: São Paulo, Santiago (Chile), Medellín (Colômbia) e Cidade do México. Participam da iniciativa o BNDES, empresas de energia como Enel e EDP e fabricantes como a brasileira Eletra e a chinesa Foton, líder de mercado na América Latina que possui unidades fabris no Brasil. Uma lei municipal de São Paulo de 2018 prevê a redução de 50% das emissões de carbono de veículos de transporte público até 2028 e a eliminação de emissões até 2038. Em Santa Catarina uma das principais iniciativas é a do ônibus elétrico alimentado por energia solar da Universidade Federal (UFSC), que foi testado ao longo de três anos em Florianópolis, rodando cerca de 120 mil quilômetros.
eBus da UFSC: 120 mil quilômetros rodados durante três anos de testes - Foto: Jair Quint - Acervo fotográfico AGECOM/UFSC
Já para o transporte de cargas de longa distância, cenário em que predominam caminhões pesados a diesel, surgem inovações como o e-Sys, da Randon, um sistema de tração auxiliar elétrica instalado na carreta. O conjunto é formado por uma unidade de controle eletrônico, bateria e inversor e motor elétrico (fornecidos pela WEG), que é acoplado a um eixo. Um algoritmo avalia as condições de operação, permitindo ao implemento tracionar e aliviar o esforço do caminhão nas subidas, resultando em economia de combustível de até 25%. Nas frenagens e desacelerações o motor recupera a energia cinética, que é armazenada na bateria. “É uma solução disruptiva que inverte a lógica vigente, porque a carreta passa a ajudar o caminhão com ganhos operacionais efetivos ao cliente e à natureza”, diz o CEO Daniel Randon.
O agronegócio também pode ser eletrificado. Uma startup de Joinville, a Yak Tractors, que já produz e comercializa tratores elétricos para aeroportos e indústrias, está em fase de captação de recursos para viabilizar seu projeto de tratores agrícolas de até 170 CV. As máquinas deverão custar o dobro das convencionais, mas em aplicações como lavouras de cana de açúcar o pay-back é estimado em 24 meses, segundo o fundador João André Ozório. O fato de grandes fazendas geralmente possuírem fontes geradoras, como pequenas centrais hidrelétricas ou painéis solares, facilita a recarga das baterias. Recentemente a Yak recebeu aporte de R$ 1,2 milhão de um programa da Finep (empresa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia) para desenvolver novos modelos.
Sistema de tração auxiliar desenvolvido pela Randon: carreta passa a ajudar o caminhão - Foto: Divulgação
Prefeituras | Por mais que surjam novas soluções de mercado, há praticamente um consenso no setor de que a transição energética nos transportes só vai andar de verdade se houver estímulos e políticas públicas, como subsídios e tributações sobre CO2. Mathias Hofmann, da BMW, destaca que os impostos e as alíquotas para importação dos componentes do Brasil ainda são maiores para veículos elétricos e híbridos quando comparados a países onde a tecnologia está mais disseminada. “Esses países também oferecem benefícios como isenção de pagamento de pedágio, vagas de estacionamento preferenciais com oferta de recarga, isenção de rodízio e permissão para trafegar em áreas restritas”, enumera o executivo.
Valter Knihs, da WEG, ressalta a importância de prefeituras adotarem diretrizes para um transporte público mais sustentável e fazer a conversão de suas frotas para veículos de emissão zero, além de criar ecovagas para carros puramente elétricos. Todas essas propostas se inserem no conceito de criação de cidades inteligentes, sustentáveis e tecnológicas, que cresce em todo o mundo. Um documento produzido pelo projeto Big Push para a Mobilidade Sustentável no Brasil delineou diferentes cenários para o País em 2050, com base em experiências internacionais. Se houver incentivos como os citados pelos executivos, além de uma boa infraestrutura de recarga, as vendas de elétricos poderão corresponder a cerca de 20% das vendas totais de veículos. Caso contrário, não conquistarão nem 4% do mercado.
Considerando que esta é uma tendência irreversível da indústria automotiva, a construção de políticas para o setor será essencial para a manutenção e modernização da cadeia industrial no Brasil. Vale citar que, de acordo com especialistas, pesou na decisão da Ford em deixar o País a estratégia global de se voltar ao mercado de veículos elétricos, que ainda é pequeno e incerto por aqui. Por outro lado, o Brasil já possui uma grande estrutura industrial de automóveis, caminhões, ônibus e aeronaves, e, de acordo com a visão estratégica de empresas como a WEG, pode se tornar um grande player global, em especial de veículos de transporte urbano elétricos. “Com as políticas certas, a indústria brasileira será capaz de atender a demanda nacional, consolidar um nicho estratégico e de forte tecnologia no País, inovar e vender para o mundo”, afirma Knihs.
Oportunidades e desafios
socioambientais para veículos elétricos e baterias
Oportunidades
- Carga horária total: 360 horas
- Melhora na qualidade do ar dos centros urbanos, gerando benefícios para a saúde pública
- Redução de ruído
- Minimizar risco de suprimento de lítio e impactos da mineração por meio da reciclagem de baterias
- Desenvolvimento local pela geração de emprego e renda
Desafios
- Construir matriz elétrica de baixa emissão de GEE
- Minimizar impactos ambientais da mineração (consumo de água e presença de material radioativo)
- Implantar logística reversa de baterias com aplicação secundária e reciclagem
- Garantir escala e segurança para a reciclagem de baterias
- Capacitação da mão de obra (autopeças, motores elétricos, logística reversa, reciclagem)
Fonte: SENAI-SC
A cidade dos motores
Em parceria com maior fabricante do mundo, Instituto da Indústria oferece MBI em mobilidade elétrica e consolida Jaraguá do Sul como polo do setor.
Foto: Arquivos SENAI-SC
Detroit, cidade norte-americana que sedia a General Motors, ficou mundialmente conhecida como a “cidade dos motores” (Motor City). De modo semelhante pode-se dizer que Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, é hoje a cidade dos motores elétricos. É lá que está sediada a WEG, considerada a maior fabricante do mundo, que se volta também à produção de motores elétricos e outros equipamentos para a indústria automotiva. Natural, portanto, que o instituto tecnológico voltado ao desenvolvimento do setor esteja sediado em Jaraguá do Sul. Trata-se do Instituto da Indústria Eggon João da Silva, inaugurado no final do ano passado. Fruto de uma parceria entre o SENAI e a WEG, seu nome homenageia um dos fundadores da empresa.
“O Instituto vai desenvolver competências e formar pessoas que possam inserir Santa Catarina nessa nova fase da indústria automotiva. Também atuará em rede com os institutos do Sistema Indústria em todo o País em projetos de pesquisa e desenvolvimento, além de oferecer serviços especializados”, afirma Fabrizio Machado Pereira, diretor regional do SENAI-SC.
Dentre os cursos, o destaque é o MBI (Master in Business Innovation) que terá início em junho e se estenderá até outubro de 2022. Com aulas presenciais e a distância, o programa inclui imersões físicas em empresas e institutos do setor, dentre eles o Fraunhofer, na Alemanha. A metodologia inclui desafios tecnológicos e experimentação de tecnologias, e o público-alvo é formado por tomadores de decisões e profissionais de liderança de equipes de P&D, produção, vendas e marketing, além de empreendedores. As primeiras turmas contarão com a participação de diversos profissionais da própria WEG.
Instituto da Indústria em Jaraguá do Sul: foco no desenvolvimento de competências Foto: Arquivos SENAI-SC
Além da mobilidade elétrica, o Instituto é focado em energias renováveis, novas fontes de energia e formas de armazenamento. Oferecerá ainda consultoria e mentoria para empresas e profissionais. “Também teremos aqui uma unidade do Centro Universitário do SENAI, oferecendo cursos de engenharia com residência e pós-graduação para estudantes e profissionais”, reforça Fabrizio Pereira.
Para Valter Knihs, diretor da WEG, o Instituto tem potencial para inovar, melhorar produtos e, por consequência, gerar crescimento e emprego. “Seu papel é adubar, irrigar e manter ou melhorar a competitividade desse ecossistema”, define.
Formação de ponta
Estrutura do MBI em Energias Renováveis e Mobilidade Elétrica
- Carga horária total: 360 horas
- 85% on-line e 15% presencial, com imersão em empresas e institutos
- Módulo nivelamento (36 h)
- Módulo I: Negócios das energias renováveis e mobilidade elétrica (126 h)
- Módulo II: Tração elétrica (126 h)
- Módulo III: Inteligência de sistemas (72 h)
- Módulo IV: Projeto aplicado (36 h)
- Período: junho de 2021 a outubro de 2022
Fonte: SENAI-SC
Baterias sobre rodas
Mobilidade elétrica ajuda na expansão de geração de energia por fontes renováveis.
VEs em todos os segmentos já dispensam demanda de 1 milhão de barris de petróleo por dia - Foto: Shutterstock
A mobilidade elétrica não representa mudanças apenas para a indústria automotiva, mas também para o setor de energia. A transição energética dos transportes implicará em dobrar o consumo de eletricidade no mundo, de acordo com projeção de Elon Musk, CEO da Tesla Motors. Para se manter fiel ao propósito da busca da sustentabilidade que orienta a corrida pela mobilidade elétrica, a geração deverá advir de fontes limpas, como solar e eólica – e dificilmente a expansão da geração nuclear ficará de fora dessa conta. Ao mesmo tempo, o setor é pressionado para promover a descarbonização do parque existente. Nesse aspecto o Brasil sai em vantagem, por já possuir uma matriz sustentável e promover a expansão da geração solar e eólica.
Mais do que apenas consumir energia, a eletromobilidade terá papel central para o equilíbrio dos novos sistemas de energia. Sol e vento são fontes intermitentes, e para que o fornecimento seja estável é necessário armazenar a energia excedente gerada para jogar na rede em horários de pico. Nesse sentido, carros elétricos são vistos no setor como “baterias sobre rodas”. A ideia é que veículos recarreguem nos horários em que as fontes renováveis estão gerando e os preços são mais baixos, devolvendo energia ao sistema em horários de pico e pouca geração, quando os preços estarão mais altos. Bom para os motoristas e para o sistema elétrico.
Isso tudo, é claro, requer redes muito mais complexas, novas regulamentações e mudanças de mentalidade, e empresas do setor arregaçam as mangas para viabilizar o novo cenário. Em parcerias com montadoras e outras empresas, grupos como Enel, Engie e EDP já instalaram centenas de pontos de abastecimento no Brasil e financiam startups para a criação de tecnologias que permitam a “conversa” dos carros com a rede elétrica. Já projetos como o Cidade 4.0 Living Lab, desenvolvido desde 2019 no Distrito Federal para o compartilhamento de veículos, disseminam a nova cultura. “Também são fundamentais para testar a usabilidade das tecnologias em ambiente real, com grande circulação de pessoas e veículos”, afirma Manfred Petter Johann, diretor da WEG Automação, que forneceu 35 estações de recarga para o projeto.