Métodos desenvolvidos por construtoras catarinenses transferem para o ambiente industrial processos que ocorriam nos canteiros de obras, com ganhos de produtividade e benefícios para o meio ambiente.
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A industrialização está revolucionando a construção civil brasileira – e Santa Catarina tem importante participação neste movimento. Construtoras como a Rôgga, sediada em Joinville, e a BS, de Criciúma, desenvolveram sistemas construtivos em que parte considerável do trabalho antes feito diretamente no canteiro de obras passou a ser realizada em ambientes fabris, sob condições mais controladas e padronizadas. Com isso, estão ganhando produtividade, reduzindo custos e promovendo a sustentabilidade – ao mesmo tempo que entregam imóveis com mais qualidade.
As duas construtoras catarinenses se destacaram na 23ª edição do Prêmio CBIC de Inovação e Sustentabilidade, anunciado em dezembro pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em parceria com o SENAI. A Rôgga ficou com o primeiro lugar e a BS com o terceiro lugar em Sistemas Construtivos, uma das cinco categorias do prêmio. O pódio foi completado pela Fortes Engenharia, de Vitória (ES). “São projetos que mostram como a construção civil, que muitas vezes é vista pela sociedade como um setor conservador, está demonstrando grande capacidade de se reinventar”, destaca o presidente da CBIC, José Carlos Martins.
A Rôgga foi premiada pelo Sistema Rôgga de Edifícios Sustentáveis (RES), lançado há cinco anos. “Nossa grande motivação foi reduzir o caráter artesanal que ainda predominava no setor da construção civil”, conta o CEO, Vilson Buss. Quando ele e o sócio, Erich Muschellack – atual superintendente-geral da Fundação Certi –, fundaram a construtora, há 15 anos, ambos vinham de experiências na indústria. Buss havia atuado no ramo metalúrgico, e Muschellack em tecnologia. “Não se podia mais admitir, por exemplo, que escadas continuassem sendo feitas uma a uma, degrau a degrau, sem processo nem padronização. É um grande desperdício de tempo e de material, além do risco de imprecisões na execução”, afirma Buss.
Vilson Buss (CEO da Rôgga): "Nossa grande motivação foi reduzir o caráter artesanal que ainda predominava no setor da construção civil” - Foto: Divulgação
Depois de uma série de pesquisas e testes, processo que incluiu viagens à Europa e à Ásia e o estabelecimento de um acordo de transferência de tecnologia com uma grande construtora chinesa, a Rôgga teve o pioneirismo reconhecido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que patrocinou o projeto, arcando com 80% do custo inicial, de R$ 15 milhões.
O método proporciona a padronização de tudo o que pode ser pré-moldado numa obra. Paredes de concreto, lajes, escadas, instalações elétricas e hidráulicas saem prontas da fábrica, chamada internamente de Centro de Processamento Logístico. A capacidade atual de produção é de oito apartamentos por dia. Transportadas por carretas, as partes são montadas como um “Lego gigante” no local da obra, sobre fundações executadas da forma tradicional.
Considerando-se todo o processo, o prazo da obra cai, em média, 30%, sendo que o tempo no canteiro é reduzido ainda mais drasticamente. Um prédio de quatro andares é montado em apenas um mês, com redução de 80% na produção de resíduos sólidos – especialmente de madeira para caixaria, que, da forma como é tradicionalmente utilizada, não tem qualquer outro aproveitamento possível, nem mesmo para lenha. O custo total da obra é reduzido em cerca de 20%.
Construção Industrial Ganhos de eficiência com novo sistema produtivo |
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Prazo de execução da obra | Redução de 30% | |
Produção de resíduos sólidos | Redução de 80% | |
Custo total da obra | Redução de 20% |
Fonte: Rôgga
Decoração | Outro aspecto relevante nas obras da Rôgga é que todo o esgoto produzido passa por Estações de Tratamento de Efluentes Sanitários (ETEs) antes do descarte, com níveis de até 95% de eficiência na remoção de matéria orgânica. “E todas as instalações têm sistemas complementares de desinfecção para remoção de microrganismos patogênicos”, diz o diretor de produção Ricardo Goulart.
Com o propósito de simplificar a vida dos clientes, a Rôgga lançou durante a pandemia uma plataforma de marketplace 100% digital, cujo primeiro projeto é o Rôgga My Home. A ideia é proporcionar a oportunidade de escolher o mobiliário do apartamento ainda em construção, de forma simples e econômica, evitando os tradicionais desgastes com orçamentos, fornecedores e imprevistos. “O cliente pode receber as chaves com tudo já resolvido. Precisa se preocupar apenas com a mudança e em dar o seu toque pessoal à decoração”, informa a gerente do projeto, Deborah Buss.
Vila Açoriana Comfort Club, em Barra Velha - Foto: Divulgação
Com tantas iniciativas inovadoras, e impulsionada também pelo momento favorável em relação às taxas de juros praticadas no mercado imobiliário, a Rôgga ampliou o faturamento em 60% no ano passado. Dos 12 empreendimentos planejados para realização em 2021, totalizando 1.500 apartamentos e valor geral de vendas (VGV) superior a R$ 400 milhões, nove utilizarão o sistema RES. A permanência do método convencional nos outros três se explica pelas necessidades de customização às características dos terrenos. “O caminho tradicional costumava ser a escolha de um terreno e o desenvolvimento de um projeto específico para aquelas circunstâncias. O que fazemos agora é o contrário: procuramos terrenos que já sejam apropriados aos princípios do RES”, explica Buss.
A construtora BS, de Criciúma, também criou um método de construção rápida por meio de um sistema industrializado, a partir da proposta central de “parar de empilhar pedra” para realizar obras eficientes e limpas. As paredes externas são de concreto autocortante e toda a estrutura elétrica e hidráulica é preparada em kits para ser instalada sobre os forros de gesso e dentro de paredes internas que utilizam o sistema DryWall.
A montagem é realizada sequencialmente, de tal forma que não transcorrem processos paralelos, que podem interferir no bom andamento uns dos outros. Outra vantagem é a maior eficiência na gestão das obras. “O método permite que uma mesma equipe quadruplique a capacidade de administração”, afirma o CEO da BS, Tiago Henrique Stangherlin.
Tiago Stangherlin (CEO da BS): "Aumento da produtividade de cada profissional leva a aumento da expectativa de melhoria da remuneração” - Foto: Divulgação
Ele ressalta que o desenvolvimento da nova metodologia, que já vinha sendo vislumbrada pela construtora, só se tornou possível por conta de duas circunstâncias. Uma delas foi a normatização do sistema de paredes autocortantes, por meio da NBR (norma brasileira) 16.475, de 2017. “Isso possibilitou a utilização dessa metodologia em financiamentos habitacionais”, explica Stangherlin. Outro ponto importante foi a reforma trabalhista e a lei de terceirização, que passaram a viabilizar a contratação de equipes para tarefas específicas dentro da atividade-fim.
As vantagens da nova metodologia, aponta o CEO da BS, são percebidas em todos os aspectos relacionados à construção – inclusive no que diz respeito à solidez das obras. “As paredes de concreto são bem menos suscetíveis a fissuras e infiltrações, pois quando são colocadas no mercado já passaram por muitos testes.” A construtora definiu, como estratégia para viabilizar o processo de industrialização, a contratação de fabricantes de pré-moldados localizados o mais próximo possível da obra.
Parte da missão das construtoras que trabalham com os novos sistemas de construção envolve a necessidade de superar alguns preconceitos em relação aos pré-moldados, como a alegada “falta de charme” dos projetos e a suposta qualidade inferior dos materiais. “O ‘charme’ ocorre muito mais em função dos elementos de decoração e de paisagismo, que podem ser escolhidos livremente, do que da estrutura em si. Em relação à qualidade, posso assegurar que o resultado são obras mais sólidas e com menos riscos de problemas”, afirma Buss, da Rôgga.
Conforto | Outro desafio é a conscientização e o treinamento dos profissionais. “A lógica da produção muda bastante porque é preciso se alinhar a processos que seguem um planejamento detalhado”, descreve Stangherlin, da BS. Para os operários que trabalham diretamente na obra, há a grande vantagem de escapar da jornada sob sol forte ou intempéries climáticas, além da redução do esforço físico carregando materiais e produzindo cimento manualmente, por exemplo. “Como a industrialização das atividades leva ao aumento da produtividade de cada profissional, há expectativa de melhoria da remuneração com o passar do tempo”, avalia o CEO da BS.
Para arquitetos e engenheiros, a possível sensação de perda de “liberdade criativa” e de “exclusividade” também pode ser compensada pelas vantagens da produção em série. “Um projeto rende participação para os autores cada vez que é reproduzido”, observa Stangherlin. Para disseminar os conceitos de construção rápida e estabelecer parcerias para a aplicação da metodologia em obras de terceiros, a construtora constituiu uma segunda empresa, a Lexto. “Temos a missão de mostrar que não é só no Japão ou na China que se pode montar um prédio em um mês. No Brasil isso também já é possível.”