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Após processos de desindustrialização – isto é, a redução do peso da indústria na economia –, a retomada da indústria é um fenômeno que ocorre celeremente nos Estados Unidos e na Europa, onde os governos criam políticas industriais robustas e investem altas somas para estimular a manufatura local. Os objetivos são trazer de volta indústrias que nas últimas décadas deslocaram a produção para a Ásia – cujos países criaram suas próprias estratégias de industrialização – e desenvolver localmente setores ligados às novas tendências, como a economia verde.
O Brasil também despertou para a importância da revitalização da indústria, e atualmente está em debate a criação de uma política para a retomada do setor, que se enfraqueceu no País nas últimas décadas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou uma proposta alinhada com as grandes tendências globais e as potencialidades brasileiras, capaz de subsidiar políticas públicas de combate às mudanças climáticas, descarbonização, digitalização da economia, segurança alimentar e redução das desigualdades sociais, dentre outras.
Para que a indústria brasileira se firme como referência internacional nessas áreas, ocupando posições de alto valor agregado nas cadeias globais de valor, é fundamental o investimento no ecossistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Um passo importante já foi dado nessa direção, com a criação dos Institutos SENAI de Inovação (ISI), a partir de 2012, para a realização de pesquisa aplicada.
Desde então, os 28 ISI espalhados pelo Brasil participaram de mais de 2.400 projetos de pesquisa, desenvolvendo novos produtos e processos para tornar a indústria mais competitiva – alguns dos projetos envolvendo os ISI de Santa Catarina estão detalhados nesta edição. O trabalho das redes de inovação criadas pelos Institutos ao longo dos anos será fundamental para apoiar a nova fase da indústria no País.
“Busca-se a retomada da industrialização sobre novas bases, por isso se usa o termo ‘neoindustrialização’. Os Institutos SENAI de Inovação e Tecnologia estão adaptando e direcionando suas competências para se alinhar às grandes tendências globais, como energias renováveis e digitalização da economia”, afirma Fabrizio Machado Pereira, diretor regional do SENAI/SC.
Pereira: Institutos apoiam retomada da industrialização sobre novas bases - Foto: Filipe Scotti
Nesse sentido, mesmo regiões mais industrializadas como Santa Catarina poderão se beneficiar do processo, agregando novas capacidades ao seu tecido industrial.
A expectativa é de que a indústria dê um salto de produtividade, competitividade e inserção internacional com base na inovação. “O BNDES atuará no impulsionamento da indústria em agendas como transição energética, sustentabilidade e descarbonização, que se somam à agenda de neoindustrialização do século 21, onde o componente de inovação tem centralidade”, diz Rafael Lucchesi, presidente do Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Lucchesi, que é também diretor de Educação e Tecnologia da CNI, é um estudioso da indústria no Brasil e no mundo. Ele afirma que o Brasil já trilhou um caminho de desenvolvimento econômico e de geração de renda baseado na industrialização. Quando isso ocorreu, entre as décadas de 1930 e 1980, o País liderou o crescimento econômico mundial. Depois disso, porém, a indústria perdeu fôlego e houve um processo de reprimarização da economia. “Perdemos a capacidade estratégica de pensar no futuro”, conta Lucchesi.
A indústria chegou a ter participação de 48% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nos anos 1980, de acordo com a CNI, mas desde então a fatia foi reduzida a 24%. Isso considerando a chamada indústria total, que compreende os setores extrativos e a construção civil. Se for levada em conta apenas a participação da indústria de transformação, aquela que mais agrega valor aos produtos e gera empregos de melhor qualidade, a participação no PIB gira atualmente em torno de apenas 10%. Uma das consequências da desindustrialização é a perda de relevância internacional do Brasil, que chegou a ter 3% do PIB global, mas atualmente detém 1,3%.
A revalorização da indústria está associada a percepções geopolíticas e econômicas. A desarticulação das cadeias produtivas globais com a pandemia deixou claro que os principais países não podem prescindir de produção industrial própria – ou em países aliados próximos – em áreas estratégicas. Pelo lado econômico, a indústria é fundamental porque é o setor que mais gera recursos para a economia como um todo, e se constatou que é difícil desenvolver serviços sofisticados ligados à indústria se a produção física não está presente.
A reativação industrial, portanto, gera ganhos em todos os setores, até mesmo no primário, que necessita de produtos industriais como máquinas, satélites e drones para obtenção de ganhos de produtividade. “Não se trata apenas de ter fábricas, mas de ter o domínio de cadeias produtivas”, diz José Eduardo Fiates, diretor de Inovação e Competitividade da FIESC.
As transformações digitais, climáticas e geopolíticas representam uma janela de oportunidade para a retomada da industrialização no Brasil. “Temos uma enorme fronteira para avançar. Podemos nos posicionar, por exemplo, como grande produtor e exportador de energia limpa se adotarmos uma estratégia articulada de fazer disso um driver para a neoindustrialização brasileira”, sugere Rafael Lucchesi, ressaltando a necessidade de coordenação das estratégias empresariais com uma agenda de políticas públicas alinhadas a determinados objetivos estratégicos.
Lucchesi: é necessário adotar estratégias articuladas para orientar a neoindustrialização brasileira - Foto: Divulgação
Foi para avançar nessa agenda que José Eduardo Fiates apresentou para a diretoria do BNDES um estudo comparativo entre políticas industriais de diversos países e as estratégias que têm se revelado vencedoras, como a criação de ambientes complexos de Ciência, Tecnologia e Inovação profundamente integrados às cidades e em conexão com projetos mobilizadores e estruturantes.
“Os países estão planejando e orientando suas políticas públicas pela ótica da revitalização da indústria e da sua integração com estratégias de desenvolvimento”, diz Fiates. Ele destaca o conceito de MOIP (Mission-Oriented Innovation Policies), ou Políticas de Inovação Orientadas por Missão. São políticas adotadas por países com sentido de missões de longo prazo, como obter a liderança em energias renováveis, por exemplo. Funciona – se bem articulada – porque estabelece cooperação entre os setores público e privado e evita a disputa e a dispersão de recursos escassos.
Produção de energias renováveis é oportunidade para a indústria - Foto: Shutterstock
A agenda é extensa. Além da urgência em atacar os diversos fatores que reduzem a competitividade industrial, como alta carga tributária, crédito caro e baixa qualificação profissional, acelerar a inovação é um dos eixos para a retomada da indústria. O papel dos Institutos SENAI é central nesse contexto, pois eles já funcionam como grandes hubs de inovação setorial.
“Além de possuir equipamentos de ponta em suas áreas de especialização e corpo técnico com centenas de pesquisadores, os ISI se articulam com dezenas de universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento do Brasil e do exterior”, diz Maurício Cappra Pauletti, gerente executivo de Inovação e Tecnologia do SENAI/SC.
O espaço dos Institutos é compartilhado por startups, aceleradoras e empresas parceiras nos projetos. Os ISI de Santa Catarina são credenciados como unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o que permite às indústrias contratar diretamente os projetos com os Institutos, sem precisar de edital e com liberação imediata de recursos.
“Com a retomada da indústria em foco atuaremos ainda mais próximos das demandas das empresas, para reduzir o seu risco nos projetos inovativos e permitir que implementem estratégias com maior conteúdo tecnológico”, afirma Fábio Stallivieri, diretor de Planejamento e Relações Institucionais da Embrapii. Entre 2014 e 2022 a organização apoiou o desenvolvimento de 157 projetos de inovação em Santa Catarina, aplicando mais de R$ 117 milhões a fundo perdido. Alguns dos resultados dessas e de outras parcerias pela inovação estão relatados a seguir.
ISI Sistemas de Manufatura, em Joinville: 28 Institutos SENAI de Inovação no Brasil atuam em 2.400 projetos - Foto: André Kopsch