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Reduzindo a pressão

Mesmo com quedas recentes, as tarifas do gás natural ainda estão altas para a indústria. Articulação entre a FIESC e agentes do setor e o aumento de oferta em novo terminal buscam dar mais equilíbrio ao mercado.

Escaldadas por um aumento violento nas tarifas do gás em anos recentes, as indústrias de Santa Catarina aguardam um recuo ainda mais expressivo nos preços deste insumo – que já caíram 28% desde o início de 2023 – para recuperar a competitividade ante as concorrentes do Brasil e do exterior e poder planejar uma retomada na produção. “Passamos por um período muito turbulento”, afirma o engenheiro Otmar Müller, um observador atento desse mercado. Desde o ano passado ele é diretor-presidente da Companhia de Gás de Santa Catarina (SCGás), concessionária de gás canalizado do Estado e, antes disso, trabalhou como executivo da Eliane, uma das marcas líderes do País em revestimentos cerâmicos, segmento da indústria especialmente dependente da oferta de gás em suas linhas de produção.

A turbulência teve ingredientes de uma tempestade perfeita. Houve uma coincidência do término de contratos celebrados no início dos anos 2000, baseados no gás trazido da Bolívia; a liberalização do mercado do gás com a entrada em vigor de uma nova legislação nacional; uma elevação de preços internacionais, causada principalmente pelo aumento de consumo na China e pela busca de alternativas na Europa quanto ao suprimento de gás da Rússia; e um aumento do consumo no Brasil – sem que a Petrobras tivesse como ampliar a oferta.

O resultado foi que o preço do gás natural saltou de um patamar, no final da década passada, de US$ 8,8 por MMBtu – a unidade de medida de energia utilizada para medir seu custo – para até US$ 17,7 em 2022. “Também tivemos uma desvalorização cambial e o dólar ficou mais forte ante o real. Com isso, em Santa Catarina tivemos uma elevação de preço de 240% entre 2021 e 2022”, explica Müller.

Hoje a situação é bem menos dramática. A Petrobras melhorou sua capacidade de oferecer o combustível e o preço do MMBtu caiu para US$ 14 e, mais recentemente, chegou um pouco abaixo de US$ 12. Ainda assim o nível é insuficiente para animar as indústrias a ampliar a produção e o mercado segue retraído em Santa Catarina. Em 2021 o consumo no Estado chegou a 2,3 milhões de metros cúbicos por dia. Atualmente está na casa de 1,65 milhão de metros cúbicos. “A SCGás tem um custo fixo permanente e, com um consumo menor, ficamos menos competitivos”, lamenta Müller. A margem bruta da distribuição de gás é responsável por 19% da tarifa média – os outros 81% se dividem entre o custo do gás e do transporte e a carga tributária.

Atualmente, 359 indústrias são atendidas pela concessionária catarinense, mas em alguns segmentos a dependência do gás é maior, como o de vidros e cristais, laminação de aço e metalurgia, mas em especial o de revestimentos cerâmicos. A cidade de Criciúma, que abriga um polo de empresas de revestimentos cerâmicos, consome 17% de todo o gás distribuído pela SCGás, o equivalente a 8 milhões de metros cúbicos por mês – ali, 22 indústrias estão conectadas à rede de gás natural.

Consistente | Nas últimas duas décadas, a indústria de cerâmica no Estado ampliou sua produção com base no abastecimento de gás propiciado pela construção do Gasoduto Bolívia-Brasil. Além do custo mais baixo que o de outras matrizes energéticas, o combustível garantia vantagens tecnológicas – ele fornece calor de forma regular e consistente, que permite o funcionamento dos fornos em condições ideais para uma produção de alta qualidade.

“Nas indústrias de revestimentos cerâmicos, o gás representa até 30% do custo de produção. Por aí se percebe a importância dessas tarifas para a competitividade das indústrias”, afirma Manfredo Gouvea Junior, presidente da Câmara de Assuntos de Energia da FIESC. Segundo ele, até pouco tempo atrás o patamar das tarifas do gás permitia que os produtos das indústrias cerâmicas catarinenses chegassem com preço competitivo aos consumidores dos estados da Região Sudeste. “As tarifas compensavam inclusive os custos logísticos, que são altos por conta do peso dos produtos cerâmicos, e era possível competir com as indústrias instaladas em São Paulo, que formam o principal polo cerâmico do Brasil”, explica.

De acordo com Gouvea Junior, o efeito da perda de competitividade é uma progressiva redução na produção catarinense. “As empresas estão superestocadas e precisam desligar seus fornos enquanto a produção não é comercializada. A própria distribuidora de gás se ressente de uma redução de consumo. É um efeito cascata que gera um movimento de desindustrialização. Nesse ritmo o perigo é de que, daqui a 10 ou 15 anos, o polo cerâmico deixe de ser um destaque da economia catarinense”, afirma.

Nordeste | Alguns lances estratégicos das indústrias já foram observados. A Dexco, antiga Duratex, comprou, respectivamente em 2017 e em 2019, unidades da Ceusa e da Portinari para ampliar sua participação no mercado de revestimentos cerâmicos. Mas, em 2023, concentrou sua produção de Criciúma em uma das duas plantas da Cerâmica Eldorado que havia na cidade. Em paralelo, a Dexco investiu na construção de uma nova fábrica de revestimentos cerâmicos em Botucatu, interior de São Paulo, mais próxima do mercado consumidor do Sudeste.

A Mohawk, detentora da marca Eliane desde 2018, comprou em 2022 a Elizabeth Revestimentos, reforçando sua produção no Nordeste – além de uma planta em Santa Catarina, a empresa tem duas unidades na Paraíba e uma no Rio Grande do Norte. No Nordeste, as distribuidoras de gás oferecem aos clientes tarifas menores do que as do Sudeste e do Sul, porque estão perto de fontes de gás natural explorado em terra e têm custos de transporte por gasodutos também inferiores.

A FIESC, conta Gouvea Junior, tem realizado movimentos junto ao Governo de Santa Catarina e à Celesc, acionista da SCGás, no sentido de renegociar condições de contratos de concessão, da mesma forma que já ocorreu em estados como Rio de Janeiro, Paraná e Espírito Santo. “Somos contrários a subsídios. O importante é buscar formas de recuperar a competitividade e incentivar a produção, que é uma das principais atividades econômicas do Sul catarinense.” Segundo ele, no curto prazo, as perspectivas são preocupantes e há risco até de elevação das tarifas no Estado.

Um sinal animador é que o Governo Federal parece mobilizado em rever a situação tarifária. Em abril, em um evento da indústria de gás natural, o Gas Week, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que há potencial para reduzir os preços do gás em até 25% por meio de uma regulação das tarifas cobradas pela Petrobras pelo uso dos gasodutos marítimos e das unidades de processamento. Na Petrobras estão concentrados 60% dos custos finais do combustível. “Vamos remunerar de forma justa as infraestruturas de escoamento e de processamento do gás, com uma regulação mais firme. E vamos considerar, sim, a depreciação e amortização dos ativos. Não dá para ficar pagando a vida toda por uma infraestrutura já amortizada”, afirmou Silveira no evento, de acordo com o site Poder360.

A entrada de novas fontes de fornecimento, uma promessa da nova Lei do Gás, marco legal que estabeleceu uma flexibilização do mercado a fim de ampliar a oferta e a concorrência, também está próxima em Santa Catarina. Está em fase final de comissionamento – e deve começar a operar muito em breve – o Terminal Gás Sul (TGS), unidade flutuante de armazenamento e regaseificação na Baía da Babitonga, em São Francisco do Sul. Instalado a 300 metros da costa, terá capacidade de armazenar até 160 mil metros cúbicos de gás natural em estado liquefeito trazido por navios e vai reconvertê-lo para o estado gasoso, podendo fornecer até 15 milhões de metros cúbicos por dia. Em um mercado em que os preços são livres, essa oferta do gás vai garantir mais segurança no fornecimento.

“O mercado é suprido por gás importado da Bolívia ou produzido no pré-sal. A produção é linear e nem sempre tem aderência com o consumo. Muitas indústrias têm sazonalidade anual, semanal ou mensal, que afetam sua produção e a demanda. O TGS se propõe a modular, dentro de certos limites, esse suprimento de forma mais fácil e tranquila”, diz Edson Real, diretor da multinacional americana New Fortress Energy (NFE), que investiu R$ 400 milhões na construção do terminal.

A distribuição de gás natural no Estado também deve crescer. A rede atualmente tem cerca de 1.500 quilômetros de extensão e atinge 72 cidades. Nos próximos cinco anos, mais de 428 quilômetros de rede de distribuição deverão ser implantados, chegando a mais nove cidades catarinenses. Além disso, uma nova fonte de gás surgirá em Santa Catarina nos próximos anos: o biogás produzido a partir de dejetos suínos, que poderá atender parte da demanda industrial (leia reportagem subsequente).

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