Embora a indústria de plásticos seja frequentemente associada a impactos ambientais negativos, diversas empresas do setor têm investido em práticas mais sustentáveis para reduzir esses efeitos, o que inclui o uso de equipamentos mais produtivos e que diminuem o uso e desperdício de matéria-prima e o desenvolvimento de novos materiais como os chamados plásticos biodegradáveis e compostos avançados. No topo da agenda do setor, entretanto, está o desafio de viabilizar o aumento da reciclagem de produtos plásticos.
“O setor vem se esforçando para adotar novas práticas com foco na sustentabilidade”, afirma Fernando Oliveira, presidente do Sindicato da Indústria de Material Plástico no Estado de Santa Catarina (Simpesc) e do Grupo Krona, de Joinville, destacando os esforços setoriais para a consolidação de uma economia circular no País. Anualmente, o Brasil recicla cerca de 1,1 milhão de toneladas de plásticos, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Entre os anos de 2018 e 2022 o crescimento do volume reciclado foi de 46%.
A Abiplast e o Simpesc patrocinam iniciativas como o Isopor Amigo, programa em que se destaca a Termotécnica, de Joinville, um case bem-sucedido de reúso da energia e do isopor. A empresa atualmente recicla um terço de todo o isopor pós-consumo no Brasil – trata-se de uma das principais iniciativas de economia circular em curso no País, mas é possível destacar diversas outras em Santa Catarina. É o caso da Alcaplas, de Xanxerê, que já é considerada referência no mercado de recuperação de resinas e filmes plásticos pós-consumo.
Criada no ano 2000 por Alceu Lorenzon, empresário com mais de 40 anos de atuação em variados segmentos industriais, a empresa investe em parcerias com indústrias de diversos setores na coleta de resíduos, promovendo a logística reversa e recolhendo anualmente 10 mil toneladas de sucatas plásticas. O material é transformado em polímeros de alta qualidade, fornecendo resinas e embalagens sustentáveis para todo o País.
“Buscamos sempre o aprimoramento de nossas atividades com investimentos em equipamentos de tecnologias de ponta com alta performance, para promover a transformação de resíduos em novos produtos de forma eficiente”, destaca Lorenzon. Com uma planta de 18 mil metros quadrados, a empresa conta com mais de 200 trabalhadores diretos. A estimativa para este ano é produzir mais de 7 mil toneladas de resinas PCR – sigla para Post-Consumer Recycled, ou seja, resina reciclada pós-consumo. Para aprimorar a qualidade dos produtos, a Alcaplas investe continuamente no aperfeiçoamento de sua estrutura, como o laboratório de polímeros.
“Investimos na gestão profissionalizada, bem como nos controles de processo e da qualidade dos materiais reciclados. Por isso conseguimos obter resinas PCR de alta performance com características semelhantes às resinas virgens. Estamos capacitados a atender as demandas de empresas com alto grau de exigências técnicas”, afirma Lorenzon. Os resultados desses esforços podem ser conferidos na linha de produtos Allgreen, que se difere das resinas recicladas convencionais por atender ao uso específico de cada indústria.
A grande conquista deste ano, de acordo com o empresário, foi a modificação das características de resinas geradas a partir da reciclagem de filmes em polietileno misto, alterando seus aspectos para uso específico em filmes contráteis Shrink (filmes para enfardadeiras), ampliando as possibilidades de utilização desses produtos pelas indústrias transformadoras e grandes players do mercado.
Vassouras | Fundada em 2009, a Total PET, de Rio do Oeste, iniciou suas atividades com capacidade produtiva de 150 toneladas por mês, número que já pulou para 2.500 toneladas mensais, em um parque fabril com mais de 10 mil metros quadrados e equipe de mais de 80 colaboradores, dividido entre a sede e a unidade de Rio do Sul. Jackson Della Giustina Formiga de Moura, diretor da empresa, diz que graças aos equipamentos de última geração, incluindo uma linha de moagem com sistema de separador óptico para garrafas PET, a Total PET desenvolveu um processo altamente tecnológico que retira quase 100% das impurezas e contaminantes do PET reciclado. “Nossos principais produtos são fundamentais para diversos setores da economia, como na fabricação de cordas, vassouras, fibras têxteis, tintas e novas embalagens de PET”, afirma o empresário.
Os números alcançados pela empresa são impressionantes. Ao longo de 15 anos de atuação promoveu a reciclagem de aproximadamente 800 milhões de unidades de garrafas PET. “Esse esforço não só contribui para a redução significativa das emissões de gás carbônico como também auxilia na conservação de recursos hídricos e na preservação de recursos naturais”, destaca Moura.
Apesar dos resultados obtidos por essas empresas, o setor de reciclagem no Brasil enfrenta desafios, principalmente a escassez de matéria-prima – o que leva a uma considerável importação de lixo para suprir as necessidades da indústria. De acordo com o Atlas Brasileiro da Reciclagem 2023, menos de 30% das cidades brasileiras têm sistemas de coleta seletiva, e as que possuem coletam pouco. Ainda assim, em 2022 o índice de reciclagem mecânica de plástico pós-consumo atingiu 25,6%, segundo um estudo da Abiplast. Em comparação, na União Europeia o percentual de reciclagem de plástico pós-consumo é de 40%. O PET (politereftalato de etileno), utilizado em garrafas de bebidas, é o tipo de plástico mais reciclado no Brasil, seguido por PEAD (polietileno de alta densidade), usado em embalagens de produtos de limpeza, e PP (polipropileno), presente em embalagens de alimentos.
Educação | Parceiros na batalha para colocar o setor plástico num patamar mais amigável com o meio ambiente, Moura e Lorenzon promovem campanhas educacionais e sociais em suas regiões, e cobram mais apoio das autoridades. “É essencial a criação de políticas públicas mais eficazes que incluam tanto incentivos à educação ambiental quanto a ampliação de sistemas de coleta seletiva em âmbito nacional”, diz Moura. A falta de apoio governamental e de execução das regulamentações ambientais previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), além da liberação de subsídios para se buscar mais avanços tecnológicos no ramo de reciclagem, são citadas por Lorenzon. “O tema nem chegou a ser lembrado em Brasília durante as discussões em torno da reforma tributária”, conta o empresário.
O setor privado, por seu lado, avança em busca de soluções. A Abiplast organiza mais de 10 diferentes iniciativas, como a criação de redes de cooperação, alianças entre organizações e a elaboração de modelos de negócio para aperfeiçoamento da logística reversa de resíduos sólidos urbanos. Em agosto a associação apresentou a plataforma Recircula Brasil em seu estande da Feira e Congresso de Integração da Tecnologia do Plástico (Interplast), realizada em Joinville.
A plataforma, desenvolvida em parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), utiliza notas fiscais eletrônicas para rastrear os resíduos plásticos, desde sua origem até a reinserção como matéria-prima na fabricação de novos produtos. Com os dados rastreados e verificados por uma terceira parte, a ferramenta atesta a origem dos materiais e confirma que o produto contém plástico reciclado, garantindo segurança jurídica, transparência e compliance. Ao certificar a circularidade dos resíduos plásticos e materiais com conteúdo reciclado, a plataforma foi reconhecida como modelo de excelência no combate à poluição plástica em documento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU).
Economia circular interna
Indústrias adotam processos e tecnologias para reutilizar resíduos na produção.
As grandes indústrias de tubos e conexões de PVC avançam no conceito de economia circular dentro das próprias empresas. Na Tigre, de Joinville, os principais impactos ambientais em resíduos estão relacionados aos gerados na própria operação. “Grande parte dos resíduos é destinada à reciclagem para empresas certificadas, e a unidade de Joinville é certificada como Aterro Zero. Os scraps (sobras e peças reprovadas) são reutilizados no processo produtivo”, diz Marcos Takaoka, coordenador de Sustentabilidade do Grupo Tigre.
O reúso da matéria-prima deu origem a um dos principais lançamentos dos últimos anos da Tigre: a Unifam, uma estação de tratamento de esgoto unifamiliar que é composta por material 100% reciclado. A preocupação com o meio ambiente é reforçada pela própria forma que o equipamento atua. “O produto realiza o tratamento de forma biológica, sem o uso de componentes químicos e sem descarte de lodo”, explica Takaoka.
O Grupo Krona, também de Joinville, adquiriu em agosto uma célula automatizada para aperfeiçoar a produção de torneiras. “Com maior precisão, ciclos mais rápidos e qualidade superior, estamos dando um passo importante em tecnologia e sustentabilidade. A célula permite a moagem e reaproveitamento de materiais de forma automática”, explica o presidente Fernando Oliveira. Desta forma serão evitadas perdas, com aumento da eficiência e fortalecimento do conceito de economia circular dentro da empresa.