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O processamento de materiais a laser ganhou aplicações diversas na indústria avançada, desde o desenho e a produção de peças e dispositivos leves, ultrarresistentes e com geometria complexa, até o conserto de componentes danificados ou desgastados, por meio de técnicas como impressão 3D com deposição de pó metálico ou tratamento de superfícies com pulsos de laser para prevenir sua fadiga. Mas o impacto deste tipo de tecnologia na competitividade da indústria vai muito além da qualidade ou das propriedades especiais dos equipamentos que fornece.
“Estamos falando, por exemplo, de substituir estoques físicos de peças de reposição por estoques digitais”, explica o engenheiro mecânico Luís Gonzaga Trabasso, pesquisador-chefe do ISI Sistemas de Manufatura e Processamento a Laser, em Joinville, que lidera uma equipe de 135 pessoas, entre as quais 90 pesquisadores. Trabasso se refere à possibilidade de armazenar em uma espécie de biblioteca digital os múltiplos parâmetros da receita para construir peças consideradas críticas para uma indústria – e de fabricá-las e fornecê-las rapidamente, assim que surgir uma necessidade premente, apertando um botão de um equipamento de impressão a laser de alto desempenho. “O conceito que usamos é o de ‘manutenção aditiva’, que é um recorte da manufatura aditiva voltado para a reposição de componentes.”
Instituto da indústria em Joinville: biblioteca digital de itens que podem ser impressos sob demanda - Foto: André Kopsch
Uma biblioteca desse tipo vem sendo desenvolvida pelo Instituto SENAI e já dispõe de mais de uma dezena de itens, encomendados por parceiros do setor privado. A maioria deles resulta de um projeto com a Petrobras. A empresa definiu alguns componentes que são fundamentais para a manutenção de dutos e plataformas. O ISI Processamento a Laser desenvolveu os arquivos digitais, com as características e parâmetros necessários para fabricação dos componentes. “Se a peça precisa ser substituída, imprimimos e fornecemos rapidamente para a empresa”, explica Trabasso.
O lucro cessante de uma plataforma de petróleo que produz de 15 mil a 20 mil barris por dia é de US$ 2 milhões por hora. Daí a importância de se produzir e entregar em poucos dias a peça requisitada. Há outras utilidades da manufatura aditiva, como a substituição de equipamentos que estão fora de linha. A construção de uma biblioteca digital de itens que possam ser impressos sob demanda pode eliminar custos de logística e infraestrutura.
A equipe do Instituto SENAI tem visitado empresas de diferentes segmentos para difundir esse tipo de serviço tecnológico, desenvolvido no âmbito do projeto Manufatura Digital, que também envolve colaborações com empresas como a fabricante de sistemas ópticos Zeiss e o Instituto Fraunhofer, ambos da Alemanha. O ISI Processamento a Laser já estabeleceu parcerias com a Furnas Centrais Elétricas para ampliar a biblioteca e conversa com outros segmentos, a exemplo de montadoras de automóveis.
Além de produzir peças sob encomenda, o processamento a laser pode ajudar empresas a consertar grandes equipamentos quebrados ou desgastados. Com duração de três anos, o projeto Ferramentas Manufaturadas Aditivamente (FERA) teve início em 2021 e reúne quatro instituições de ciência, tecnologia e inovação e um consórcio de 26 empresas ligadas à cadeia automotiva. Entre as empresas há grupos automotivos como General Motors e Stellantis, fabricantes de peças como Maxion e Bosch, e empresas tradicionais, como Romi e Sabó. Financiado por meio do programa Rota 2030, envolve investimentos da ordem de R$ 11,6 milhões.
Fábrica da GM em Joinville: técnicas permitem reparo rápido de ferramentas de estampagem sem desperdício de material - Foto: Edison Vara/Divulgação GM
O objetivo do FERA é transferir conhecimento para o consórcio. A iniciativa tem como foco duas tecnologias bastante disseminadas no exterior: fusão em leito de pó a laser (L-PBF), que permite fabricar peças de geometrias complexas com peso menor e resistência maior do que os proporcionados por técnicas convencionais, e deposição direcionada de energia a laser (L-DED), que viabiliza de forma simultânea a deposição do pó metálico e a sua fusão, quando é alvo de uma fonte de energia. O L-DED pode ser útil para fazer o reparo de grandes ferramentas de estampagem, recuperando defeitos e desgastes de forma rápida e sem desperdício de material.
“A proposta é substituir o uso da solda pela manufatura aditiva a laser no reparo de peças”, explica Trabasso. Um dos principais entraves do projeto não é tecnológico, mas tem a ver com o desconhecimento do setor de ferramentarias das empresas, principalmente no segmento automotivo, sobre as suas vantagens. Outro desafio, este mais amplo, consiste em criar no Brasil uma cadeia de suprimentos que abasteça a manufatura aditiva – os pós metálicos usados para imprimir peças atualmente são importados.
Laboratório de revestimentos, corte e solda a laser: produção de peças com geometria complexa - Foto: André Kopsch
A manufatura aditiva é o processo de fabricação de peças tridimensionais por meio da adição de camadas sucessivas de material baseado em um modelo digital. Além desta modalidade, o laser também pode ser usado em manufatura subtrativa, que é a remoção de material em escala nanométrica a fim de dar novas características a uma superfície. “É uma técnica interessante para aperfeiçoar o processo de pintura de um componente, pois pode aumentar a ancoragem da tinta”, conta Trabasso. Por fim, há a manufatura transformativa, que não remove nem adiciona camadas, mas transforma o material com laser, por meio da soldagem de peças, por exemplo.
Mas também existem técnicas a laser voltadas para aprimorar a qualidade de componentes produzidos por manutenção aditiva. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) lançou um projeto, em parceria com empresas como a Embraer, a Randon e a Tupy, e com o ISI Processamento a Laser, para desenvolver no Brasil aplicações da tecnologia de laser shock peening. Por meio dela, superfícies metálicas produzidas por manufatura aditiva são bombardeadas por pulsos de laser que lhes conferem mais resistência e previnem a propagação de trincas e fissuras.
“As peças produzidas por manufatura aditiva possuem uma rugosidade que pode ser prejudicial em algumas situações. O laser shock peening funciona como uma espécie de micromartelamento da superfície”, afirma Antonio Fasano, diretor técnico da Omnitek, empresa de equipamentos de automação sediada em São Paulo que se integrou ao projeto da Embrapii. A Omnitek foi criada em 1995 e é especializada na produção de sistemas industriais baseados em laser – hoje vende impressoras 3D de metal a laser para empresas e institutos de pesquisa no Brasil e em países como Canadá e Estados Unidos.
Juntamente com a equipe do ISI Processamento a Laser vai desenvolver um equipamento manipulador, capaz de submeter as peças, que podem ter geometrias bastante complexas, ao bombardeamento de pulsos de laser. A ambição é ter, em dois anos, um equipamento de laser shock peening desenvolvido no Brasil com uso comercial.
Case no detalhe: Manufatura Digital
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Indústrias parceiras
- Petrobras e fornecedores
- Zeiss
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Instituições envolvidas
- ISI Processamento a Laser
- Instituto Fraunhofer
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Tecnologias
- Deposição direcionada de energia a laser
- Fusão em leito de pó a laser
- Laser cladding
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Investimentos
- R$ 16 milhões
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Aplicações
- Fabricação, reparo e revestimento de componentes metálicos
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Maturidade Tecnológica
- TRL 3 a 6
Case no detalhe: Projeto FERA
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Indústrias parceiras
- 26 empresas: ferramentarias, montadoras de automóveis, fabricante de pó metálico, fabricante de máquinas e fabricante de programas de computador para a cadeia de ferramentarias
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Instituições envolvidas
- ISI Processamento a Laser
- Centro de Competência em Manufatura (CCM-ITA)
- IPT
- Instituto Fraunhofer IPK
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Tecnologias
- L-PBF
- L-DED
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Investimentos
- R$ 11,6 milhões
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Maturidade Tecnológica
- TRL 4