Micheli Poli Silva - Foto: Cris Zunino/Divulgação
Reinventar um negócio familiar com quase 80 anos de trajetória foi o grande desafio enfrentado por Micheli Poli Silva, CEO do Grupo Jurerê, especializado em cafés especiais. Para não sucumbir à pressão das grandes marcas, que ditam a dinâmica dos pontos de venda, o caminho de sobrevivência encontrado pela empresa foi apostar na qualidade dos produtos e na diversificação do negócio.
Esta é uma história que merece ser contada com calma – e, de preferência, acompanhada por um bom cafezinho. Tudo começou em 1945, quando o avô de Micheli, Gentil Silva, incluiu o café entre as lavouras que cultivava no Vale do Rio Tijucas. Na década seguinte, quando os estoques do produto e os preços eram regulados pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC), ele ampliou o negócio ao adquirir uma torrefação.
Eurli, o caçula dos oito filhos de Gentil, participou desde cedo dos negócios do pai. Na década de 1970, a torrefação ganhou uma filial em Tijucas. Quando Gentil decidiu se afastar das atividades profissionais, em 1987, fez uma divisão entre os filhos e Eurli ficou com esta unidade.
Micheli é a mais velha das três filhas de Eurli, nascida em 1983. “Cresci brincando no armazém de café. O cheiro das sacas de juta faz parte da minha memória afetiva mais antiga”, descreve. Na adolescência, ao perceber o pai assoberbado – além da torrefação, ele sempre teve outros negócios, como uma padaria e um barco de pesca de camarão –, Micheli se propôs a ajudá-lo. Começou aos 13 anos a realizar tarefas como abastecer as gôndolas e demonstrar os produtos nos pontos de venda da região. Quando Micheli completou 15 anos, em 1998, virou funcionária oficial. “Comecei na produção, aprendia a operar máquinas. Depois fui para o administrativo. Ganhei uma noção geral do negócio.”
Quando completou 18 anos e ingressou no curso de Direito, o pai perguntou se ela queria ajudá-lo a tocar um outro negócio da família, uma fábrica de injetados plásticos, com cerca de 50 funcionários. Micheli não fugiu do desafio. Ficou cinco anos à frente deste negócio, ao mesmo tempo que fazia a faculdade. Nunca se afastou do café, no entanto. “Era a minha paixão”, afirma.
Porém, este mercado havia ficado mais difícil por conta do domínio das grandes multinacionais. Depois de chegar a ter 46 torrefações de café na década de 1970, Santa Catarina viu este número ser gradualmente reduzido para apenas cinco, e Eurli começava a falar em fechar a empresa. Micheli resistia à ideia e saiu em busca de alternativas. Um possível caminho seria deixar a faixa do primeiro preço, das commodities, para atuar no mercado dos cafés especiais. “Só neste segmento haveria espaço para uma pequena empresa regional”, lembra.
Micheli: “Cresci brincando no armazém de café. O cheiro das sacas de juta faz parte da minha memória afetiva mais antiga” - Foto: Cris Zunino/Divulgação
Posicionamento | Em 2011 surgiu a oportunidade de comprar a marca de cafés especiais Jurerê, de Florianópolis. “Era uma marca com um market share consolidado na região, que entrava em redes varejistas nas quais não tínhamos acesso até então”, descreve a empreendedora. Outro ponto importante era o nome Jurerê, palavra alinhada ao posicionamento para o público AB que estava sendo planejado, já que remete ao balneário de Florianópolis famoso em todo o País pela sofisticação.
Micheli, que justamente naquele período estava fazendo pós-graduação em Direito Empresarial, cuidou sozinha de todo o processo de aquisição, incluindo a engenharia financeira. Ela agiu, também, para fortalecer os vínculos com o setor. Aos 27 anos tornou-se a primeira mulher e a pessoa mais jovem a ocupar a presidência do Sindicato da Indústria de Torrefação e Moagem do Café no Estado de Santa Catarina. Aproximou-se, também, da FIESC, e atualmente preside a Câmara de Desenvolvimento da Indústria de Alimentos e Bebidas.
Em busca de inspirações, ela fez duas viagens à China – em 2012 e 2014 –, nas quais identificou possibilidades ainda não exploradas no mercado brasileiro. Uma delas era a máquina que produzia uma xícara de café a partir de um sachê, o drip bag. Comprou algumas dessas máquinas, que serviram de estudo para criação de máquinas 100% nacionais, mais tecnológicas e robustas.
Micheli logo percebeu que, sozinha, a empresa não teria força para desbravar uma nova categoria no mercado através dos sachês drip bag. Passou então a divulgar a novidade no mercado e a disponibilizar o serviço de envase para que outras empresas também pudessem explorar a novidade.
Tudo ou nada | Para não depender da importação dos filtros usados na máquina, a ideia era desenvolver internamente uma alternativa. Após um longo processo de sete anos, liderado por Eurli – que sempre foi “meio Professor Pardal”, nas palavras da filha –, a empresa chegou a um filtro que, além de ser compatível com as máquinas, tem a vantagem adicional de ser compostável, alinhado às exigências de sustentabilidade do mercado.
A aposta em inovação foi uma prova de fogo para o Grupo Jurerê, pois exigiu investimentos por um longo período, sem evolução imediata das receitas no mesmo patamar. “Estávamos num processo de tudo ou nada. Não havia mais como voltar atrás”, lembra Micheli. Ela anteviu, em novembro de 2018, que, seis meses adiante, a empresa não teria condições de cumprir seus compromissos, pois o faturamento não daria conta das despesas.
Foi o estopim para iniciar um amplo trabalho de reestruturação empresarial, aliando estratégias financeiras e comerciais para equilibrar o caixa e dar condições de finalização do projeto. Deu certo. O fôlego renovado aliviou a pressão sobre o caixa, enquanto as receitas dobravam em apenas um ano.
A produção do filtro nacional ganhou escala no começo de 2022, com a oferta deste no serviço de terceirização de envase, contratado hoje por mais de 300 clientes. Ao mesmo tempo, a linha própria vem sendo diversificada pelo lançamento constante de cafés com especiarias, cafés funcionais, chás e outros produtos.
A ousadia da empresa e a capacidade de inovar foram reconhecidas. O projeto do filtro compostável chegou à final do Prêmio Nacional de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e conquistou o Prêmio de Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
Eurli, que continua como sócio, se aposentou há dois anos. As irmãs de Micheli – Caroline, 37 anos, e Milaini, 32 – fazem parte da equipe da empresa, que hoje tem 25 funcionários e um alto padrão de automatização nos processos. A empreendedora continua morando em São João Batista e viaja diariamente para trabalhar em Tijucas – um trajeto que, ela brinca, dura sempre os mesmos 32 minutos. “Nunca pensei em me mudar. Gosto da tranquilidade das cidades pequenas.”
Com dois filhos do primeiro casamento, meninos de 11 e 15 anos, Micheli está noiva de João Batista, gerente de produção de uma empresa de molduras. Após um período tão desafiador e exaustivo, ela se enche de indisfarçável satisfação ao afirmar que o negócio familiar vai, sim, completar 80 anos em 2025.
A aposta em inovação foi uma prova de fogo para o Grupo Jurerê, pois exigiu investimentos por um longo período, sem evolução imediata das receitas no mesmo patamar - Foto: Divulgação