Com planejamento e mobilização é possível – na verdade, é necessário – aumentar o peso do setor secundário na economia catarinense e tornar o Estado uma referência mundial em desenvolvimento sustentável.
Fábrica da Hyosung em Araquari: novo investimento será de R$ 200 milhões - Foto: Divulgação
Indústrias são fatores geradores de desenvolvimento social e econômico, disso ninguém tem dúvida. Mas quais são os fatores geradores de indústrias? Sendo a atividade industrial complexa e multifacetada, não se pode esperar que explicações simples ou superficiais deem conta de responder à pergunta.
Tome-se o caso de um grupo asiático com mais de 30 plantas industriais ao redor do mundo que montou uma operação comercial em Santa Catarina para distribuir seus produtos. A sul-coreana Hyosung escolheu essa configuração em 2005, de olho nas indústrias de confecções no Estado, compradoras potenciais de seus fios de elastano que fazem parte da composição de roupas para ginástica, leggings e maiôs.
Aproveitando-se da infraestrutura portuária e dos clientes potenciais existentes em Santa Catarina, a empresa importou grandes quantidades de fios sintéticos até que, em 2011, diante do aumento da demanda, decidiu construir uma fábrica para produzir os fios localmente. A unidade foi erguida em Araquari, às margens da BR-101, perto dos portos que passaram a trazer não apenas fios acabados, mas os compostos químicos que são matérias-primas para os fios.
A operação fabril, que emprega 300 funcionários, compõe-se basicamente das etapas de polimerização e extrusão, processos que dão forma a fios de elastano de diversas especificações. Com a fábrica, a Hyosung passou a atender mais de 80% do consumo dos fabricantes catarinenses e 65% do mercado nacional. Em 2020 veio a pandemia e, diferentemente do que se observou em diversos setores da economia, a procura por elastano aumentou. Com a produção local insuficiente para atender à demanda, a companhia decidiu dobrar a aposta em Santa Catarina. No início do ano anunciou investimento de R$ 200 milhões para ampliar em 80% a capacidade fabril, que chegará a 22 mil toneladas anuais. São fatores que tornam mais interessante a produção local a incidência de impostos de importação para produtos acabados e os incentivos para importação de matérias-primas para serem processadas localmente, mas a presença da companhia sul-coreana não se explica somente por isso.
“Incentivos fiscais foram um fator importante quando da instalação da planta, em 2011. Mas, além disto, a logística também foi um fator fundamental, tanto pelo fácil acesso a portos e aeroportos como também pela curta distância ao principal polo têxtil do Brasil”, diz Franklin Weise, gerente técnico da Hyosung. “A escolaridade acima da média do restante do País também contou pontos para a escolha de Santa Catarina”, afirma.
O interesse da fornecedora coreana pelo Estado cresceu junto com a indústria do vestuário, que em 2018 havia superado em tamanho a indústria do mesmo setor instalada em São Paulo, consolidando-se como a maior do Brasil. A escalada do setor em Santa Catarina foi vertical: produzia um total de R$ 2,5 bilhões no biênio 2007/2008, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), passando a R$ 6,6 bilhões em 2017/2018, o equivalente a uma fatia de 26,8% do mercado nacional. Em Santa Catarina o vestuário/têxtil destaca-se também por ser o maior empregador industrial, gerando cerca de 200 mil postos de trabalho diretos e incontáveis vagas indiretas na gigantesca cadeia de produtos, equipamentos e serviços que existem em função da indústria.
Indústria é um setor em crescimento - Foto: Divulgação
Atratividade | Analisando o caso da empresa coreana, é interessante notar a intrincada teia de causas e efeitos que resultou em crescimento setorial, adensamento da cadeia produtiva, contratações e investimentos. Incluem-se fatores como a tradição industrial catarinense no setor e até aspectos físicos, como o litoral extenso que por si só não seria influente, mas que se torna fundamental por contar com uma rede de portos de alta eficiência que movimentam quase 20% do total de contêineres do País (leia o box). No caso específico do vestuário, Santa Catarina possui uma política de incentivos setoriais que torna mais fácil e menos dispendiosa a produção local, aumentando o número de compradores dos fios sintéticos.
Tudo converge para o adensamento setorial – também chamado pelos economistas de cluster – que é, por si só, um fator relevante de atratividade. “Ter a cadeia produtiva completa proporciona às empresas maior facilidade de acesso e menores custos de fornecimento de insumos e serviços”, destaca José Altino Comper, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex). Somente na região de influência do Sintex, que abrange 18 municípios do Vale do Itajaí, existem 5 mil indústrias do vestuário e têxteis, sendo que cada uma delas emprega, em média, 12 funcionários.
José Altino Comper (presidente do Sintex): "Santa Catarina tem empreendedorismo nas veias, por isso é tão industrializado. Os incentivos fiscais estaduais para a indústria do vestuário ajudaram o setor a crescer e a arrecadação aumentou" - Foto: Leo Laps / Arquivo FIESC
Ambientes como esse não se formam do dia para a noite. Dependem das próprias forças do mercado se movimentando para obter a melhor eficiência possível na alocação de recursos, mas não é só: a existência de um ambiente de negócios atraente para a realização de investimentos e para a atividade produtiva é fundamental. Para que o ambiente seja convidativo é preciso alinhar da melhor maneira possível incontáveis aspectos inerentes à atividade industrial, como a infraestrutura logística e de energia, sistema tributário, instituições funcionais, boas relações trabalhistas, planejamento e incentivos governamentais. Construir esse ambiente é o maior desafio para o desenvolvimento socioeconômico do Estado. “Para continuar crescendo e se destacar em qualidade de vida, Santa Catarina precisa ter um planejamento de médio e longo prazo para se tornar mais atraente para as indústrias”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.
Indústria é bom negócio
Por que o crescimento do setor é essencial ao desenvolvimento
- R$ 2,67 - Aumento do PIB resultante do aumento de R$ 1 na produção da indústria
- R$ 3.190,60 - Salário médio dos trabalhadores da indústria com ensino médio
- 38,7% - Participação dos tributos federais no valor adicionado da indústria de transformação
- 65,4% - Participação da indústria de transformação no investimento empresarial em P&D
- 48,5% - Participação da indústria de transformação nas exportações de bens e serviços
Obs.: No Brasil. Fonte: CNI
Participação | Santa Catarina já é um destaque setorial. A indústria de transformação responde por 24% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, enquanto a média nacional é de apenas 10%. Mais de um terço dos postos de trabalho formais no Estado é mantido pela indústria. O setor é reconhecido por oferecer empregos mais bem pagos do que outros setores, gerar mais inovações, promover aumentos de produtividade e movimentar o comércio e os serviços, o que está diretamente relacionado aos destacados indicadores sociais de Santa Catarina: melhor distribuição de renda, maior longevidade e quinta maior renda per capita do País.
Porém, o setor secundário perde participação relativa na economia catarinense. A queda foi de 5,9 pontos percentuais entre 2008 e 2018, de acordo com levantamento da CNI. Considerando todos os segmentos industriais (transformação, construção, extrativa e serviços industriais de utilidade pública) o setor passou a representar 26,7% do PIB. Neste quesito, Santa Catarina se posiciona em quarto lugar, atrás do Amazonas, Pará e Espírito Santo – sendo que os dois últimos se destacam na indústria extrativa.
Um dos objetivos da FIESC é elevar a participação da indústria no PIB ao ponto de tornar Santa Catarina o estado mais industrializado do País. A Federação atua em várias frentes para melhorar o ambiente de negócios. Trabalha, por exemplo, para criar um planejamento logístico integrado e intermodal para o Estado, a partir da identificação de oportunidades e demandas, definição de prioridades e realização de banco de projetos. Em articulação com parlamentares, a FIESC obteve a inclusão de Santa Catarina no Plano Nacional de Logística (PNL), elaborado pelo Ministério da Infraestrutura. Também atuou para acelerar o licenciamento ambiental do Terminal Gás Sul, que será instalado na Baía da Babitonga e tornará Santa Catarina um exportador de gás natural (leia matéria nesta edição).
Não são apenas ações isoladas. Após o início da pandemia a FIESC sistematizou um projeto ainda mais abrangente, o Programa Travessia, com o objetivo de analisar em profundidade as potencialidades e os pontos fracos da indústria do Estado, identificar as oportunidades e encontrar caminhos para o desenvolvimento sustentável. O trabalho é realizado em parceria com organizações governamentais e empresariais e com as empresas mais representativas dos principais setores do Estado, com as quais a FIESC se reúne semanalmente.
“Crescimento é uma relação de causa e efeito, e para que aconteça é preciso realizar ações na direção correta”, afirma José Eduardo Fiates, diretor de Inovação e Competitividade da FIESC. “Há anos não temos nenhum tipo de planejamento para o setor, o que explica os resultados ruins”, diz.
A iniciativa se insere em um contexto global de revalorização do papel da indústria para o desenvolvimento socioeconômico e de um renascimento das políticas industriais, que haviam sido em grande parte abandonadas diante dos deslocamentos produtivos provocados pelo aprofundamento da globalização, a partir dos anos 1990.
“Na lógica globalista das cadeias de valor, países como a China se tornaram as ‘fábricas do mundo’. Muitos, como infelizmente o Brasil, se restringiram ao conforto de se colocarem como fornecedores de matérias-primas e alimentos não processados e criaram excessiva dependência de importação de produtos industrializados”, afirma Antônio Correa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).
Esta é uma das causas da desindustrialização, que traz como consequências, na avaliação de Lacerda, aspectos negativos como perda de empregos de qualidade, vulnerabilidade das contas externas, perda de arrecadação e insegurança no fornecimento, fator que se mostrou dramático na pandemia, quando faltaram equipamentos médicos e de proteção individual para profissionais da saúde, insumos e medicamentos. “Outros setores relevantes também dependem fortemente de insumos importados, como é o caso dos eletrônicos, máquinas e equipamentos e químico-fármaco”, destaca Lacerda.
A reversão do processo, para o economista, é um enorme desafio, mas ao mesmo tempo é uma oportunidade a ser aproveitada. “O Brasil ainda possui o maior parque industrial da América Latina, o que significa que detemos alguma capacidade de reação e que estamos estratégica e geopoliticamente bem posicionados”, afirma. “Industrializar não é para quem quer, mas para quem pode. O Brasil detém economia de escala e de escopo para a reconstrução.”
Adjacentes | Santa Catarina está bem posicionada. Além de robusto, seu parque industrial é o mais diversificado do País, de acordo com a CNI, e está bem distribuído por todo o território. Pessoas qualificadas e engajadas são citadas por todos os industriais ouvidos por esta reportagem como um diferencial. “Além disso, estamos no centro da Região Sul do Brasil, uma das mais desenvolvidas do País; somos vizinhos das regiões Sudeste e Centro-Oeste, duas regiões com indiscutível pujança econômica tanto industrial como agrícola; e temos aqui no Estado um ambiente muito positivo e seguro para se empreender”, afirma José Carlos Sprícigo, CEO da Librelato, uma das maiores fabricantes de implementos rodoviários do País que acaba de concluir investimentos de R$ 100 milhões em sua nova sede em Içara, no Sul do Estado.
José Carlos Sprícigo (CEO da Librelato): "A Librelato nasceu, amadureceu e cresceu em Santa Catarina. Encontramos aqui, desde sempre, um ambiente altamente positivo para se empreender e crescer sob os pontos de vista social, político e econômico" - Foto: Divulgação
Reconhecendo essas potencialidades, o Programa Travessia estimula a reinvenção dos principais setores econômicos com capacidade de crescimento no mercado interno, no externo e que são adjacentes aos setores líderes de competitividade em Santa Catarina, além de segmentos orientados à infraestrutura social e econômica e aqueles com potencial estratégico para o futuro do País (veja os quadros).
Um dos setores evidenciados é o de vestuário. À exceção de segmentos específicos como a moda fitness, o setor como um todo encolheu na pandemia, período em que se reduziu a necessidade de renovação dos guarda-roupas. Se a reinvenção para a nova realidade pós-pandemia é tarefa de cada empresa, também está evidente para as principais lideranças do setor que ela é também um empreendimento coletivo. É preciso universalizar o uso mais intensivo de tecnologia e agregar valor à produção catarinense por meio de investimentos em design e desenvolvimento de marcas.
A indústria em Santa Catarina
- PIB industrial - R$ 66,3 bilhões (2018)
- Participação no PIB estadual - 26,7%
- Participação no PIB industrial brasileiro - 6,6%
- Empregos formais - 805 mil (2019)
- Exportações (industrializados + manufaturados) - US$ 8,4 bilhões (2020)
- Estabelecimentos industriais - 50 mil (2019)
Fonte: CNI e FIESC
Gargalo | Dentre as iniciativas em curso, com a articulação da FIESC, destaca-se o projeto Casa Catarina, que prevê a criação de um espaço em Balneário Camboriú, uma das cidades mais visitadas e badaladas do Brasil, para ser o “locus” da marca catarinense de artigos do vestuário. Numa outra frente, um curso aos moldes de um MBA oferecido pela FIESC vai agregar profissionais de um grupo de até 40 empresas para que pensem e pratiquem a “reinvenção” dos negócios. Sustentando essas e outras iniciativas, um novo Instituto da Indústria do SENAI para as áreas têxtil, de vestuário, moda e design está sendo erguido em Blumenau. “O objetivo é inovar. Não basta fazermos mais do que já fazemos hoje”, ressalta Comper, do Sintex.
O setor de alimentos, o maior em geração de Valor da Transformação Industrial (VTI) e segundo maior empregador industrial do Estado, ao contrário do vestuário, não amargou queda de produção durante a pandemia. Seus desafios para se manter competitivo no Estado, entretanto, têm raízes estruturais mais profundas. O gargalo mais apertado é o fornecimento de grãos para a alimentação de aves e suínos.
A demanda anual é de 5 milhões de toneladas de milho, mas a produção local supre menos da metade. Dezenas de carretas carregadas de grãos ingressam no Estado todos os dias, provenientes do Centro-Oeste. Os custos são altos e a segurança no fornecimento preocupa a agroindústria, o que tem provocado o deslocamento de investimentos que poderiam ser feitos no Estado. Nos últimos 20 anos o volume de produção cresceu abaixo da média do agronegócio, que alçou voo no restante do País. Tanto que Santa Catarina perdeu a liderança em produção de frangos para o Paraná, e deve perder a segunda posição para o Rio Grande do Sul. Em suínos, estima-se que a liderança catarinense seja perdida para o Paraná em 2023.
De outro lado, há fatores positivos que tornam interessante a produção local. Por exemplo, atestados sanitários e certificações que garantem ao Estado acesso aos mercados mais exigentes e que remuneram melhor. Por isso, apesar da perda da liderança em volume, Santa Catarina ainda é o maior exportador de frango e de suínos, com alta participação no mercado europeu. “Outro fator positivo é a alta qualificação da rede de serviços e de mão de obra”, diz José Antônio Ribas Júnior, presidente do Sindicato das Indústrias da Carne e Derivados no Estado de Santa Catarina (Sindicarne). “Toda a cadeia produtiva é desenvolvida e bem estruturada”, ressalta.
É por isso que, apesar dos percalços, as principais empresas atuantes no Estado – JBS, BRF, Aurora e Pamplona – realizam investimentos em ampliação e qualificação da produção. De acordo com Ribas Júnior, o setor investe em produtos de maior valor agregado. Um exemplo é a linha de frangos orgânicos da JBS desenvolvida no Sul catarinense. Os animais são alimentados com grãos especiais e não são tratados com antibióticos, o que eleva os custos de produção em até 40%. Diversos produtos das linhas Gourmet, da Seara, e Speciale, da Sadia, são feitos em unidades do Estado.
A tendência até faz ressurgir uma raça suína que havia sido praticamente excluída do sistema produtivo porque os animais possuem alto teor de gordura corporal. Como a gordura suína voltou a ser valorizada, animais da raça Duroc foram reintroduzidos e são tratados como o “angus da suinocultura”, em função do marmoreio da carne. “Por causa da elevação do preço da carne bovina, que não voltará a ser barata, o consumo de carne suína deve crescer no mercado interno, o que é uma oportunidade para Santa Catarina”, destaca Ribas Júnior.
Suíno da raça Duroc e agroindústria: busca por maior valor agregado - Foto: Shutterstock
Laticínios | Além de oportunidades no segmento de aves e suínos, a indústria de laticínios desponta com potencial ainda mais vistoso. Os motivos são a ainda baixa produtividade média do leite, o baixo consumo per capita de queijo no Brasil e a discreta participação dos laticínios na pauta de exportações brasileiras. Ou seja, os espaços de crescimento são enormes, e Santa Catarina se posiciona como a quarta maior bacia leiteira do País. Calcula-se que se o consumo de queijo per capita no Brasil se tornar metade do consumo dos europeus, a indústria local pode dobrar de tamanho. Outra frente é agregar valor a produtos coloniais ao estilo do que é feito em regiões da Europa como Bolonha e Lombardia. Parte da oferta de tecnologia e serviços para sustentar inovações no setor será suprida pelo Instituto SENAI de Tecnologia em Alimentos e Bebidas que está em construção em Chapecó.
Porém, para a indústria de alimentos ser mais competitiva em Santa Catarina também é preciso melhorar as condições de infraestrutura. Os pontos centrais são incluir na matriz de transportes trens que possam trazer grãos para o Estado e transportar os produtos com maior eficiência aos centros consumidores e portos e, ao mesmo tempo, criar condições para aumentar o investimento em armazenamento de grãos. São agendas defendidas há tempos pela FIESC que agora se incorporam ao contexto do planejamento do Programa Travessia, que busca também uma nova possibilidade – o transporte de grãos para o Estado por meio de dutos, projeto ainda em fase inicial de estudos.
Verticais | Alimentos, vestuário/têxtil, bens de capital e madeira e móveis (veja reportagem subsequente) são os setores que, pelo alto nível de competitividade e o tamanho que possuem em Santa Catarina, estão no foco do Programa Travessia. Também há atenção especial para setores considerados estratégicos, como Saúde e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). De acordo com a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), o setor de tecnologia do Estado tornou-se o quarto maior do País em faturamento no ano passado, ultrapassando Minas Gerais e Rio de Janeiro.
“Santa Catarina é referência nacional em inovação e soluções tecnológicas, abrigando desde startups até multinacionais. Temos capacidade para oferecer soluções para diversos mercados verticais, como IoT, energia, cidades inteligentes, agronegócio, entre tantos outros”, diz Altair Silvestri, CEO da Intelbras, que produz e desenvolve soluções em segurança eletrônica, comunicação, redes, controle de acesso, energia e energia solar.
Altair Silvestri (CEO da Intelbras): "Santa Catarina é um excelente estado para atrair mão de obra qualificada devido aos níveis de desenvolvimento social, e cada vez mais a nossa região se destaca como referência nacional em inovação e soluções tecnológicas" - Foto: Divulgação
A Intelbras recentemente realizou IPO na bolsa de valores e anunciou investimentos de R$ 460 milhões, sendo que R$ 100 milhões serão aplicados em Santa Catarina na ampliação da unidade de São José e na construção de uma nova unidade em Tubarão. A empresa tem 4.700 colaboradores, sendo 65% deles na matriz e na unidade fabril de São José. “O Estado é excelente para atrair mão de obra qualificada devido aos níveis de desenvolvimento social”, destaca Silvestri.
A atração exercida por Santa Catarina em função da percepção de qualidade de vida especialmente na região litorânea, tida por muitos como a joia da coroa do litoral brasileiro, é um pilar para a consolidação de um polo de empresas e de concentração de profissionais de tecnologia, com o impulso do home office. O desafio é não deixar morrer a “galinha dos ovos de ouro”, garantindo infraestrutura para a região. Será essencial elevar os investimentos em saneamento para preservar as praias, em boas estradas para a mobilidade da população crescente e em internet 5G para sustentar o desenvolvimento do setor, especialmente o de IoT (Internet das Coisas) voltado para a indústria 4.0 e para o conceito de cidades inteligentes (leia matéria na p. 60).
O arranjo intrincado e desafiador demonstra o quanto o desenvolvimento deve ser planejado de modo sistêmico. Avanços têm sido obtidos, por exemplo, com um maior alinhamento entre o setor produtivo e o Governo do Estado. Em reunião realizada na FIESC com diversos secretários de Santa Catarina foram debatidas diversas questões sob a ótica do Programa Travessia, dentre elas o abastecimento de milho para a agroindústria, celeridade em licenciamentos ambientais, incentivos fiscais, infraestrutura e a modelagem econômica do Estado.
“Estamos muito de acordo com o que se tem pensado aqui e planejado”, disse na ocasião o secretário de Infraestrutura e Mobilidade Thiago Vieira. “Precisamos ter uma carteira estruturada de projetos de Santa Catarina para o investidor.” Em linha com as demandas apontadas pela FIESC, em junho o Governo lançou edital para elaboração do estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental para o Corredor Rodoviário Litorâneo Norte, nova estrada estadual a ser construída entre Joinville e Biguaçu, em paralelo à BR-101.
Itapema, no litoral Norte: região é atraente para profissionais de tecnologia - Foto: Shutterstock
Cardápio | O objetivo do trabalho de planejamento para o Estado estimulado pela FIESC é chegar a uma condição de poder oferecer a investidores um cardápio completo e integrado de boas oportunidades. O diretor da FIESC José Eduardo Fiates conta que em uma missão empresarial na Inglaterra conversou com um príncipe saudita que buscava oportunidades de investimentos ao redor do mundo. “Ele nos disse que não teria interesse em investir na construção de uma ferrovia em Santa Catarina. Mas poderia investir dez vezes mais se a ferrovia estivesse inserida em um projeto mais amplo que envolvesse ampliação de portos e a implantação de indústrias ao longo do traçado, por exemplo”, conta Fiates. “O investidor precisa ser apresentado a um projeto estadual, com visão sistêmica, por meio de uma narrativa que tenha unicidade e que faça sentido”, afirma.
Articular as diversas entidades da sociedade organizada do Estado para alinhavar um projeto de desenvolvimento de médio e longo prazo com essas características para Santa Catarina é um dos principais objetivos da nova gestão da FIESC que se inicia em agosto – leia a seguir entrevista com o presidente Mario Cezar de Aguiar sobre o tema.
Roteiro do crescimento
Pilares para a construção de um planejamento estratégico para Santa Catarina
Infra Inteligente
- Infraestrutura de transporte e logística (rodovias, ferrovias, vias fluviais, portos e aeroportos)
- Infraestrutura de suporte à produção (energia elétrica, gás, água)
- Infraestrutura social (habitação, saneamento, energia)
- Infraestrutura digital (Telecom, internet, IoT, Inteligência Artificial)
- Infraestrutura empresarial (parques tecnológicos, distritos de inovação, hubs logísticos)
Reinvenção da Economia
- Reinvenção de setores com potencial de crescimento no mercado interno
- Reinvenção de setores com potencial de crescimento no mercado externo
- Reinvenção de setores adjacentes a setores líderes em competitividade
- Reinvenção de setores orientados à infraestrutura social e econômica
- Reinvenção de setores com potencial estratégico para o futuro do País
Capital para Empreender
- Projeto de articulação com agenda de investimentos públicos federais, estaduais e municipais
- Programa de atração e promoção de investimentos
- Programa de atração e promoção de PPPs (concessões, privatizações)
- Programas e projetos especiais (fundos setoriais, fundos regionais)
- Programas de Venture Capital (fomento a startups e corporate venture)
Ambiente Favorável
- Agenda macroeconômica (defesa de interesses, controle fiscal, inflação, sistema tributário, câmbio, juros)
- Sistema de benefícios e incentivos (tributação especial, programas de atendimento/atração de investimentos)
- Programa de desburocratização e simplificação (Easy Doing Business, ranking de competitividade)
- Marco ambiental e relações de trabalho (segurança jurídica, cultura de cooperação e valorização mútua de capital/trabalho)
- Programa de construção de marca e comunicação (conceito e posicionamento de marca, promoção e divulgação)
Fonte: Programa Travessia
Tabelinha perfeita
Portos eficientes nas exportações industriais e importação de matérias-primas aumentam competitividade da indústria.
Porto Itapoá: integração com indústria - Foto: Divulgação
A integração entre portos e indústrias em Santa Catarina vem de longa data. Exportações de carne de frangos e suínos, motores elétricos, blocos de motores e artigos de madeira são destaques da pauta catarinense há décadas. A parceria se intensificou com a entrada em operação de dois dos mais modernos terminais privados do País, a Portonave, em Navegantes, em 2007, e o Porto Itapoá, em 2011. Aproveitando o sistema tributário diferenciado para importações oferecido pelo Estado, estes e os demais portos catarinenses se tornaram também grandes portas de entrada de matérias-primas industriais.
A intensificação das importações de produtos como polímeros, fios sintéticos, autopeças, cobre, alumínio e semicondutores fomentou o surgimento de novas indústrias e mesmo setores inteiros em Santa Catarina. O principal produto importado é o cobre refinado. Ele abastece o maior polo transformador de cobre do País, composto por mais de uma dezena de empresas que passaram a operar na região de Joinville. Além dos incentivos, a eficiência operacional dos portos e a infraestrutura existente na região para a implantação de atividades industriais foram determinantes para a criação deste novo setor industrial em Santa Catarina.
“Além do cobre, os demais itens, mesmo manufaturados, também abastecem a indústria catarinense nas linhas de montagem dos produtos acabados, como a indústria plástica e a automobilística”, afirma Cássio José Schreiner, presidente do Porto Itapoá. A BMW, que instalou sua fábrica na região em 2014, realiza mais de 90% das importações por ali. “Toda a indústria metalmecânica do Norte do Estado, mesmo que já instalada antes do porto, ganhou muito com a opção do terminal tanto na importação como na exportação”, diz Schreiner.
Além de beneficiar a indústria, as operações criaram um formidável conjunto de novos negócios em torno da logística, com grande potencial de crescimento. Estima-se que em 10 anos a região da Baía da Babitonga, onde estão os portos de São Francisco do Sul e Itapoá, deverá saltar de 16 para 48 empresas portuárias e retroportuárias, com investimentos privados que podem chegar a R$ 15 bilhões.
Fábricas de oportunidades
Empregos na indústria exigem constante qualificação e oferecem chance de ascensão profissional e social.
Antônio Marcos Schmidtt entrou como office boy e a empresa ajudou a pagar os estudos até o nível superior - Foto: Leo Laps
Em lugar nenhum do País a indústria é tão relevante para a geração de empregos formais como em Santa Catarina: 34% das vagas. São postos de trabalho que contêm oportunidades para a vida das pessoas, porque as indústrias necessitam de pessoal capacitado e costumam investir alto na qualificação dos recursos humanos, oferecendo chances de ascensão profissional e social. É o caso de Antônio Marcos Schmitt, que começou a trabalhar na Círculo S/A, de Gaspar, aos 16 anos, como office boy.
“A empresa pagou metade das mensalidades e matrículas do meu curso de ensino médio técnico e, depois, também custeou metade do meu curso superior em Ciências Econômicas”, conta. Em 2009 ele deixou a empresa para empreender como consultor em negócios e recursos humanos, mas retornou. Em junho do ano passado recebeu um convite para liderar o processo de transformação digital da área de recursos humanos da empresa que emprega quase 1.800 funcionários e, em 2021, já soma 60 admissões adicionais. “Foi uma grande oportunidade de dar continuidade à minha trajetória na Círculo, agora trabalhando mais diretamente com a área de tecnologia”, avalia.
Santa Catarina tem a menor taxa de desemprego do País, de 6,2%, e a indústria conta com recursos humanos de outras regiões e até de outros países. Aos 26 anos, o haitiano Vitiello Jules, que veio para o Brasil em busca de oportunidades, é o funcionário mais antigo da Cerveja Blumenau. A fábrica não tinha nem dois meses de funcionamento quando ele conseguiu vaga de auxiliar de limpeza em 2016. Logo a vontade de estudar levou Vitiello a fazer cursos on-line e presenciais. Na Escola Superior de Cerveja e Malte, em Blumenau, fez curso de cervejeiro caseiro. O interesse foi percebido pelos líderes da empresa, e há dois anos ele foi promovido a operador da adega, auxiliando nos processos da produção.
Desde que empregou Vitiello a cervejaria mais que triplicou a capacidade produtiva, hoje em 280 mil litros mensais, e segue investindo e aumentando a equipe. Uma das mais recentes contratadas é a química paranaense Amanda de Freitas Gavanski, responsável pela análise laboratorial das cervejas produzidas. Aos 24 anos, ela se mudou para Blumenau para estudar e trabalhar no ramo. “Mal sabia diferenciar os estilos básicos de cerveja”, conta. Em um curso conheceu o mestre cervejeiro da Blumenau, Marcos Guerra, e no final do ano passado acabou contratada dentro de um plano de expansão da cervejaria que investiu R$ 3 milhões em equipamentos, processos produtivos e na ampliação do laboratório onde ela trabalha.
Amanda e Vitiello, da Cerveja Blumenau: empresa triplicou a capacidade - Foto: Leo Laps
Não é uma ilha
Santa Catarina oferece vantagens aos investidores, mas Custo Brasil é um freio na competitividade do Estado.
Fábrica de motores da GM em Joinville - Foto: Divulgação
A localização foi fator central para a General Motors decidir produzir motores em Joinville, cidade que fica a meio caminho de suas fábricas de São Caetano do Sul (SP) e Gravataí (RS), mas uma decisão de investimento superior a R$ 2 bilhões é consequência de muitas variáveis. Segurança, custos e agilidade logística proporcionada pelos portos contaram muitos pontos. Na unidade catarinense, que tem capacidade para produzir 410 mil motores por ano, apenas o bloco e os cabeçotes são usinados localmente, e boa parte das peças é importada. A experiência com os portos foi tão positiva que a empresa passou a trazer pelo Estado os veículos importados para o mercado brasileiro.
O diretor de Relações Governamentais da GM, Adriano Barros, destaca também as boas relações com o poder público, tanto estadual quanto municipal. “É franco e sem enrolação”, afirma. Quanto aos empregados, são muito bem qualificados. “E não apenas para a produção, mas também em relação ao comprometimento e ao espírito de equipe”, diz Barros, sublinhando as boas relações que a empresa mantém com o sindicato dos trabalhadores. Outro aspecto positivo é a parceria com o SENAI, que atua na formação de trabalhadores e no desenvolvimento de soluções inovadoras. Um dos projetos, o robô Snake, que imita um braço humano e é capaz de trabalhar em lugares de difícil acesso, é uma solução de indústria 4.0 que está sendo adotada pela companhia em unidades de todo o mundo e também por outras empresas.
Os resultados obtidos, entretanto, não são suficientes para garantir alta competitividade às operações da multinacional. Carga tributária elevada e distorcida, excesso de taxas e burocracia, altos custos trabalhistas e energia cara, dentre outros fatores, fazem com que um veículo produzido pela GM no Brasil seja 18 pontos percentuais mais caro do que um produzido no México, por exemplo. “Temos no Brasil algumas das fábricas mais produtivas e sustentáveis do mundo, como é a de Joinville, mas elas não são as mais competitivas. Fica claro que o problema está do portão para fora”, afirma Barros.
Desde que empregou Vitiello a cervejaria mais que triplicou a capacidade produtiva, hoje em 280 mil litros mensais, e segue investindo e aumentando a equipe. Uma das mais recentes contratadas é a química paranaense Amanda de Freitas Gavanski, responsável pela análise laboratorial das cervejas produzidas. Aos 24 anos, ela se mudou para Blumenau para estudar e trabalhar no ramo. “Mal sabia diferenciar os estilos básicos de cerveja”, conta. Em um curso conheceu o mestre cervejeiro da Blumenau, Marcos Guerra, e no final do ano passado acabou contratada dentro de um plano de expansão da cervejaria que investiu R$ 3 milhões em equipamentos, processos produtivos e na ampliação do laboratório onde ela trabalha.
“Santa Catarina precisa planejar o futuro”
Iniciando em agosto seu segundo mandato na presidência da FIESC, Mario Cezar de Aguiar aprofunda as articulações com diversas entidades para alinhavar um planejamento de médio e longo prazo que melhore o ambiente de negócios para a indústria. Além disso, conduz o maior programa de investimentos da história da FIESC, de R$ 510 milhões, com ênfase na educação. O objetivo é tornar Santa Catarina o estado mais industrializado do País.
Mário Cezar de Aguiar, presidente da FIESC - Foto: Filipe Scotti
Qual é o objetivo principal da nova gestão da FIESC?
Criar condições para o crescimento da indústria e tornar Santa Catarina o estado mais industrializado do País, com maior participação da indústria na formação do PIB. Atualmente somos o segundo, considerando a indústria de transformação, e o quarto, se o critério incluir também as indústrias extrativa e da construção. Nossa indústria é altamente diversificada e o catarinense é empreendedor por natureza, além de resiliente, conforme demonstrou na atual crise. Temos grande potencial de crescimento, o que é extremamente positivo para o Estado. A indústria é quem melhor remunera depois do setor financeiro, movimentando os serviços e o comércio. Também é o setor que mais arrecada impostos. Onde há indústria há desenvolvimento.
Quais são as oportunidades e as barreiras existentes?
Temos boa infraestrutura portuária e nossa corrente de comércio é forte; somos uma plataforma logística importante para o País, próximos aos centros do Mercosul. Com produtos de qualidade reconhecida, podemos ser uma alternativa para atender ao desejo mundial de depender menos da Ásia para o fornecimento de produtos industriais, por exemplo. Por outro lado, o Estado tem dificuldades para melhorar e até manter a indústria em alguns setores – já fomos o maior produtor de frangos e perdemos a posição. A grande deficiência é a precariedade do sistema de transportes. Os principais eixos rodoviários estão com níveis de serviço abaixo do recomendável e não temos ferrovias competitivas. Precisamos melhorar e ampliar os aeroportos e mesmo os portos, que são eficientes mas precisam de adequações nas áreas de acesso e manobras para que possam receber grandes navios. O Estado tem regiões onde chove demais e outras que enfrentam sucessivas secas, e é preciso mitigar esses problemas. Há regiões que apresentam quedas constantes de energia e não há energia suficiente para atender a demanda de crescimento de diversas indústrias. Já o saneamento é precário em todo o Estado, o que nos envergonha.
Como é possível superar esses entraves?
Temos muita potencialidade, mas o que preocupa é que o Estado não tem planejamento de médio e longo prazo. Para sustentar o crescimento, o ponto central é o planejamento. O Estado precisa estar coeso, unido, com forte integração entre os setores produtivo, institucional e político. Para encaminhar as questões que dependem do Governo Federal, como a infraestrutura, precisamos ter bons projetos, definir quais são as prioridades, os eixos principais. Porém, hoje não há uma coordenação, e cada um reclama investimentos para sua região. O plano tem que ser feito pela sociedade organizada de Santa Catarina, que precisa discutir para onde queremos ir e como poderemos chegar. Como vamos mitigar os efeitos nocivos dos ciclones e das chuvas? Como vamos resolver a questão do transporte e da armazenagem de grãos para manter a agroindústria no Estado? Como obter mais crédito para investimentos? A FIESC desenvolve o Programa Travessia, elaborado para a reinvenção da economia catarinense, que está aberto para receber contribuições.
Qual é o papel dos novos investimentos da FIESC para o crescimento da indústria?
A FIESC está realizando investimentos de R$ 510 milhões até 2024, o maior montante da sua história. O valor poderá até ser maior, com a inclusão de novos projetos. Temos que atender a grande demanda de capacitação dos trabalhadores para a nova indústria – a indústria 4.0. Para isso estamos abrindo novas unidades e readequando laboratórios e instalações, dando atenção especial para a educação, desde o nível fundamental até a pós-graduação. Temos diferenciais, como os Institutos da Indústria e o fato de sermos um Centro Universitário. A ideia é que não seja oferecida uma formação única, mas continuada. Estamos aumentando a capacitação dos professores e elevando a remuneração. Na sede, em Florianópolis, estamos abrindo uma escola de negócios para empresários com diversas parcerias internacionais.
De que forma serão distribuídos os investimentos?
Todos os investimentos passam por avaliação de prioridade, por meio de uma rigorosa análise técnica. Estamos, por exemplo, comprando 9 mil computadores e adaptando todas as máquinas dos laboratórios para a norma NR-12. Os ambientes estão sendo padronizados para dar maior conforto e segurança aos alunos, além de alimentação balanceada. As ações estão no contexto da agenda de Educação 20/30, cujo desafio é sermos não só o maior, mas o melhor centro de ensino de Santa Catarina.