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O gasosão que resiste ao tempo

Pureza Refrigerantes, de Rancho Queimado, mantém praticamente a mesma fórmula de seu guaraná há mais de 100 anos e conta com consumidores fiéis – e exigentes – na região da Grande Florianópolis. Por Marco Britto

Guaraná Pureza. - Foto: Divulgação

Contar com um patrimônio centenário é privilégio de poucas empresas brasileiras. Em Santa Catarina, um exemplo vívido deste tipo de tradição encontra-se em Rancho Queimado, a 60 quilômetros de Florianópolis, onde a Bebidas Leonardo Sell fabrica a Pureza, um refrigerante de guaraná que segue ainda hoje a receita original dos anos 1920, e se mantém como um dos favoritos do público no Estado.

A trajetória de sucesso do produto desde os tempos de “gasosão” – o antigo nome para os refrigerantes – faz com que a Pureza tenha lugar na memória afetiva dos consumidores, um ativo valioso e que demanda cuidado constante. O apreço pelo sabor clássico do refrigerante implica uma expectativa que jamais deve ser frustrada, por isso mesmo qualquer alteração na fórmula é considerada crítica.

Um exemplo ocorreu neste ano, quando uma crise de abastecimento de dióxido de carbono, o insumo responsável pelas borbulhas do refrigerante, afetou a produção de praticamente todos os fabricantes regionais. “Os clientes sentiram menos gás no refrigerante e ligavam para a fábrica para reclamar”, conta Sérgio Sell, diretor administrativo e representante da quinta geração da família de proprietários, que procura responder pessoalmente a cada reclamação recebida. “Na região da Grande Florianópolis, a memória afetiva passou para as novas gerações. A relação do cliente com nosso produto é pessoal”, afirma.

Apesar de ter uma formulação para o guaraná praticamente intocável (a fábrica tem fornecedor com 80 anos de parceria), a Pureza vem se adaptando aos tempos adotando novas embalagens, como a Purezinha de 200 ml, e ainda as versões de 1 litro e em lata – este último um formato pedido nas redes sociais –, além da versão light. Os refrigerantes também são fabricados nos sabores laranja, limão, abacaxi e morango.

Mesmo em sua região de origem poucos sabem que a Pureza começou rotulada como cerveja. O fundador, Alfredo Sell, iniciou o negócio da família em 1905 como fabricante de bebidas alcoólicas – licores, bitter e também cerveja. A partir de 1917 a pequena fábrica passou à era do “gasosão”, comercializando refrescos de limão e framboesa, e em 1925 chegou à fórmula de uma cerveja doce, bebida não alcoólica feita com as sobras da matéria-prima da fabricação da “Tira-Prosa”, pilsen que levava em seu rótulo o Barão do Rio Branco, emblema da então Cervejaria Rio Branco, como inicialmente se chamava a empresa.

Fábrica antiga: memória afetiva perpassa gerações e relação com produto é pessoal - Foto: Divulgação

Hoje os descendentes do fundador preparam um retorno às raízes. Há cerca de dois anos vem sendo desenhado um projeto para retomar a produção de cerveja. O desejo maior é produzir a pilsen Tira-Prosa, porém há obstáculos. O nome “prosa” está registrado por outro fabricante, e a figura do Barão do Rio Branco é protegida por direito de imagem, detido pela família do célebre diplomata brasileiro.

A empresa mantém negociações com potenciais parceiros para produzir a cerveja, pois a atual planta da Leonardo Sell, totalmente dedicada à produção de 1 milhão de litros de Pureza por mês, opera no limite logístico. A produção de refrigerante em lata, por exemplo, ocorre no município de Anta Gorda (RS), onde um parceiro envasa o produto. A fabricação da água natural gaseificada, outro produto da companhia, é feita da mesma forma, com empresa parceira.

A estratégia é seguir desenvolvendo a linha de produtos externamente – está em estudo a produção de sucos e energéticos – até a instalação de uma nova fábrica em Rancho Queimado, um projeto com 10 mil metros quadrados e capacidade de quintuplicar a produção de refrigerante, além de alojar o envasamento em latas e a fabricação de água com gás. Contudo, a necessidade de investimento faz com que esse seja um objetivo de longo prazo, com previsão de funcionamento dentro de dez anos. Os planos consideram ainda usar a atual fábrica apenas para cerveja e abrir um espaço para visitação, uma espécie de museu da empresa, para contar a história de empreendedorismo da família Sell. O projeto de expansão da estrutura considera também um centro de apoio logístico em Palhoça.

Produtos pioneiros: descendentes do fundador projetam retorno às raízes - Foto: Divulgação

Austeridade | Por enquanto, a empresa se consolida no mercado local da Grande Florianópolis e ganha presença no Sul do Estado, sendo ainda um desafio ocupar espaços onde o refrigerante não tem tanta popularidade, como o Norte e o Oeste de Santa Catarina. Mesmo diante das dificuldades, o foco no mercado local vem rendendo frutos. A Pureza registrou R$ 40 milhões em faturamento no ano passado e este ano a expectativa é aumentar em R$ 10 milhões o valor, um crescimento de 25%. Ainda assim, o ambiente é austero, sem espaço para grandes investimentos.

“Estamos em um preço intermediário entre as outras marcas regionais e as grandes marcas. Isso é ruim, porque em tempos de aperto financeiro o consumidor recorre ao preço mais baixo”, explica o empresário. De fato, os consumidores se veem diante de uma alta média de preços de 13% nos bens de consumo massivos como alimentos e bebidas somente no primeiro trimestre deste ano, de acordo com a consultoria Kantar.

Pelo lado das empresas, não está fácil segurar os custos. Situações combinadas como a guerra na Ucrânia e as flutuações do dólar fizeram disparar os preços, por exemplo, do ácido cítrico, que chegou a saltar de R$ 7 para R$ 48 em um intervalo de três meses. “Montamos uma cooperativa entre fabricantes do Brasil e compramos em conjunto para baixar o preço para R$ 16,50”, conta Sell, que também é presidente da seção estadual da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras).

Sérgio Sell: cooperativa de compras para baixar preços dos insumos. - Foto: Divulgação

A entidade foi formada para defender os interesses das cerca de 100 fabricantes regionais de refrigerantes existentes no País. Juntas elas produzem 1 bilhão de litros por ano, ou 10% do mercado nacional, mas respondem por quase metade dos empregos. Na Pureza, são 65 funcionários diretos.

Pureza

  • Fundação: 1905
  • Sede: Rancho Queimado
  • Produção: 1 milhão de litros/mês
  • Faturamento: R$ 50 milhões (2022)

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