Diante da nova geopolítica mundial, marcada por tensões, conflitos e guerras, a defesa da soberania deixou de ocupar o segundo plano no planejamento de muitos países – o Brasil incluído. Tanto que o setor de Defesa forma um dos seis eixos da Nova Indústria Brasil, a política criada pelo Governo Federal para impulsionar a indústria nacional até 2033. São previstos R$ 112,9 bilhões em investimentos para obter autonomia de pelo menos 75% na produção de tecnologias críticas para as Forças Armadas (FAs).
Antecipando-se à tendência a FIESC fundou, em 2016, o Conselho de Desenvolvimento da Indústria de Defesa (CONDEFESA). Presidido pelo empresário Cesar Augusto Olsen, o órgão consultivo serve como interface entre indústrias catarinenses e as FAs na geração de oportunidades de negócios, com o objetivo de tornar o setor de Defesa um segmento estratégico para a economia de Santa Catarina.
Além de eventos regulares para aproximar as partes, desde 2019 o CONDEFESA organiza, em Florianópolis, a SC Expo Defense, que se tornou a maior feira do setor no Sul do Brasil. Devido ao seu formato, a feira abre oportunidades para empresas de pequeno porte, que têm dificuldade de se destacar em outros eventos do setor. “A feira foca na demonstração de capacidade industrial através de protótipos e projetos. O público-alvo são os militares, e não o público geral”, explica Olsen. A próxima edição será em maio de 2026.
Uma das principais missões do CONDEFESA se alinha aos planos da Nova Indústria Brasil: nacionalizar, ao máximo, o fornecimento de equipamentos, tecnologias e serviços para o setor. Nesse sentido, projetos que tiveram origem na SC Expo Defense 2024 ganharam apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado, a Fapesc, e estão se tornando soluções de empresas catarinenses nas áreas de energia, nanotecnologia, bioproteção e defesa balística, dentre outras.
“Não existe defesa nacional sem a participação da indústria brasileira. Não adianta importar uma tecnologia se o país que a vendeu se tornar um agressor ou um inimigo no futuro, pois ele vai saber os pontos fracos da tecnologia”, argumenta Olsen, que é fundador de uma empresa que fornece equipamentos especializados para as FAs.
Outro objetivo é garantir a manutenção, atualização e reposição de peças em caso de mudança no relacionamento com o país fornecedor. A nacionalização também gera redução de custos, agilidade de fornecimento e independência tecnológica. Por isso o CONDEFESA tem participação ativa em negociações como a que trouxe para Itajaí o programa das fragatas classe Tamandaré, uma parceria entre a Marinha e a alemã thyssenkrupp. Em agosto a segunda fragata, a Jerônimo de Albuquerque, foi lançada ao mar, e outras duas estão em produção. Nos últimos meses, as negociações envolvem a vinda de uma fábrica de veículos militares Tatra, da República Tcheca, para Palhoça.
As Forças Armadas movimentam uma cadeia de suprimentos diversificada e cheia de oportunidades para a indústria. De alimentos a sistemas de alta tecnologia, o setor de Defesa precisa de fornecedores confiáveis em diferentes níveis, o que abre espaço para empresas de variados portes e segmentos.
“A base industrial brasileira desconhece o que a Defesa precisa, e vice-versa. O CONDEFESA da FIESC tem sido importante para melhorar esse relacionamento e se tornou muito respeitado, sendo procurado por outros estados que querem espelhar seu trabalho”, afirmou o general de Exército Adhemar da Costa Machado Filho em sua última reunião no CONDEFESA, em agosto. Ao completar 75 anos, ele se aposentou do cargo de coordenador do escritório de Florianópolis do Sistema Defesa, Indústria e Academia (SisDIA) do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército.
Atualmente, 28 empresas catarinenses são catalogadas como Empresas Estratégicas de Defesa (EED) junto ao Ministério da Defesa para fornecer bens, serviços ou tecnologias, atendendo a critérios como a capacidade de proteger informações sensíveis e o desenvolvimento de tecnologia sem dependência de soluções estrangeiras. Trata-se de um nível acima das Empresas de Defesa (ED), que também precisam do aval do Ministério da Defesa. As EEDs devem ter capital nacional, sede no Brasil e produção local, além de possuir conhecimento tecnológico próprio ou em parceria.
Santa Catarina é o terceiro estado com maior número de empresas catalogadas, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro. “Ainda há muito potencial, nossas empresas precisam enxergar esse setor como um possível cliente. Não é simples. É preciso conhecer as necessidades e realizar algumas alterações em produtos, mas é possível fazer com que a Defesa entre no portfólio”, argumenta a executiva do CONDEFESA, Luciane Camilotti.
O setor de tecnologia da informação e comunicação é destaque entre as EEDs de Santa Catarina. A Dígitro, de Florianópolis, foi a primeira empresa do Estado a obter a certificação. Já a IANA Tecnologia, startup também sediada na Capital, atuará até 2027 no projeto Centro de Desenvolvimento de Tecnologias Críticas para o Domínio Aéreo Futuro (CET-ADS), contratada pela Fundação Casimiro Montenegro Filho (FCMF) em parceria com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a Fundação Certi, com suporte da Finep.
A IANA participará do desenvolvimento de algoritmos de Inteligência Artificial e Visão Computacional voltados a missões de busca em uma área que inclui todo o território nacional e águas internacionais. A ferramenta poderá ser utilizada para localizar barcos pesqueiros à deriva, tráfego ilícito, pessoas, poluição ou destroços no mar ou na região amazônica, por exemplo. “O projeto vai trabalhar com imagens aéreas ou de satélites que serão analisadas pela Visão Computacional, mais eficiente que o olho humano, para buscas em grandes áreas”, explica o diretor executivo da startup, Carlos Duek, um ex-piloto com mais de 30 anos de experiência na Força Aérea Brasileira. “É um nicho bem delimitado, e para quem entende do setor é uma boa oportunidade. Tem que compreender, profundamente, a necessidade operacional, a cultura do usuário e seus procedimentos”, observa o executivo.
Pré-hospitalar | A Desmodus, empresa de Nova Trento especializada em equipamentos para atendimento pré-hospitalar (APH), desenvolveu um torniquete para controle de hemorragias que é utilizado por 14 instituições no Brasil, incluindo Exército, Marinha e Aeronáutica, todos os tipos de força policial e a segurança presidencial. Um terço do faturamento da empresa, que conta com uma rede de 15 fornecedores regionais de matérias-primas, vem de editais das Forças Armadas ou das forças auxiliares. A Desmodus já começa, também, a planejar exportações para todo o continente. “Fizemos testes clínicos na PUC-Campinas para comprovar a eficácia do equipamento e estamos no mesmo nível de equipamentos americanos”, afirma Cleber Archer, um dos sócios da empresa.
Como acessar o mercado
Para que uma empresa se torne fornecedora das Forças Armadas, algumas etapas formais devem ser cumpridas. O primeiro passo é o cadastro no Sicaf, sistema que habilita a participação em compras públicas federais, exigindo documentos de regularidade jurídica, fiscal e trabalhista. Nesse nível, as empresas podem fornecer produtos e serviços de uso comum, administrativos ou logísticos.
Já para fornecer produtos específicos ou estratégicos de defesa, é necessário o credenciamento junto ao Ministério da Defesa, que reconhece as companhias como Empresas de Defesa (ED) ou Empresas Estratégicas de Defesa (EED). O processo envolve o atendimento a critérios técnicos e de qualidade, que podem incluir certificações, auditorias e comprovação de capacidade de produção. O credenciamento traz benefícios importantes, como incentivos tributários e prioridade em licitações de projetos estratégicos, acesso a programas de inovação e maior visibilidade no setor. As empresas não precisam ser necessariamente grandes, pois a escolha se baseia na criticidade de oferta da solução.
Independentemente de estar catalogada nessas categorias, qualquer empresa pode se cadastrar no CONDEFESA para começar a se inserir no ecossistema e receber conteúdos, divulgação de eventos e mensagens das Forças Armadas, além de participar das reuniões que promovem networking relevante.
O cadastro pode ser realizado pelo site fiesc.com.br/camaras/condefesa.