Setor de base florestal cresce em Santa Catarina com investimentos bilionários, mas é preciso organizar a oferta de matéria-prima, que pode faltar no futuro.
Plantação de pinus na Serra do Corvo Branco, em Santa Catarina - Foto: Shutterstock
Às margens da BR-116 em Lages toma forma um dos maiores investimentos industriais em curso em Santa Catarina. Com aporte de R$ 1,4 bilhão, o complexo para produção de madeira serrada e painéis MDF da Berneck terá 100 mil metros quadrados de área construída e capacidade produtiva de até 950 mil metros cúbicos por mês. A empresa de origem paranaense já possui uma unidade em Santa Catarina, em Curitibanos, que opera desde 2011. A nova fábrica, que deverá ser inaugurada no final deste ano, permitirá à companhia ampliar em 70% sua produção de serrados, na maior parte destinados ao mercado externo, e em 25% a de MDF.
Para se ter uma ideia da movimentação econômica proporcionada pelo projeto, estima-se que 500 carretas circularão pela planta industrial todos os dias, levando matérias-primas e insumos para a fábrica e transportando produtos acabados. “Nossa produção atende e continuará atendendo as indústrias de móveis, construção civil, segmento automotivo, eletrônica e embalagens, no Brasil e no mundo”, afirma o diretor industrial Daniel Berneck.
A Guararapes é outra empresa paranaense de base florestal que encontrou terreno fértil para crescer em Santa Catarina. Com fábricas de compensados de madeira voltados à exportação em Palmas (PR) e Santa Cecília (SC), ergueu uma unidade de painéis MDF em Caçador em 2009, a meio caminho entre as duas fábricas. A diversificação permitiu à Guararapes explorar o mercado interno e também aproveitar melhor as matérias-primas, pois a fabricação de MDF utiliza toras de madeira mais finas e resíduos gerados nas unidades de compensados.
Instalações da Guararapes em Caçador: equipamentos de última geração - Foto: Divulgação
Deu tão certo que em 2016 a unidade foi ampliada, e agora uma terceira linha de produção está sendo implantada em Caçador, à base de R$ 800 milhões em investimentos. Com a entrada em operação, prevista para o final de 2022, a capacidade será ampliada em 90% e a operação otimizada por equipamentos como um scanner para verificar a qualidade dos painéis e um sistema para reaproveitar a umidade natural da madeira através de um evaporador, para geração de vapor, em circuito fechado, sem emissão de efluentes. “Será uma das mais modernas plantas do mundo, altamente produtiva, sustentável e com equipamentos de última geração”, destaca Ricardo Pedroso, CEO da Guararapes.
Os dois projetos estão associados a uma vocação econômica profundamente enraizada em Santa Catarina, a indústria de base florestal. Com cerca de 10% do total de florestas plantadas do Brasil, a despeito do pequeno território, o próprio Estado supre de matérias-primas indústrias como a Berneck e a Guararapes, além de serrarias e fábricas de painéis de madeira, portas, indústrias de móveis e o setor de papel e celulose. A indústria de base florestal responde por mais de 20% das exportações catarinenses e por quase 11% do valor bruto da produção industrial, de acordo com o Observatório FIESC.
“Santa Catarina sempre teve tradição no setor madeireiro”, diz Odelir Battistella, presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria Florestal da FIESC. “Primeiro com a madeira de lei, depois com a madeira de reflorestamento, pois o Estado tem um dos maiores potenciais de crescimento por hectare de pinus em todo o mundo”, afirma. A base formada por florestas de pinus e eucaliptos sustenta uma indústria competitiva internacionalmente. Empresas como a Guararapes e a Berneck, que exportam para dezenas de países, possuem certificados de sustentabilidade e mantêm áreas de vegetação nativa em meio às plantações. Também se abastecem adquirindo madeira de outros produtores.
Obras da fábrica da Berneck, em Lages: 100 mil metros quadrados de área construída - Foto: Divulgação
A Guararapes possui áreas nos três estados do Sul e pretende continuar expandindo a base florestal. Contratou um estudo que demonstrou a capacidade e a viabilidade de expansão dos cultivos na região. A Berneck tem visão semelhante e aposta no Planalto Serrano. “Com uma pequena ajuda por parte do Governo aos pequenos e médios proprietários de terras, a região pode se consolidar como uma das principais produtoras de floresta do País, atraindo mais investimentos vultuosos”, afirma Daniel Berneck.
Este potencial é identificado pelo programa Travessia, da FIESC, que promove ações para organizar e fomentar a indústria madeireira. Uma série de fatores, porém, põe em risco o abastecimento futuro de matéria-prima para as empresas do setor que não são integradas verticalmente, isto é, que não têm o abastecimento garantido por florestas próprias.
Em função do câmbio favorável, elevaram-se as exportações de madeira serrada. O mesmo vale para as indústrias de papel e celulose e moveleira. Ou seja, o consumo está crescendo. Por outro lado, produtores rurais que no passado investiram em florestas não estão refazendo as plantações. Preferem usar a área para cultivar grãos como o milho, que é fortemente demandado pela agroindústria e garante renda anual – ou até duas safras por ano. Se parece fazer sentido individualmente, para o Estado pode ser um erro, pois as condições de clima e solo são mais favoráveis à produtividade da madeira do que dos grãos.
Um dos objetivos da FIESC é envolver o Governo do Estado no apoio técnico aos pequenos produtores, por meio da extensão rural, já oferecida para a cultura de grãos e a pecuária. A criação de um fundo de compensação para proteger os produtores das oscilações bruscas de preços também é articulada, assim como um programa de renda mínima.
Entrosamento | Outra medida é abrir negociações com produtores que já possuem florestas maduras, de troncos grossos, essenciais para o abastecimento das serrarias e fábricas de móveis, para que possam liberar essas árvores que levam até 15 anos para maturar. A indústria de papel e celulose, por exemplo, possui florestas com esse perfil mas pode utilizar árvores mais jovens e finas em seu processo produtivo. O objetivo é articular o setor para que as compensações sejam feitas. “A cadeia produtiva não é integrada como na agroindústria. É preciso promover o entrosamento entre os diversos agentes”, diz Battistella.