Com aplicações em diferentes segmentos da indústria, as chamadas tecnologias de oxidação avançada (AOT, na sigla em inglês) se baseiam em processos químicos que geram radicais livres, que são moléculas instáveis e altamente reativas. Com isso, são capazes de quebrar compostos orgânicos. Elas são usadas, por exemplo, para tratar diferentes tipos de efluentes industriais, destruindo compostos tóxicos e os transformando em resíduos que não são nocivos ao meio ambiente.
No segmento de vidros, cerâmicas e tintas, inspiram o desenvolvimento de produtos com propriedades bactericidas ou autolimpantes – já há empresas que fornecem revestimentos dotados de partículas que, quando entram em contato com a luz, geram reações químicas capazes de degradar sujeira e matar micróbios. Seus usos também alcançam a desinfecção e preservação de alimentos, a limpeza de embalagens e de ambientes, a fabricação de tecidos com características especiais e até a produção de combustíveis renováveis, como hidrogênio, por meio da quebra de moléculas de água na presença de um material semicondutor.
“Essas tecnologias são mais conhecidas no tratamento de água com uso de ozônio, mas existem várias outras aplicações avançadas que vêm ganhando espaço em processos industriais”, explica Regina de Fátima Peralta Muniz Moreira, professora do Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Laboratório de Energia e Meio Ambiente da instituição.
O grupo de pesquisa liderado por ela desenvolveu, em uma parceria com a Petrobras, o protótipo de um reator para fazer o tratamento de um efluente líquido que resulta da extração de óleo e gás natural em plataformas marítimas, a chamada “água produzida”. A composição química desse efluente, rica em óleos e graxas dissolvidos, é potencialmente danosa ao meio ambiente e pode poluir o mar. Um reator capaz de processar 5 metros cúbicos de líquido por hora será testado em breve em uma plataforma de petróleo, que ainda está sendo selecionada. A forma convencional de fazer o tratamento de água contaminada com óleo é um processo de filtração. O problema é que o contaminante continua presente. Já o processo de oxidação avançada é capaz de destruir o material orgânico. O resultado é água pura e compostos de menor toxicidade, que podem ser descartados de forma mais segura.
A tecnologia prevê a destruição dos óleos e graxas por meio de um processo de eletro-oxidação – o líquido é submetido a uma corrente elétrica que desencadeia a formação de radicais livres com alto poder oxidativo e a ocorrência de reações químicas. Essa estratégia é complementada com processos adicionais de tratamento, como flotação e separação com membranas, que retêm partículas e permitem seu descarte de forma ambientalmente correta.
Massa crítica | O grupo liderado por Regina Moreira já estabeleceu no passado parcerias com empresas como a BRF e a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) em projetos sobre uso de ozônio em saneamento. A pesquisadora enfatiza que existe massa crítica disponível nas universidades capaz de desenvolver aplicações dessas tecnologias, que poderiam ser utilizadas para melhorar e ampliar a produtividade de processos industriais.
“Como são técnicas químicas ambientalmente amigáveis, podemos ajudar a fortalecer a indústria de Santa Catarina reforçando conceitos de sustentabilidade e o enfrentamento das mudanças climáticas”, afirma a pesquisadora. Ela foi a organizadora do VI Iberoamerican Conference on Advanced Oxidation Technologies (Cipoa), um evento internacional sobre essa tecnologia sediado em outubro na UFSC. “Trouxemos este congresso para cá para demonstrar o potencial dessas tecnologias. Nosso objetivo é ampliar a interação com indústrias”, diz Regina. Na conferência, o debate sobre essa interação incluiu discussões sobre estratégias de transferência de tecnologia e o uso das AOTs no tratamento de água para reúso e em aplicações na agricultura.
Propriedades | As tecnologias de oxidação avançada também são alvo de pesquisas realizadas por outros grupos da UFSC. O engenheiro de materiais Dachamir Hotza, coordenador dos laboratórios de Processamento Cerâmico e de Desenvolvimento de Nanoestruturas, combina tecnologias de oxidação avançada com nanotecnologia para gerar produtos com propriedades excepcionais. O uso de nanopartículas, ele explica, pode amplificar a eficiência de reações de oxidação.
Um de seus temas de investigação é o uso de nanopartículas de dióxido de titânio, por exemplo, em concreto armado e em armações de aço. Elas são capazes de conferir mais resistência mecânica ao material e, ao mesmo tempo, propiciar reações químicas em contato com a luz, processo conhecido como fotocatálise, que fazem com que compostos orgânicos, como a sujeira, não se agreguem à superfície que, assim, ganha propriedades autolimpantes.
A tecnologia teria efeito até mesmo no combate à poluição, ao quebrar poluentes em substâncias menos nocivas. Incorporadas a cimento ou a argamassas, as nanopartículas não se desprendem, o que impede que afetem a saúde de organismos vivos – um potencial efeito danoso desse tipo de composto. Um dos desafios hoje, de acordo com o pesquisador, é desenvolver tintas fotocatalíticas e nanométricas que possam recobrir superfícies e livrá-las de sujeira. Existe, porém, um gargalo tecnológico: há materiais orgânicos na composição das tintas e eles também são alvo das reações químicas. “Precisamos encontrar materiais que sejam portadores de dióxido de titânio, mas que não sejam destruídos por ele”, afirma o pesquisador.
Versatilidade das AOTs
Algumas aplicações industriais da oxidação avançada
- Desinfecção e redução de poluentes em água para irrigação agrícola;
- Eliminação de odores desagradáveis na aquicultura;
- Maior eficiência na sanitização de ambientes agropecuários;
- Elevação do tempo de vida útil dos alimentos;
- Limpeza e branqueamento de tecidos;
- Adição de propriedades autolimpantes a materiais de construção;
- Tratamento de efluentes industriais, água potável e água para reúso;
- Produção de hidrogênio verde.