A infraestrutura de Santa Catarina enfrenta uma situação paradoxal, em que o esperado encaminhamento para a solução de um problema poderá tornar o problema ainda maior. É o caso da repactuação das concessões da BR-101 em seu trecho norte e da BR-116, que está prevista para se consolidar ainda no primeiro semestre de 2025. A repactuação, defendida pela FIESC, permitirá que obras adicionais sejam incorporadas em novo contrato a ser celebrado, estendendo a concessão até 2048 – o contrato atual vence em 2033. A questão é que o novo pacote de obras, incluído pelo Ministério dos Transportes na proposta para o chamado Contrato de Otimização, que irá a leilão, é insuficiente para deixar a BR-101 com níveis de segurança e de serviços minimamente adequados nos próximos anos.
“Entendemos que a repactuação do contrato é a melhor solução, mas as obras e melhorias propostas não atendem às necessidades dos catarinenses. É preciso incorporar medidas para elevar a segurança e os níveis de serviço da rodovia”, diz Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC. A conclusão de que as obras propostas não surtirão o efeito necessário para desafogar a rodovia tem origem em um estudo realizado pelo engenheiro de tráfego Lucas Trindade, contratado pela FIESC.
Com base em simulações computacionais que levaram em conta as expectativas de crescimento econômico e populacional das áreas do entorno da BR-101 e as obras previstas na proposta de repactuação até 2048, o estudo concluiu que o crescimento da demanda e a falta de modais alternativos resultarão em congestionamentos de grande extensão e por grandes períodos em vários trechos. “Será preciso fazer intervenções de impacto significativamente maior do que as propostas para garantir níveis de serviço operacionais adequados no futuro”, afirma Egídio Antônio Martorano, presidente da Câmara para Assuntos de Transporte e Logística da FIESC.
Estagnação | As concessões das BRs 101 e 116 em Santa Catarina tiveram início em 2008, com prazo de 25 anos. Atualmente as concessionárias são as empresas Arteris Litoral Sul e Arteris Planalto Sul. Porém, o modelo de concessão que era então praticado à época não se alinhou ao crescimento das regiões, principalmente do litoral norte catarinense.
A movimentação portuária triplicou desde então, de acordo com levantamento da FIESC. A frota de veículos dos municípios do entorno da BR-101 cresceu 122%, a população aumentou 50% e o PIB cresceu mais de 300%, em valores nominais. Em meio a toda essa movimentação o corredor ficou estagnado, pois as obras originalmente previstas estavam muito aquém das crescentes necessidades. O modelo de concessão, baseado em tarifas baixas e poucas despesas por parte da concessionária, não incluía mecanismos como gatilhos que são acionados ao se atingir determinados volumes de tráfego, autorizando obras de ampliação e consequente elevação das tarifas de pedágio.
A primeira estratégia para buscar soluções foi a elaboração de uma lista de obras para melhorar os níveis de serviço e de segurança da rodovia ao longo do tempo. O trabalho foi realizado pelo Grupo Paritário de Trabalho (GPT), integrado pela FIESC e diversas organizações, e coordenado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). As obras propostas compunham o chamado Extra PER (Plano de Exploração da Rodovia), que necessitava, contudo, de autorização da ANTT para realização. O alto impacto que as obras teriam nas tarifas de pedágio fez com que muito pouca coisa saísse do papel.
A alternativa de esperar até 2033 para que uma nova concessão fosse firmada era desanimadora, pois em muitos pontos da rodovia os níveis de serviço já estão na categoria “F”, os piores da escala HCM (Highway Capacity Manual), o número de acidentes e de vítimas fatais é extremamente elevado e os prejuízos para o setor de transporte de cargas chegam a R$ 1 bilhão por ano, devido à lentidão e aumento no consumo de combustíveis, de acordo com a Federação das Empresas de Transporte de Carga e Logística de Santa Catarina (Fetrancesc).
Neste ano, entretanto, o Governo Federal apresentou uma proposta para repactuação do contrato. O princípio da repactuação é a renegociação dos termos originais do acordo, com o objetivo de ajustar o contrato à nova realidade. Era a oportunidade para incorporar mecanismos mais modernos como os gatilhos, e finalmente incluir as obras fundamentais. Porém, a proposição do Ministério dos Transportes deixou de fora a maior parte das sugestões do GPT. Na comparação, a proposta do Governo “corta” 42 quilômetros de novas vias e 47 obras como pontes e viadutos que já haviam sido listadas, com o objetivo de manter reduzidas as tarifas de pedágio.
“O efeito econômico, entretanto, será o oposto do almejado”, diz Egídio Martorano. “Sem as ampliações de capacidade necessárias, vários trechos da rodovia terão os piores níveis de serviço muito antes do fim do novo prazo de concessão, o que elevará absurdamente os custos para os usuários”, afirma. De acordo com o estudo da FIESC, a proposta do Ministério dos Transportes implicará em um custo adicional de R$ 32,3 bilhões para os usuários entre 2033 e 2048, devido à falta de capacidade da rodovia e das vias laterais de absorverem o tráfego. O cálculo considera custos de combustível, operacionais, de tempo de viagem e custos envolvendo acidentes. Além disso, a emissão de poluentes será maior em cerca de 40%.
A FIESC propõe a inclusão de diversas obras na proposta de repactuação, com o objetivo de manter todos os trechos da BR-101, na pior das hipóteses, no nível de serviço “D”, com trânsito lento, porém em fluxo contínuo, evitando engarrafamentos em toda a extensão da rodovia. São terceiras faixas, vias laterais, melhorias nos entroncamentos, pontes e obras de arte especiais, que podem ser conferidas detalhadamente no estudo. “Não podemos mais ser apenas reativos no que se refere à infraestrutura de Santa Catarina”, diz Martorano. “É necessário trabalharmos com planejamento e gestão, e a repactuação é uma oportunidade.”
Nesse sentido, é preciso integrar a repactuação ao Plano Estadual de Logística e Transporte de Santa Catarina (PELT), que está em desenvolvimento, alinhá-lo aos planos diretores dos municípios do entorno da rodovia para que haja preservação das áreas de domínio, facilitando a construção, no futuro, de novas pistas, vias marginais ou outras obras, além de planejar adaptações às mudanças climáticas.
Pelo lado do formato do contrato, é necessário estabelecer ordem de prioridades e cronograma de obras e incorporar mecanismos como o gatilho volumétrico para investimentos não previstos, garantindo o reequilíbrio econômico financeiro da concessão, ao mesmo tempo que se deve estabelecer parâmetros de desempenho operacional para as rodovias, com a previsão de penalidades para a concessionária em caso de não cumprimento de obrigações.
Pedágios | O impacto nos pedágios resultante do aumento dos investimentos ainda tem espaço para ser absorvido, de acordo com o estudo da FIESC. O valor da tarifa praticado atualmente, de R$ 6,40 a cada 100 quilômetros, é o segundo mais baixo do Brasil, considerando um conjunto de 11 concessões assinadas entre 2019 e 2024. O valor médio dessas concessões é de R$ 12,70 pagos a cada 100 quilômetros, praticamente o dobro do valor cobrado pela Litoral Sul. Pedágios mais caros são impopulares, mas, conforme já demonstrado, no fim das contas sai mais barato para os usuários do que trafegar por uma rodovia com baixos níveis de serviço e segurança.
“Precisamos desmistificar os pedágios, informando a sociedade sobre a realidade das rodovias”, diz Martorano. “O custo de uma rodovia ineficiente não é contabilizado no dia a dia pelo usuário, mas eleva os custos de transporte e afeta fretes.” Em compensação, há diversos mecanismos e tecnologias que poderão ser adotados na repactuação que são capazes de melhorar a fluidez do tráfego, ao mesmo tempo que permitem economia de custos ou elevação de receitas para a concessionária, impactando para baixo nas tarifas.
A FIESC sugere, por exemplo, o pedágio variável, com tarifas distintas de acordo com o horário, incentivando o uso da rodovia em horários de menor movimento. Já o sistema free flow permite a cobrança de pedágio por quilômetro rodado, o que na prática fará com que milhares de usuários regulares que atualmente não pagam pedágio passem a contribuir, elevando as receitas da concessionária. A implantação de sistemas de inteligência de tráfego, que podem ser equipados com sensores, câmeras e radares conectados por inteligência artificial para gerar dados em tempo real, proporcionará ganhos para a concessionária e para os usuários. As propostas da FIESC foram formalmente encaminhadas ao Ministério dos Transportes para avaliação.
Acesse o estudo sobre a repactuação da BR-101Correndo contra o tempo
Construção de túnel e nova rodovia requerem soluções inovadoras.
Além da repactuação dos contratos de concessão das BRs 101 e 116, o desatamento do nó logístico que aflige Santa Catarina depende da capacidade de tirar alguns projetos cruciais do papel em tempo razoável. Dois dos mais importantes são a construção do túnel do Morro dos Cavalos, na Grande Florianópolis, e da rodovia paralela à BR-101 no litoral norte do Estado. Com relação ao Morro dos Cavalos, a FIESC propõe uma solução inovadora. A ideia é que a obra do túnel seja incluída no escopo da concessão da CCR Via Costeira, responsável pelo trecho sul da BR-101 em Santa Catarina.
O trecho do Morro dos Cavalos atualmente está sob concessão da Arteris Litoral Sul, mas a repactuação do contrato que está em andamento poderá contemplar a mudança, que ainda terá de ser aprovada pela ANTT. Em caso positivo, a obra do túnel deverá ser incluída na revisão quinquenal da concessão da BR-101 Sul, prevista para o ano que vem. A solução poderá ser eficiente por diversos motivos. Um deles é que o pedágio administrado pela CCR é menor do que no trecho norte, o que permitiria uma diluição do investimento ao longo do tempo. Além disso, o prazo da concessão da CCR é mais longo, o que dá mais tempo para amortizar o investimento.
No caso da rodovia estadual paralela à BR-101, o Corredor Litorâneo Norte, há vários pontos de atenção que podem fazer a diferença para a viabilidade do projeto. Um deles é que a proposta original considera um traçado de 144 quilômetros de extensão, entre o Contorno Viário da Grande Florianópolis e Joinville, podendo utilizar trechos de rodovias estaduais que passam pelo interior de municípios do litoral. Porém, os projetos executivos contratados pelo Governo do Estado contemplam apenas um trecho de 90,5 quilômetros entre Joinville e Itajaí. A construção somente desse trecho tiraria boa parte da eficiência logística esperada da rodovia – há promessa do Governo de lançar edital para o trecho remanescente até o final do ano. “Mesmo com a ampliação da BR-101, a rodovia paralela é fundamental para atender o crescimento da demanda para as próximas décadas”, diz Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC. “O litoral norte cresce acima da média do Estado, que por sua vez cresce acima da média brasileira”, justifica.