Com Santa Catarina à frente, grupo de estados denominados “Onças Brasileiras” cresce acima da média, exibe os melhores indicadores socioeconômicos e entra no radar dos grandes investidores nacionais e estrangeiros.

Passado um quarto de século desde a virada do milênio, consolidou-se no Brasil um novo vetor de desenvolvimento. Enquanto o século 20 teve como locomotivas o eixo Rio de Janeiro-São Paulo, os estados mais populosos do Brasil, que absorveram a maior parte da migração interna e foram os motores da economia, da urbanização e da industrialização, no século 21 emergem os chamados mercados regionais, os estados de fora do eixo Rio-São Paulo.

Não foram todos os estados brasileiros “fora do eixo” que se destacaram, mas um conjunto de economias fortemente ligadas ao agronegócio, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Espírito Santo. Um estado destaca-se ainda mais: Santa Catarina, com a economia mais diversificada e o mais industrializado do grupo. É também o que apresenta maior crescimento populacional, o que mais tem startups e é o mais competitivo – de acordo com o ranking do Centro de Liderança Pública (CLP), Santa Catarina ocupa a segunda posição, atrás apenas de São Paulo. Entre as 100 cidades mais competitivas, 11 são catarinenses, sendo Florianópolis a primeira do ranking.

“A descentralização do desenvolvimento e o crescimento dos chamados mercados regionais são um fenômeno mundial, pois a concentração em grandes metrópoles não é mais a única via de crescimento. Regiões menores, mas com ambiente de negócios favorável, qualidade de vida e infraestrutura de inovação, têm atraído investimentos e talentos”, afirma José Eduardo Fiates, diretor de Inovação e Competitividade da FIESC.

“Nesse contexto, Santa Catarina é um fenômeno à parte, pois apresenta resultados excepcionais”, diz o executivo. Um estudo da Secretaria de Planejamento de Santa Catarina emoldura a constatação. Entre 2002 e 2022 o PIB nominal do Estado subiu 756%, registrando o segundo maior patamar de crescimento na participação do PIB dentre todas as unidades federativas.

A plataforma de investimentos capixaba Apex Partners, especializada em mercados regionais, denominou os estados que se destacaram nas últimas duas décadas de “Onças Brasileiras”, em alusão aos Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura, que se notabilizaram pelo fabuloso desenvolvimento econômico e social décadas atrás. Por aqui, foram as onças que puxaram o crescimento econômico recente do País. Enquanto em 2002 a economia dos mercados regionais correspondia a 53% do PIB brasileiro, em 2021 a participação havia saltado para 60%. Para a empresa, é neles que se encontram algumas das melhores oportunidades de investimentos do País, porém muitas vezes fora do radar dos maiores investidores.

O conjunto das onças compartilha uma série de características. São estados com crescimento econômico acima da média, atraentes para investimentos devido à infraestrutura, potencial de mercado e localização estratégica, possuem setores econômicos dinâmicos, fundamentais para o desenvolvimento do Brasil, e têm economias mais abertas.

“Além disso, as onças possuem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) alto e os governos estaduais são bem avaliados, ou seja, a população está satisfeita ou um pouco mais satisfeita do que a média com os serviços de saúde, segurança e educação oferecidos nos estados”, diz Paula Orrico, diretora da Futura Inteligência, empresa do Grupo Apex que realizou uma pesquisa nacional com 9.900 entrevistas para chegar a essas conclusões. “Como possuem equilíbrio fiscal, os estados conseguem fazer investimentos nessas áreas e também em infraestrutura, o que somado a outros fatores torna os ambientes propícios para se fazer negócios”, afirma a executiva.

Os indicadores de Santa Catarina se destacam. O IDH é o mais alto entre as onças, e a qualidade de vida e a oferta de empregos têm atraído uma quantidade enorme de migrantes brasileiros e estrangeiros. Os dados do Censo de 2022 demonstraram que o Estado cresceu 22% em comparação a 2010, o que configurou um ritmo 3,3 vezes superior à média nacional. Estimativas mais recentes do IBGE apontam para uma população atual de 8,2 milhões de habitantes – quase 2 milhões de moradores a mais do que em 2010.

Praticamente todos conseguem se colocar profissionalmente, pois há forte demanda por trabalhadores e a taxa de desemprego é a menor do Brasil. No segundo trimestre de 2025 o IBGE registrou 2,2% em Santa Catarina, a mais baixa desde o início da série histórica, em 2012. A taxa de informalidade também é a menor. A distribuição de renda, medida pelo Índice de Gini, é a mais equilibrada dentre todos os estados.

Uma confluência de fatores e características levou a esses resultados, como o forte crescimento da cadeia logística – importações, exportações e movimentação interna de cargas – nas últimas décadas, sustentada por uma estrutura portuária notável e incentivos fiscais duradouros. Mais relevante ainda é o protagonismo da indústria. O setor emprega 34% dos trabalhadores do Estado, enquanto a média nacional é de 21%. De acordo com o IBGE, a indústria catarinense foi a que mais cresceu em 2024 (7,7% sobre 2023) e também no primeiro semestre deste ano: 4,4%, três vezes mais do que a média nacional.

Dinamismo | Os resultados não surgem por acaso. Conforme o Índice de Competitividade Industrial (ICI), que considera a capacidade de produção e exportação de bens manufaturados e o aprofundamento e sofisticação tecnológica industrial, a indústria catarinense é a mais competitiva do Brasil. As exportações são as de maior valor agregado, considerando a relação US$/tonelada. “A indústria é o principal motor do desenvolvimento catarinense, garantindo crescimento acima da média nacional”, diz José Eduardo Fiates. “O dinamismo se deve à combinação entre indústria exportadora, diversidade produtiva e vocação empreendedora, com um empresariado reconhecido pela capacidade de inovação.”

Fiates destaca também o fato de que cidades como Joinville, Blumenau e Florianópolis consolidaram polos industriais e tecnológicos que conectam universidades e setor produtivo. Além disso, a qualidade de vida exerce papel estratégico: atrai e retém talentos, especialmente na área de tecnologia. Esse fator também é destacado por Renato Lacerda, presidente da Invest SC, empresa do Governo responsável por gerar investimentos no Estado. “Santa Catarina é o estado mais seguro do Brasil há dez anos, o que reduz custos para empresas e oferece qualidade de vida para expatriados e famílias”, afirma o executivo, para quem Santa Catarina vem se consolidando como um dos principais destinos de investimentos no País.

“O que mais chama atenção de investidores externos é a diferença de Santa Catarina em relação ao estereótipo do Brasil. Temos indicadores sociais e econômicos mais equilibrados, segurança pública e infraestrutura que fazem o investidor se enxergar no ecossistema catarinense”, destaca. Em pouco mais de um ano de operação com uma nova estrutura, a Invest SC montou uma carteira de 79 projetos que somam R$ 26 bilhões em investimentos potenciais e podem gerar 20 mil empregos diretos. Metade dos aportes vem do exterior, com forte participação de empresas chinesas, como é o caso da instalação da indústria chinesa TP-Link em Joinville no ano passado. A Invest SC está implantando escritórios regionais na China e nos Estados Unidos, para prospecção ativa de negócios.

O empresário Cláudio Grando, fundador da Audaces, de Florianópolis, desenvolvedora de equipamentos de automação e softwares para confecções, conhece a fundo o mercado de Santa Catarina e faz negócios em todo o mundo. Sua empresa possui fábrica na Itália, vai abrir uma operação na Índia e vende para mais de 100 países. Para ele, um importante diferencial de Santa Catarina é o de receber bem quem chega para fazer negócios e empreender. “Somos um povo extremamente acolhedor e quem vem pode se inserir rapidamente na comunidade. É muito diferente do que acontece em outros países, onde é muito mais difícil conquistar a confiança das pessoas e pode levar anos para você conseguir se inserir”, conta.

Natural de São José do Cedro, no Extremo Oeste catarinense, Grando também destaca a tradição do associativismo empresarial como um fator para o sucesso. “Gostamos de fazer as coisas em comunidade, sabemos trabalhar dessa maneira, e quando vamos para fora isso nos ajuda a estabelecer boas relações”, afirma.

A trajetória da Audaces é simbólica da vocação catarinense para a inovação e a tecnologia. Criada em 1992 por dois formandos do curso de Ciências da Computação da UFSC, logo se tornou uma startup que foi abrigada pela incubadora Celta. A Audaces tornou-se líder no segmento de tecnologia para criação e desenvolvimento de moda na América Latina, e recentemente inaugurou uma nova sede em Florianópolis que funciona como um hub de tecnologia e inovação para conectar a cadeia produtiva da moda. 

Alfaiataria | Santa Catarina é importante para as ambições da Apex Partners, a criadora do conceito das Onças Brasileiras. A empresa pretende se tornar o principal banco de investimentos regional do Brasil até 2030, descentralizando serviços tradicionalmente concentrados em São Paulo. Vem expandindo sua presença em Santa Catarina com escritórios em Florianópolis, Joinville, Blumenau e Joaçaba, além de planejar uma unidade em Balneário Camboriú. Seu diferencial está em oferecer soluções financeiras customizadas, distantes dos produtos “de prateleira” dos grandes bancos.

“Nosso modelo é como uma alfaiataria: adaptamos cada solução à realidade do cliente, com autonomia de decisão na própria região”, diz João Vitor Carminatti, diretor regional para Santa Catarina da Apex. A empresa atende principalmente grandes empresas e famílias, evitando o varejo e investindo em poucos clientes, mas estratégicos. Uma das apostas é criar alternativas para que investidores locais, como family offices ligadas a grandes indústrias, apliquem seus recursos no próprio Estado, fomentando negócios na região. 

Diante do boom imobiliário de Santa Catarina (65% do Valor Geral de Vendas da Região Sul de empreendimentos lançados entre março de 2024 e março de 2025), o setor de real state é a porta de entrada da empresa no Estado. O primeiro projeto é um edifício de 33 andares em Itajaí, em parceria com a construtora Aikon. O investimento supera R$ 100 milhões, com participação de capital da própria Apex e de investidores locais. No total, a Apex já investiu R$ 2,5 bilhões em empreendimentos imobiliários no Brasil. “Nosso modelo é sempre atuar em sociedade com empresas regionais, compartilhando riscos e auditando os empreendimentos”, diz Carminatti.

As Onças Brasileiras devem a Santa Catarina. Em recente artigo publicado na plataforma da revista Exame, intitulado Decifrando o enigma de Santa Catarina, estado inspirado nos EUA e orientado à indústria, o ex-ministro do Turismo Vinícius Lummertz, natural de Rio do Sul, chamou a atenção por destacar que a prosperidade do Estado não é uma anomalia, mas fruto de uma construção deliberada: a ação de Dom Pedro II para a construção de um projeto alternativo de país: “A ocupação do território com imigrantes europeus, livres da herança colonial escravista, constituiu uma tentativa concreta de implantar um novo modelo de civilização nos trópicos”, escreve o ex-ministro.

Para Lummertz, Santa Catarina teria sido o núcleo mais expressivo dessa construção, onde a miscigenação se deu de forma distinta, sem o peso da escravidão nas estruturas produtivas, com base nas pequenas propriedades e empresas, organização em cooperativas e modelo de produção descentralizado e dinâmico. E esse modelo foi replicado modernamente, na ocupação das fronteiras agrícolas através da migração, que forjou o que ele chama de Novíssimo Brasil, em que se destaca o agronegócio. “Agricultores e empresários rurais vindos de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná não levaram apenas tratores e sementes, mas também um modo de vida (...) O DNA produtivo da nova fronteira agrícola brasileira é essencialmente sulista – fruto das colônias idealizadas por Dom Pedro II.”

Por essa lógica, dá para dizer que Santa Catarina é a mãe das Onças Brasileiras.

Tarifaço testa resiliência catarinense

Setores da indústria sofrem duro golpe, mas Estado deverá continuar crescendo.

Santa Catarina possui um dos maiores maciços florestais de pinus do mundo e o maior número de indústrias de fabricação de produtos de madeira do Brasil. É grande exportador de móveis e portas de madeira, molduras, compensados, painéis, celulose e papel. O destino da maior parte das exportações do setor são os Estados Unidos. Em função do tarifaço as encomendas começaram a cair em julho, e em agosto uma série de medidas de apoio dos governos Federal e Estadual estava em prática, assim como ações da FIESC para auxiliar os exportadores.

O caso deverá pôr à prova algumas características da economia estadual. Uma delas é o poder da diversidade para mitigar crises sistêmicas. A indústria catarinense é a mais diversificada do País, de acordo com a CNI, e quando um setor não vai bem outros podem compensar. Isso não resolve o impacto na cadeia da madeira, mas um estudo da FIESC estima redução de 0,22% do PIB em função do tarifaço, no cenário mais provável. O que reduzirá o ritmo de crescimento catarinense, sem, entretanto, gerar uma recessão. A capacidade de vencer crises também será colocada à prova. “Santa Catarina é reconhecida por sua força produtiva e capacidade de superação. Estamos trabalhando para isso”, afirma Gilberto Seleme, presidente da FIESC.

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