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Uma colaboração entre uma empresa de biotecnologia, a BiomeHub, e o Instituto SENAI de Inovação (ISI) em Sistemas Embarcados, ambos instalados no Sapiens Parque, em Florianópolis, deu origem a uma plataforma que permite diagnosticar duas doenças genéticas degenerativas: a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) e a Atrofia Muscular Espinhal (AME). Batizada de Projeto Gene, a parceria teve investimentos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio de um edital para desenvolver soluções voltadas a pessoas que sofrem de problemas de mobilidade.
A tecnologia ainda precisa cumprir algumas etapas antes de ser lançada como produto. Ela será avaliada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e deve passar por uma fase final de desenvolvimento. “Faltam ajustes na plataforma, de modo a melhorar a experiência do usuário, que vamos fazer agora”, afirma o biólogo e geneticista Luiz Felipe Valter de Oliveira, CEO da BiomeHub. O trabalho conjunto das equipes de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da companhia e do ISI criou um sistema capaz de receber e rastrear grandes volumes de dados brutos de sequenciamento genético, gerando, no final do processo, um laudo laboratorial sobre a presença ou não de mutações ou alterações genéticas relacionadas às duas enfermidades.
Supercomputador processa grandes volumes de informação, como dados genéticos - Foto: Arquivo FIESC
Protocolos | O software segue protocolos consolidados para transferência de dados em saúde e garante o respeito aos princípios da Lei Geral de Proteção de Dados. O objetivo da BiomeHub não é realizar ela própria os exames, mas comercializar kits de diagnóstico para grandes laboratórios, como Fleury, Dasa e Hospital Albert Einstein, que contenham licenças do software para avaliar os dados sequenciados e produzir o laudo. A ideia é que, no futuro, a tecnologia também possa ser disponibilizada para o Sistema Único de Saúde e exportada para outros países, principalmente da América Latina, já que os laudos podem ser emitidos em português, inglês e espanhol.
O diagnóstico precoce das duas doenças degenerativas é fundamental para oferecer terapias adequadas e diminuir o sofrimento dos pacientes. A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) atinge exclusivamente homens e afeta um a cada 5 mil meninos nascidos vivos. Um gene defeituoso ligado ao cromossomo X faz com que uma proteína essencial para a integridade dos músculos não seja produzida pelo organismo. Embora os portadores da doença nasçam sem sintomas aparentes, aos 12 anos os garotos param de andar. A degeneração da estrutura esquelética progride a ponto de gerar problemas cardíacos e respiratórios. Embora não exista cura, o tratamento precoce com corticoides ajuda a diminuir o processo inflamatório que atinge o músculo.
Já a Atrofia Muscular Espinhal (AME), que afeta uma a cada 10 mil pessoas no mundo, interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína, a SMN, essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários como respirar, engolir e se mover. O diagnóstico precoce, no caso da AME, consegue bloquear o progresso da moléstia em boa parte das vítimas. Um medicamento de alto custo, a nusinersena, tem o condão de interromper a evolução para os quadros mais graves, atuando na produção da proteína a qual o paciente precisa. Conforme informa a bula do medicamento, isso reduz a perda das células nervosas motoras, melhorando a força e o tônus muscular.
“Mas o tratamento, para ser efetivo, precisa ser realizado no início das manifestações. Muitas pessoas perdem essa janela de oportunidade por falta de diagnóstico. Quando ela está instalada, as terapias disponíveis não recuperam perdas já estabelecidas”, informa Luiz Felipe de Oliveira, da BiomeHub. “O diagnóstico precoce é fundamental e disso vem o impacto social e econômico da nossa plataforma.”
A parceria se firmou sobre interesses convergentes. A BiomeHub aproximou-se do SENAI durante a pandemia. Spin off da companhia de biotecnologia Neoprospecta criada em 2019, a empresa é especializada em exames de microbioma, análises moleculares de microrganismos que habitam, por exemplo, a boca ou o intestino, capazes de fornecer informações úteis para tratamentos personalizados de determinadas doenças.
Durante a emergência sanitária, a BiomeHub se afastou um pouco de sua vocação para a microgenômica e estabeleceu cooperação com o SENAI para fornecer soluções de diagnóstico em Covid-19 que permitissem testar continuamente funcionários de empresas e viabilizar as operações de indústrias de forma segura. Também participou com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Fundação de Amparo à Pesquisa catarinense do sequenciamento das variedades do novo Coronavírus em circulação no Estado para detectar o surgimento de mutações – mais de 3 mil genomas foram sequenciados em seis meses.
Em paralelo, consolidava-se o interesse do ISI Sistemas Embarcados em se dedicar a um novo filão de desenvolvimento tecnológico, a bioinformática, aproveitando investimentos feitos durante a pandemia em um laboratório de biologia molecular no Instituto SENAI sediado em Chapecó e na aquisição de um computador de alta performance pela FIESC, que permite trabalhar com volumes muito grandes de informação, como dados genéticos. “Queríamos estar presentes nesta área, que converge com áreas de atuação do Instituto que dependem de infraestrutura computacional robusta, como inteligência artificial, visão computacional, machine learning e ciência de dados”, diz Maurício Cappra Pauletti, gerente executivo de Inovação e Tecnologia do SENAI/SC.
Laboratório de biologia molecular do SENAI, em Chapecó: novo nicho tecnológico - Foto: Mauro Goulart/FIESC
Nova jornada | O surgimento de uma chamada da Finep sobre tecnologias assistivas criou a oportunidade de apresentar um projeto conjunto, capaz de criar uma nova aplicação para a expertise em diagnóstico da BiomeHub. “Vimos a chance de obter um know-how tecnológico que nós não dominávamos e expandir nosso portfólio de produtos de base tecnológica”, afirma Luiz Felipe de Oliveira. As equipes da P&D da empresa e do Instituto trabalharam de forma bastante integrada.
“A BiomeHub tinha muito interesse no projeto, sabia o que queria, entendia o que a gente estava fazendo e sua equipe era muito motivada”, lembra o cientista da computação e bioinformata Rômulo Moraes, que liderou a equipe do ISI envolvida no projeto. Enquanto a parte de bancada, desde o recebimento de amostras até o processamento do sequenciamento, coube ao time da empresa, o desenvolvimento da plataforma para receber esses dados e o tratamento dos dados ficaram com o ISI. “A experiência com esse projeto e o conhecimento adquirido em bioinformática abriram caminho para que submetêssemos novos projetos na área e para prospectar outros clientes. Estamos construindo uma nova jornada na nossa atuação”, afirma Leonardo Bernardo de Oliveira, gerente de Operações de Inovação do SENAI/SC.