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O governo quer o dinheiro, e não a expertise das entidades do Sistema S

Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, o professor de Relações do Trabalho da USP, José Pastore, afirma que além de não garantir o sucesso do projeto governamental, a perda de R$ 6 bilhões anuais complicará as entidades na missão de formar capital humano em grande escala

Florianópolis, 30.7.2021 – Mais uma vez trava-se um embate entre o governo e o chamado Sistema S. O governo quer usar 30% dos recursos das suas entidades (R$ 6 bilhões anuais) para pagar bolsas de estudo para jovens a serem treinados em serviço, nas empresas. As entidades querem ajudar o governo, oferecendo o que elas vêm fazendo ao longo de 80 anos: transmitir conhecimentos e valores humanos. Mas o governo quer o dinheiro, e não a expertise. O que dizer?

O projeto do governo tem mérito. O domínio de uma profissão é essencial para o primeiro emprego. Mas treinar em serviço é tarefa complexa. A simples transferência de recursos não garante a transferência de habilidades. Além da boa vontade, os gestores precisam saber como ensinar e como avaliar os jovens – tarefas que as entidades do Sistema S conhecem de cor e salteado. Por isso, penso que a parceria mais produtiva seria a de atrelar aquelas entidades em treinamentos presenciais e online para os próprios jovens, e apoiar didaticamente os gestores, ajustando os treinamentos à realidade de cada momento, porque o alvo é móvel.

Além de não garantir o sucesso do projeto governamental, a perda de R$ 6 bilhões anuais complicará severamente a vida daquelas entidades na sua missão de formar capital humano em grande escala. No conceito antigo, o capital humano se referia apenas ao resultado do número de anos cursados nas escolas. Hoje, o Índice de Capital Humano, criado pelo Banco Mundial, inclui educação, saúde, cultura, esporte e outras atividades que contam muito para a formação das pessoas e para a sua produtividade. O Brasil está mal nesta foto: ocupa o 81.º lugar em 157 países analisados, atrás de Sri Lanka, Irã, Azerbaijão, Malásia e outras nações pouco desenvolvidas.

Ao longo do tempo, as entidades do Sistema S aprenderam a trabalhar os seres humanos desde o nascimento até as idades avançadas por meio de programas de pré-natal, puericultura, alimentação, esporte, lazer, cultura e, sobretudo, ensino profissional em vários níveis. Para tanto, utilizam uma enorme rede nacional de centros de promoção social e escolas profissionais, ancorados em pesados investimentos em equipamentos físicos e recursos humanos, atendendo milhões de famílias. Comprometer esse trabalho seria conspirar contra o Brasil que está dando certo. É pouco provável que a formação do capital humano seria alcançada por um treinamento em serviço sem orientação. Para aprender, não basta receber uma bolsa. Mais importante é receber uma educação de boa qualidade.

O que diferencia os bons sistemas de formação profissional no mundo são a “pontaria” sobre o que ensinar, a didática ajustada e os mecanismos rápidos de correção de rumos. O ensino profissional é complexo: demanda mestres experientes e devotados, material didático adequado, muita disciplina, equipamentos atualizados e o cultivo de valores sociais que conduzem à ética do trabalho.

Na minha longa carreira de pesquisador visitei centenas de escolas do Senai e Senac. Nunca vi um aluno terminar o dia sem antes arrumar a bancada e deixar tudo em ordem. Nunca vi um aluno ofendendo professores ou funcionários. Nunca vi uma parede pichada ou um banheiro sem manutenção. Nunca vi um gramado abandonado. Nunca vi desprezo pelo trabalho. Nunca vi promoção sem mérito. Zelo, disciplina, respeito e amor pelo bem feito são valores que contam muito na formação e na empregabilidade dos jovens. Centenas de pesquisas comprovam isso. Convém repensar o assunto.

*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo, membro da Academia Paulista de Letras, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP.

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