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O caminhão acelerou a cabotagem

Navegação entre portos do País não está sendo destravada por novos marcos legais como era esperado, mas pelo empenho dos armadores em oferecer soluções de logística integrada para a indústria

Foto: Shutterstock

A navegação de cabotagem – realizada entre portos do Brasil – é saudada há tempos como uma saída para os nós logísticos que atrasam a economia do País, que anda majoritariamente sobre as rodas dos caminhões. O vasto litoral navegável, a economia de combustível, as baixas emissões e a segurança das cargas são apontados como fatores positivos do modal que é fustigado, por outro lado, por excesso de burocracia, alta incidência de impostos e custos trabalhistas elevados.

A aprovação do novo marco legal para o setor, conhecido como programa BR do Mar, tornado lei no início do ano, deverá reduzir a burocracia e proporcionar o aumento da concorrência quando for regulamentado, mas não deverá reduzir substancialmente os custos operacionais, conforme era expectativa do setor.

No entanto, mesmo sem contar com grandes avanços regulatórios até então, o transporte doméstico marítimo de mercadorias aumenta de forma consistente. De acordo com a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), no último decênio a movimentação de contêineres vem crescendo a uma razão média de 10% ao ano, à exceção de 2020, devido à pandemia, mas logo depois sendo retomada com força extra (veja o gráfico).

Embarques domésticos
Evolução da navegação de cabotagem no Brasil em contêiners
Ano mil TEUs*
2011 423,8
2012 545,6
2013 695,9
2014 770,4
2015 865,9
2016 865,4
2017 961,4
2018 1.074,7
2019 1.119,9
2020 1.072,9
2021 1.222,1

(*)Twenty feet equivalent unit (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) - Fonte: ABAC

No Porto Itapoá, campeão da modalidade em Santa Catarina, a movimentação de cabotagem com origem no porto – essencialmente cargas industriais – cresceu mais de 60% entre janeiro e julho de 2022, na comparação com igual período do ano passado, de acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Na média, os embarques com origem nos portos catarinenses cresceram cerca de 14% no período.

O Estado, aliás, destaca-se na modalidade, sendo o terceiro com maior movimentação de contêineres e detendo 13% do mercado nacional, de acordo com a FIESC. A operação mais conhecida é a realizada pela ArcelorMittal em São Francisco do Sul há quase 20 anos. A companhia recebe matérias-primas da unidade de Tubarão (ES) por cabotagem, para processamento em Santa Catarina. Parte das mercadorias despachadas para a Região Nordeste também segue em navios.

O destravamento da cabotagem no Brasil nos últimos anos deve-se em grande parte aos esforços das empresas transportadoras, que desenvolvem novos serviços para os clientes com ênfase na chamada logística integrada. Neste conceito, a navegação de cabotagem pode corresponder a apenas uma etapa do transporte chamado porta a porta, situação em que o operador logístico se encarrega de buscar a mercadoria na indústria e entregá-la no destino final – para clientes ou centros de distribuição – utilizando dois ou mais modais.

Calcula-se no setor que a cabotagem com origem no Sul para o Nordeste, por exemplo, integrada ao transporte rodoviário de pequenas distâncias nas pontas, pode representar custos 30% menores na comparação com o transporte rodoviário em todo o trajeto. Para o cliente, que assina um único contrato com o operador logístico, além do custo mais baixo ele tem a vantagem de nem enxergar a burocracia que envolve os diversos modais – tudo é assumido pelo operador. “É isso que impulsiona a cabotagem. Mais de 90% do volume transportado pelos navios está no contexto da logística integrada, combinado a outros modais”, diz Luís Fernando Resano, diretor executivo da ABAC.

Integração de mar e estrada

  • 30%

    Redução de custos

  • 80%

    Redução de emissões

Obs.: Na comparação com transporte de cargas apenas por via rodoviária, entre o Sul e o Nordeste

Nem sempre foi assim. A Aliança Navegação e Logística, empresa de origem brasileira atualmente pertencente ao grupo dinamarquês Maersk, começou oferecendo simples serviços de cabotagem – o transporte porto a porto. Não demorou a perceber que a “solução” muitas vezes implicava em dores de cabeça para os clientes, que tinham que gerenciar ou contratar separadamente as outras etapas do transporte. “Mudamos o modelo para ‘porta a porta’ e o negócio deslanchou”, conta Marcus Voloch, diretor-geral da Aliança. “Nosso negócio é fazer o transporte do ponto A ao ponto B, e acontece que no meio do caminho tem um navio.”

A frota da Aliança é de oito navios de contêineres para a cabotagem, e mais dois deverão ser incorporados até 2024. A frota própria de caminhões está saltando de 60 para 180 unidades, mas eles respondem por apenas uma fração dos 300 mil transportes terrestres que a Aliança realiza por ano. A maior parte do transporte não marítimo é efetuada por parceiros, tanto no modal rodoviário quanto no ferroviário – a companhia pretende começar a atuar em breve também no aeroviário.

Navio da Aliança: frota deverá crescer para sustentar aumento nos negócios - Foto: Divulgação

Em Santa Catarina, a Aliança detém 30% do Porto Itapoá, que é estratégico para suas operações. A 4 quilômetros do porto a companhia mantém a Aliança Transporte Multimodal (ATM), terminal retroportuário destinado à integração logística, inaugurado em 2013. A sinergia com a Maersk, que faz navegação de longo curso (internacional), facilita diversas operações. Algumas das indústrias que importam cobre do Chile por Itapoá e o beneficiam em Joinville, por exemplo, fazem a expedição por cabotagem.

Recentemente a Aliança iniciou as operações de um armazém logístico em Itajaí, utilizado para operações de cross docking, que consiste na retirada de cargas de contêineres e o fracionamento em caminhões para sequenciamento das entregas. “Armazéns como esse, localizados em diversos locais do País, podem ser usados por empresas que precisam transferir a produção de um estado para outro, evitando a necessidade de construção de novas fábricas”, explica Voloch.

A Aliança mantém duas saídas regulares de cabotagem em Santa Catarina semanalmente. Uma delas no Porto de Imbituba, no Sul do Estado, com foco no transporte de arroz produzido no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina para a Região Nordeste – o volume aí é de cerca de 1 milhão de toneladas por ano. A linha que opera em Itapoá atende a clientes industriais não só do Estado, mas também do Paraná – boa parte da produção paranaense de frangos com destino ao Nordeste segue por cabotagem a partir de Itapoá. Diante da demanda deste segmento a Aliança decidiu construir um armazém frigorificado em Santa Catarina – está em processo de definição do local.

O setor de autopeças também está no foco da companhia. Baterias produzidas na Região Nordeste já “descem” por cabotagem até Itapoá, para abastecer as diversas montadoras localizadas na Grande Curitiba. O caminho inverso, entretanto, não é trilhado. As indústrias catarinenses de autopeças que fornecem ao complexo automotivo da Stellantis em Pernambuco, por exemplo, são dependentes do transporte rodoviário.

Para mudar o cenário é preciso encontrar soluções em conjunto com a indústria, pois a inclusão da cabotagem até Pernambuco torna o transporte mais lento em dois ou três dias. Em casos como esse, segundo Voloch, a atuação como operador logístico multimodal – e não apenas de cabotagem – permite que soluções sejam encontradas. “Nosso objetivo é sermos mais estratégicos e menos transacionais. Isso tem tudo a ver com o perfil da indústria de Santa Catarina, que possui cargas de alto valor agregado”, diz o executivo.

Voloch: armazém em Itajaí e projeto de novo armazém frigorificado em Santa Catarina - Foto: Divulgação

Fracionadas | A Log-In Logística Intermodal é outra empresa de navegação de cabotagem na origem que se tornou uma gigante da logística integrada. Prova disso é a recente aquisição da Tecmar, uma transportadora de grande porte especializada em cargas fracionadas, com frota de mais de mil caminhões próprios e 30 filiais espalhadas pelo Brasil – sendo duas em Santa Catarina: Blumenau e Joinville. Há diversos clientes da Tecmar em Santa Catarina que levam suas mercadorias para o Nordeste por caminhões. “Em muitos casos poderemos incorporar a cabotagem no trajeto, utilizando os caminhões para a coleta e a distribuição de cargas”, informa Felipe Gurgel, diretor comercial da empresa que opera com sete navios na cabotagem e está com mais dois em construção em estaleiros chineses.

O reforço terrestre e marítimo dará ainda mais impulso às operações no Estado, onde a movimentação de contêineres pela empresa cresceu 22% nos primeiros oito meses deste ano, em comparação com o mesmo período de 2021. Os ganhos não se limitarão aos bolsos dos clientes. Um estudo realizado pela companhia concluiu que a troca do caminhão pela cabotagem para levar uma carga de Blumenau até Recife reduz as emissões em 80%. “Para empresas que adotam práticas ESG a cabotagem se torna uma solução ainda mais atrativa”, diz Gurgel.

Gurgel, da Log-In: movimentação de contêineres cresceu 22% em Santa Catarina - Foto: Divulgação

Zona Franca | Controlada desde o início do ano pela gigante de navegação MSC, a Log-In mantém dois serviços de cabotagem envolvendo Santa Catarina. Um deles é uma linha para Manaus, que passa semanalmente pelo Porto Itapoá, levando insumos para a indústria da Zona Franca e trazendo mercadorias. O outro serviço, chamado Atlântico Sul, funciona entre Buenos Aires e o Porto de Pecém, no Ceará (o trecho internacional não se enquadra no conceito de cabotagem). Nessa linha a escala em Itajaí é fundamental.

Movimentação de contêineres da Log-In - Foto: Divulgação

A Log-In opera na cidade um centro de distribuição da Dow Química, que foi construído ali graças aos incentivos fiscais oferecidos pelo Estado. Na operação, os polímeros fabricados pela multinacional na Argentina chegam em contêineres a Itajaí e dali são distribuídos. O espaço aberto no navio é preenchido por cargas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul com destino ao Nordeste. Um dos grandes embarcadores é a Gomes da Costa, que mantém em Itajaí a maior fábrica de sardinhas em lata do mundo. Atualmente, cerca de 25% do volume produzido utiliza a cabotagem para a distribuição.

“Nos últimos dois anos desenvolvemos projetos que permitiram o crescimento de 30% na utilização do modal e temos a expectativa de crescermos pelo menos mais 10% nos próximos dois anos”, afirma Roberto Teixeira Gomes, gerente de Logística da Gomes da Costa. Além da redução dos custos de frete, o executivo destaca como vantagem a redução do atrito nas embalagens dos produtos, quando comparado ao transporte rodoviário de longas distâncias.

Soluções logísticas envolvendo a cabotagem funcionam cada vez melhor para muitas indústrias. A Seara, gigante da agroindústria que concentra grande parte da produção de frangos e suínos em Santa Catarina, desde 2015 vem aumentando o volume de transporte por cabotagem do Sul para o Nordeste e o Norte, atualmente chegando a 25% do total, utilizando os portos de Itajaí e Itapoá. Os embarques envolvem produtos in natura, industrializados e também matérias-primas para unidades da empresa de outras regiões.

Considerando que produtos co­mo o frango in natura têm baixo valor agregado, a diferença de custo é atrativa, além de aspectos como segurança e sustentabilidade. Por outro lado, os produtos têm prazo de validade curto, e o tempo extra do transporte é um problema. A sofisticação dos serviços permitiu avanços. “No início apenas transferíamos a produção para centros de distribuição. Depois passamos a trabalhar junto com a área comercial e a fazer vendas diretas utilizando a cabotagem integrada a outros modais”, diz Miguel Anzolin, gerente nacional de Transportes da Seara Alimentos.

Fábrica da Gomes da Costa em Itajaí: projeto para avançar npo uso da cabotagem - Foto: Divulgação

No topo da agenda

Considerada única alternativa rápida para desconcentração da matriz de transportes, cabotagem é defendida pela FIESC.

Foto: Divulgação

Otema navegação de cabotagem integra a agenda da FIESC há mais de 20 anos. A Federação defende que a modalidade é uma solução economicamente viável para o transporte de carga e difunde a cabotagem por meio da realização de estudos, eventos e cartilhas educativas para as indústrias. Com a participação da FIESC, o tema foi incorporado como prioridade na agenda da Confederação Nacional da Indústria, que classificou o projeto de lei da BR do Mar, novo marco regulatório da cabotagem, como prioridade para o setor, fazendo a defesa do texto original proposto pelo Poder Executivo.

“Com a consolidação e regulamentação do programa BR do Mar teremos uma verdadeira revolução na logística brasileira, pelo aumento da concorrência, diminuição da burocracia e estímulo ao modal, dentre outros aspectos”, afirma Egídio Martorano, gerente para Assuntos de Transporte, Logística, Meio Ambiente e Sustentabilidade da FIESC. Uma das flexibilizações da nova regulamentação é a permissão para que navios com bandeiras de outros países possam atuar na cabotagem.

No curto prazo, a cabotagem é considerada a única alternativa para diminuir a concentração do modal rodoviário na matriz de transportes, inclusive nas longas distâncias. Por isso o modal é essencial em um planejamento sistêmico e integrado da infraestrutura de transportes catarinense que considere a intermodalidade e a movimentação de cargas de alto valor agregado, o que é defendido pela FIESC.

A agenda da Federação também contempla itens como a eficiência dos corredores logísticos terrestres de orientação leste-oeste e norte-sul e acessos marítimos e terrestres aos portos. “Considerando esses conceitos, é necessário atualizar urgentemente o Plano Estadual de Logística (PELT) com a participação do setor produtivo”, diz Martorano.

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