BR-101 em Itajaí - Foto: Leo Laps
Com mais da metade dos seus 41 anos dirigindo um caminhão, Janderson Maçaneiro se reveza entre fretes de madeiras, cargas frigorificadas, maquinários e “tudo o que se possa imaginar” para os cinco portos do litoral catarinense. Patrola, como é conhecido entre os motoristas, é uma liderança da categoria e entende como poucos os desafios e dificuldades de quem precisa lidar diariamente com rodovias saturadas. Para ele, o tempo perdido em engarrafamentos é um dos principais inimigos dos caminhoneiros.
“A vida financeira dos motoristas de caminhão funciona como o tique-taque do relógio. Todo caminhoneiro tem um custo fixo mensal e cada dia de trabalho serve para, no mínimo, tentar cobrir esse custo. Quando ele perde tempo na viagem por causa de filas e acidentes, quando atrasa para um agendamento e precisa esperar o dia seguinte, vai chegar o fim do mês e não vai dar para vencer esse custo. Por isso é tão importante para nós que exista uma infraestrutura logística com fluidez, que ande de verdade.”
A BR-101 é onde Maçaneiro passa a maior parte do seu tempo na estrada. Para ele a rodovia federal já está em colapso, com gargalos enormes em Joinville, região de Itajaí e Grande Florianópolis. Patrola explica que seu Scania 113 consome um litro de diesel para cada 800 metros rodados em velocidade baixa, quase parando. “Só isso às vezes gera um prejuízo de R$ 300 em um único dia, e é algo que se repete rotineiramente. É um prejuízo não somente do motorista, mas do Estado, que vê seu custo aumentar”, argumenta.
As conexões da BR-101 com os portos catarinenses também são complicadas. Um exemplo é a SC-416 que dá acesso ao moderno Porto Itapoá e que já dá sinais de degradação. “É uma rodovia estreita, mal sinalizada e perigosa. Pelo menos uma vez por mês um caminhão tomba ali, e acidentes são rotina”, afirma Maçaneiro.
Itapoá é uma das cidades catarinenses de maior crescimento dos últimos anos em função do enorme sucesso do seu porto, um dos cinco maiores do País. Navegantes também cresceu exponencialmente em função do Complexo Portuário do Rio Itajaí. Ali, o terminal privado Portonave foi inaugurado em 2007, um ano antes da BR-101 ser concessionada. Já o Porto Itapoá iniciou as atividades em 2011. Desde então a movimentação de contêineres cresceu mais de 100% em Santa Catarina, que passou a movimentar mais dessas cargas do que a Argentina inteira.
Os dois projetos e o crescimento dos outros três portos mais antigos, assim como muitos outros empreendimentos que brotaram ao longo do litoral Norte, exigiram da rodovia muito mais do que os termos do contrato de concessão haviam previsto. O salto dos negócios no entorno pode ser medido pelo aumento da arrecadação de tributos federais na região de influência da BR-101: 132% entre 2010 e 2018, de acordo com levantamento da FIESC. A frota de veículos disparou e se projeta que vai dobrar nos próximos oito anos.
Maçaneiro: filas dão prejuízo diário de até R$ 300 a caminhoneiros - Foto: Leo Laps
Soluções | Este contexto, associado a altos custos logísticos – são 30% mais caros do que deveriam, de acordo com estudo da Fetrancesc – e ao elevado número de acidentes, colocou a BR-101 como primeira rodovia a ser destacada na campanha SC Não Pode Parar, da FIESC. As soluções existem, mas não são simples.
“Cada obra feita na rodovia atrai ainda mais investimentos para o entorno e mais veículos, tornando necessárias novas intervenções”, afirma Antonio Cesar Ribas Sass, diretor de operações da Arteris Litoral Sul, administradora do trecho Norte da BR-101 entre Palhoça e a divisa com o Paraná, e também o trecho da BR-376 que vai daí até Curitiba. “Além disso, a rodovia não suporta uma grande quantidade de obras ao mesmo tempo”, diz o executivo.
O crescimento do tráfego convive com as limitações do modelo de concessão adotado. Os chamados contratos de segunda geração, realizados na primeira década dos anos 2000, focaram em tarifas baixas, em oposição às concessões feitas nos anos 1990, que custaram caro aos usuários. As exigências de despesas das concessionárias, entretanto, foram menores que nas concessões da primeira etapa. No caso do trecho catarinense, as obras previstas originalmente no Plano de Exploração da Rodovia (PER) estão muito aquém das atuais necessidades.
Boom econômico | |||
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Crescimento observado no entorno da BR-101 e projeções | |||
2010 | 2019 | 2029 | |
Frota de veículos (milhões) | 1,7 | 2,6 | 4,5 |
Tributos federais (R$ bilhões) | 17,4 | 40,4* | 194,6 |
ICMS (R$ bilhões) | 5,9 | 13,0 | 34,6 |
Corrente de comércio (US$ bilhões FOB) | 15,3 | 20,9 | 35 |
(*2018); Fonte: FIESC |
Obras extras | O mecanismo existente para correr atrás do prejuízo é o chamado Extra PER, lista de obras identificadas como necessárias para manter razoáveis os níveis de serviço – indicador que avalia itens como fluidez e segurança da rodovia. As obras são elencadas pelo Grupo Paritário de Trabalho (GPT) coordenado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Uma vez feitos os projetos, é necessária a autorização da agência para a realização. Uma das dificuldades de aprovação é o impacto nas tarifas de pedágio – atualmente elas estão em R$ 4,10 por 100 quilômetros.
Apesar do cuidado com os custos aos usuários, as taxas de retorno de novos investimentos são plenamente justificáveis. Uma das poucas obras Extra PER em curso é a construção da terceira faixa e adequação de acessos em Palhoça, na Grande Florianópolis. A um custo total de R$ 53,2 milhões, vai proporcionar ganhos de tempo, menor consumo de combustível, redução de acidentes e de emissões avaliados em R$ 2,2 bilhões que deixarão de ser gastos em dois anos, de acordo com a Arteris Litoral Sul, ao passo que o impacto na tarifa de pedágio é estimado em R$ 0,60.
“Essa conta de alto retorno justifica plenamente as intervenções nos pontos críticos”, diz Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC. A Federação defende a implementação do pacote completo de obras listadas pelo GPT para Santa Catarina, que contempla R$ 2,6 bilhões (valores de 2017) em investimentos em diversos trechos. Além disso, há propostas de ações como implantação de balanças eletrônicas, pedágios free flow e sistemas de inteligência de tráfego. Os custos extras poderão ser atenuados com a extensão do prazo de concessão da rodovia, que expira em 2033.
Além das propostas de curto prazo, a FIESC defende uma visão estratégica de eixo litorâneo, que não se resume à rodovia. Essa visão, no longo prazo, incorpora soluções como a implantação de um complexo ferroviário intermodal e de um eixo rodoviário paralelo à BR-101. O dossiê completo sobre a rodovia e as propostas podem ser conferidos no documento BR-101 do Futuro – SC Não Pode Parar, disponível no site da FIESC.
Existem muitos nós, mas eles podem ser desatados. Um exemplo é a viabilização das obras do contorno viário da Grande Florianópolis, inicialmente previsto para ser entregue em 2012. Uma série de acontecimentos adversos implicou em atrasos, alterações profundas no projeto e impactos adicionais na tarifa, mesmo sendo uma obra prevista em contrato. Hoje as máquinas estão a pleno vapor e a conclusão é prevista para 2023. “Com o contorno e as faixas adicionais a região da Grande Florianópolis ficará bem atendida”, afirma Ribas Sass, da Arteris.
Construção de túnel no contorno viário de Florianópolis: projeto alterado - Foto: Divulgação
Retorno | Os motoristas que cruzam a região da capital em direção ao sul do Estado já se deparam com uma nova experiência de concessão rodoviária. O trecho Sul da BR-101, entre Paulo Lopes e a divisa com o Rio Grande do Sul, bem menos movimentado que o Norte, está sob administração da CCR Via Costeira desde agosto de 2020. O grupo CCR administra 11 concessões no País, entre elas a Nova Dutra (Rio-São Paulo) e a AutoBAn em São Paulo.
Na BR-101 a concessionária já investiu cerca de R$ 300 milhões em recuperação de pavimento, sinalização, iluminação e diversos outros serviços que revitalizaram a rodovia. Até o fim do contrato de 30 anos são previstos investimentos de R$ 7,4 bilhões. Inicialmente o projeto foi contestado pela comunidade por causa das quatro praças de pedágio, mas o deságio de 62% oferecido pela CCR, que resultou em tarifas de R$ 2,10, arrefeceu os ânimos.
Trecho Sul da BR-101 em SC recebeu investimento de R$ 300 milhões da concessionária - Foto: Divulgação
“Temos muito know-how e sinergias no grupo que nos permitiram chegar a esse deságio, respeitando o retorno do acionista”, diz Fausto Camilloti, presidente da CCR Via Costeira. “Além disso, a tarifa nos desafia a investir continuamente em tecnologia, em bons projetos, na qualidade das obras e na revisão de processos”, completa o executivo.
Já o formato da concessão deverá evitar problemas como os observados no trecho Norte, em que poucas adequações foram previstas no contrato original. Na chamada quarta etapa de concessões rodoviárias os contratos possuem novos mecanismos que, na prática, os tornam mais rigorosos e ao mesmo tempo mais dinâmicos para fazer frente às mudanças que surgem ao longo dos anos de concessão. “A experiência do trecho Sul mostra aos catarinenses que necessitamos das concessões para realizarmos as obras que darão mais segurança, integridade e eficiência às nossas rodovias”, diz Aguiar, da FIESC.