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A montanha-russa dos fretes marítimos

Oscilações muito fortes nos preços e instabilidades nos prazos de entrega de mercadorias prejudicam operações internacionais da indústria - Por Leo Laps.
Porto de Singapura: fatores geopolíticos prejudicam comércio – Foto: Adobestock

Covid-19, mudanças climáticas, conflitos no Oriente Médio, greves na América do Norte. Trabalhar com o mercado de frete marítimo exige um olhar abrangente sobre geopolítica e tendências globais. Com características de commodity, sujeita de forma bastante sensível a nuances de oferta e demanda, o serviço que movimenta trilhões de dólares dentro de contêineres que correm o mundo e fazem a economia global girar tem passado por momentos desafiadores, principalmente desde a pandemia.

Os preços médios chegaram a US$ 10 mil por contêiner de 40 pés (TEUs) em 2021, ficaram entre US$ 1.500 e US$ 2 mil no ano passado, mas neste ano dispararam novamente, chegando perto de US$ 6 mil em agosto. As oscilações seguem ocorrendo graças a uma complexa série de fatores conjunturais, estruturais e econômicos, fazendo com que empresas exportadoras e importadoras tenham de gerenciar com cuidado as estratégias para manter a competitividade em um cenário tão dinâmico quanto incerto.

Fretes marítimos são feitos por armadores, como são denominadas as empresas responsáveis pelo gerenciamento das operações de carga, traslado e descarga de navios em todo o mundo. MSC, Maersk, Cosco, Evergreen e Hapag-Lloyd são algumas das gigantes do ramo. As embarcações de cada uma dessas companhias fazem viagens que podem chegar a 45 dias de duração, em linhas que conectam portos entre todos os continentes. Para garantir um fluxo contínuo de envios para seus clientes, os navios precisam circular pelos oceanos como um carrossel, como explica Leandro Carelli Barreto, sócio-consultor da Solve Shipping, empresa de São Paulo que tem como objetivo traduzir a “cabeça dos armadores” para empresas que precisam dos serviços prestados por eles.

Barreto: novos navios baixaram frete, mas conflitos reverteram expectativa – Foto: Divulgação

“Um navio demora 91 dias para viajar de ida e volta da Ásia para o Brasil. Uma grande empresa exportadora não pode ficar esperando todo esse tempo para fazer novos envios. Então, um armador que opera essa linha precisa ter vários navios rodando pelos oceanos, garantindo a vazão das exportações”, explica o especialista. “É um negócio que impacta demais os resultados das empresas, embora muitos não percebam a necessidade de entender melhor como este setor opera”, salienta Barreto.

O problema é que a maioria das rotas raramente navega em céu de brigadeiro. Somente nos últimos dois anos, a instabilidade no Oriente Médio – desde os ataques dos rebeldes houthis a embarcações mercantes no Mar Vermelho, onde se localiza o Canal de Suez, a partir de novembro de 2023, até a mais recente escalada de conflitos na região –, a duradoura guerra entre Rússia e Ucrânia, a seca que atingiu, até o começo deste ano, o Canal do Panamá, e um início de greve de portuários da Costa Leste e Costa do Golfo dos Estados Unidos em outubro, que felizmente acabou rápido, revelam a complexidade e a delicadeza da trama que conecta a logística e a economia global.

Houthis | Cada um desses acontecimentos traz consequências imediatas para o serviço realizado pelos armadores. O resultado, em todos eles, é o aumento no preço do frete: projeções feitas no final de setembro indicavam, caso se estendesse a greve nos Estados Unidos, a possibilidade de o preço por contêiner chegar a US$ 8 mil. “Somente na questão dos houthis, com os navios deixando de usar o Canal de Suez para conectar a Ásia à Europa e usando o Cabo Horn, no Sul da África, para preservar a integridade das embarcações e da tripulação, você tem um acréscimo de duas semanas ao tempo de viagem. Este aumento nos percursos drenou a capacidade de carga da frota global, que havia recebido um lote considerável de novos navios em 2023, baixando os preços dos fretes. Com os novos desdobramentos geopolíticos, o frete voltou a subir”, analisa Barreto.

Uma das maiores indústrias têxteis do Brasil, a Círculo, de Gaspar, no Vale do Itajaí, vem investindo nos últimos anos na internacionalização dos negócios, e hoje exporta para todos os continentes, além de possuir uma distribuição exclusiva no mercado norte-americano através de um escritório que faz parte do Grupo Lince, formado pelas empresas Lince, Círculo e Plasvale. Mesmo com o aumento no custo dos fretes devido à explosão de compras on-line, a pandemia foi um momento de grande crescimento para a empresa: com as pessoas presas dentro de casa, seus produtos – fios e linhas que podem ser usados em trabalhos manuais – tiveram as vendas catapultadas no período, em escala global. Desde 2023, no entanto, o cenário de oscilações nos preços dos fretes tem gerado novos desafios. “Essas variações impactam diretamente em nossa competitividade, pois tanto para importação como exportação o impacto da logística internacional é diretamente aplicado no preço final dos produtos”, afirma Maryah Castro, gerente de Exportação da Círculo.

Maryah Castro, gerente de Exportação da Círculo - Foto: Divulgação

Combustível | Para lidar com esses obstáculos, a empresa busca minimizar o impacto para o consumidor fazendo uso de fretes spot – modalidade de transporte que consiste em contratar uma transportadora de forma pontual para atender a demandas urgentes – em plataformas on-line, negociando com parceiros de logística e buscando diferenciais de mercado, como qualidade, tecnologia, suporte ao artesão e presença virtual. O frete aéreo também é acionado em muitas situações, lembra Castro. “A elevação dos custos reduz nossas margens de lucro e, em alguns casos, inibe negócios que seriam viáveis em um cenário de preços mais estáveis”, avalia a gestora.

Além dos fa­tores geopolíti­cos, há ainda questões relacionadas à legislação ambiental, o custo do combustível usado nas embarcações e gargalos na infraestrutura portuária, como restrições de calado para navios maiores, falta de berços de atracação e pátios e o consequente congestionamento nos portos: só este último consome 7% da capacidade global de transportes de navios contêineres do mundo. Isso está longe de ser problema exclusivo do Brasil, onde os portos operam no limite. Singapura, o segundo maior porto do mundo, tem atualmente uma fila de espera de sete dias, segundo relatório elaborado pela Solve Shipping em parceria com a plataforma especializada em logística global Logcomex.

“Isso tem um efeito cascata no mundo todo, impactando não somente na alta dos fretes, mas também na queda do nível de serviço. O navio já vem atrasado. Se ele encontra um porto congestionado, pode optar em pular a escala, e isso acontece muito em Santa Catarina. Aí o importador não consegue retirar o contêiner do terminal, o exportador fica sem conseguir despachar carga, gerando caos e prejuízos imensos”, comenta Barreto, reiterando que é preciso investir na infraestrutura brasileira. “Nossos portos trabalham com tolerância zero a intercorrências, e intercorrências é o que mais tem acontecido nos últimos anos.”

Castro: navios pulam escalas em portos congestionados e geram prejuízos – Foto: Divulgação

A Círculo sentiu isso recentemente, quando um contêiner que deveria sair de Navegantes para os Estados Unidos no dia 19 de julho só embarcou de fato mais de dois meses depois, em 21 de setembro. “Esse tipo de problema afeta toda a cadeia de suprimentos, aumenta o transit time e pode levar ao desabastecimento de produtos no destino final, além da insatisfação do cliente e dificuldade de atender pedidos localmente”, enumera a gerente de Exportação da empresa. Em outra situação, a companhia perdeu a temporada de vendas da Grécia devido ao atraso no envio de produtos. “O cliente recebe o produto mas não pode vender a tempo, então guarda para o próximo ano e nós perderemos uma nova venda”, resume Castro.

Desafios para a navegação

Alguns dos principais gargalos que forçaram os preços dos fretes para cima.

Fonte: Adobestock

1 - Canal do Panamá | Sob influência das mudanças climáticas e do El Niño, o nível do Lago Gatún, que faz parte da travessia, atingiu um ponto crítico no segundo semestre de 2023, o segundo ano mais seco desde a criação do canal, em 1914, limitando o número de navios que poderiam fazer a travessia. O problema foi “resolvido”, por hora, graças às chuvas neste ano.

Fonte: Adobestock

2 - Canal de Suez | Conectando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho dentro de território egípcio, o canal de quase 200 quilômetros recebia 20 mil navios por ano antes do grupo rebelde houthis, do Iêmen, passar a atacar navios mercantes como forma de retaliação a Israel pelos ataques ao Hamas. A rota alternativa, pelo Sul da África, aumenta o tempo das viagens em até duas semanas.

Fonte: Adobestock

3 - Singapura | Impulsionado pelas compras da Rússia, que sofre embargo da Europa Ocidental devido à guerra contra a Ucrânia, o segundo maior porto do mundo tem filas de até sete dias para embarque e desembarque de carga. O efeito dominó é sentido em todo o mundo.

Fonte: Adobestock

4 - Manaus | A seca histórica na Amazônia também causa atrasos e congestionamentos no importante Porto de Manaus, gerando um efeito cascata na navegação e no sistema portuário de todo o País.

Fonte: Adobestock

Fonte: Fonte: Solve Shipping e Logcomex

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