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Indústrias de todo o País estão expostas a um nível de ruído jurídico que põe em risco a própria sobrevivência de muitas empresas. Trata-se de uma situação originada por uma decisão de 2014 do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou nocivos à saúde os ambientes expostos a níveis de ruído igual ou superior a 85 decibéis, o que certamente engloba muitas indústrias. Até aí tudo bem. Porém, a decisão, que tem caráter vinculante, deixou uma brecha para o entendimento de que o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) não é eficaz para reduzir os efeitos do barulho sobre a saúde dos trabalhadores. Interpretando-se dessa forma, na prática tanto faz se o trabalhador usa ou não o EPI.
Com base nesse entendimento, que é equivocado na visão da indústria, a Receita Federal tem autuado empresas e cobrado contribuições adicionais de 6%, inclusive retroativas, sobre os salários de trabalhadores expostos a ruídos – a cobrança refere-se à contribuição adicional do RAT (Riscos Ambientais do Trabalho), antigo SAT (Seguro de Acidente de Trabalho). Os valores, que chegaram em 2021 a mais de R$ 240 milhões, são para cobrir aposentadorias especiais geradas por exposição a ruído. “As indústrias reconhecem que o tratamento da qualidade do ambiente de trabalho deve ser fundamental para a produtividade e saúde do trabalhador, mas a maneira com que o judiciário e a Receita Federal vêm tratando o tema tem causado insegurança jurídica”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.
Ciência | A indústria está buscando a Justiça para esclarecer de uma vez por todas a eficácia dos aparelhos de proteção para os efeitos do ruído. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ingressou, em janeiro, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7773) no STF solicitando a revisão do entendimento vigente. “É hora de trazer ciência para essa discussão”, diz Carlos Kurtz, diretor jurídico da FIESC. “Não abrimos mão em hipótese nenhuma da segurança dos trabalhadores, mas isso não pode representar um passivo insuportável para as empresas. O que se busca é embasamento científico para trazer razoabilidade à discussão”, afirma.
A FIESC, em parceria com a CNI, encomendou um estudo aprofundado ao Laboratório de Equipamentos de Proteção Individual (Laepi), principal referência nacional no tema, sobre a eficácia de EPIs. O documento de 500 páginas foi apresentado em um grupo de trabalho que reúne a FIESC, as outras federações industriais do Sul (Fiergs e FIEP) e a CNI. O parecer do Laepi embasa a tese jurídica que sustenta a ADI 7773 impetrada. Sustenta que equipamentos adequados e o treinamento para o seu uso são capazes de reduzir os impactos do ruído a níveis incapazes de causar danos auditivos e extra-auditivos – como problemas cardiovasculares e neurológicos – aos trabalhadores. O estudo estabelece 115 decibéis como o nível de ruído que pode ser suportado sem prejuízos à saúde, com a correta utilização de EPIs.
Além da contratação do estudo, a indústria obteve o apoio de entidades representativas de profissionais da área da saúde do trabalhador, por meio de uma moção que defende que o tema do ruído e vibrações e os atuais parâmetros devem ser revistos com base em critérios técnicos. Durante o Congresso Nacional de Higiene Ocupacional, que ocorreu no ano passado, a iniciativa foi apoiada pela Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO), a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) e a Associação Nacional de Engenharia de Segurança do Trabalho (Anest).
Para a indústria é fundamental que a Justiça corrija a distorção. Do jeito que está, o que ocorre na prática é a penalização do bom empregador, de acordo com o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan. Ele se refere às empresas que realizam investimentos na saúde dos trabalhadores, o que inclui o fornecimento e o treinamento para o uso de EPIs, mas mesmo assim são autuadas por causa da incorreta presunção de que eles são ineficazes. “Ao realizar cobranças milionárias, a Receita trata da mesma forma empregadores com cultura e prática de prevenção e aqueles que não adotam qualquer ação de segurança. Acaba sendo um desestímulo para as empresas investirem mais em medidas de prevenção”, diz Furlan.
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