Pular para o conteúdo principal

Quer receber nosso conteúdo exclusivo? Inscreva-se!

Ideologia não, interesse nacional sim

Economista, cientista político e diplomata, Marcos Troyjo foi secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais no governo Bolsonaro antes de se tornar presidente do Banco do Brics, com sede em Xangai. Possui longa trajetória acadêmica, com ênfase em estudos de desenvolvimento e economias emergentes. São credenciais que lhe conferem um olhar privilegiado para as novas relações econômicas e políticas no mundo, em que ele enxerga grandes oportunidades para o Brasil e Santa Catarina.
Marcos Troyjo: “Os movimentos do Brasil não devem ter a ver com a simpatia por quem está na Casa Branca ou a crença de que o futuro está na China. Devem estar alinhados aos interesses do País” - Foto: Filipe Scotti

Como o Brasil está posicionado no novo cenário geopolítico e econômico?
No período entre a queda do Muro de Berlim e a quebra do banco Lehmann Brothers vivemos uma globalização profunda em que os países trabalhavam com a bússola da eficiência. Vinha daí o exemplo da bola de vôlei desenhada na Alemanha, com couro sintético da Tailândia, cola da Malásia, montada na China, transportada por uma empresa de navegação norueguesa e com agência de publicidade brasileira. Era a bola “made in the world”. Agora a impressão é de que a ideia de eficiência é substituída pela geopolítica, ou a “geossegurança”, em um mundo mais conflituoso e polarizado. Isso significa um reembaralhar das cartas, e quando o Brasil recebe a nova rodada, o que tem de positivo? A segurança alimentar se tornou fundamental, além da segurança energética, em que também temos credenciais incríveis por sermos um país com hidroelétricas, petróleo, sol, ventos e experiência histórica com etanol e biocombustíveis. Se vamos pensar em economia verde terá de haver um enorme esforço de Capex. O mundo está mais aberto àquilo que geralmente é um problema para o Brasil, que é o acesso ao capital de longo prazo para infraestrutura. Além disso, investidores diminuem o risco de exposição à China, e o Brasil tem condições de ser destino para esses capitais.

Diz-se que o Brasil é um dos países pêndulos, que podem ter vantagens ao se relacionar com o Ocidente e o Oriente. Isso é fato, mesmo diante da polarização interna?
Do ponto de vista de extrair vantagens, o que deve movimentar o pêndulo não é a ideologia, mas o interesse nacional. Precisamos aproveitar a grande demanda dos países emergentes, o que significa que seguirá havendo muito foco na Ásia. De cada US$ 2 que o Brasil exporta, US$ 1 vai para a Ásia, não apenas porque lá é a maior população, mas também porque é o maior polo de crescimento. Mas também não se vai abrir mão da Europa, um mercado de 450 milhões de pessoas, de renda altíssima. Países como Holanda, Espanha, França e Itália são tradicionais fontes de investimento direto estrangeiro no Brasil, e precisamos desses capitais. Os Estados Unidos continuam com uma economia muito dinâmica, de US$ 27 trilhões de PIB nominal, e para onde exportamos muito menos do que deveríamos. Então a oscilação dos movimentos não deve ter a ver com a simpatia ideológica por quem está na Casa Branca ou em Bruxelas, ou a crença de que o futuro está na China. Deve estar alinhada ao interesse nacional.

Com diversos países buscando autossuficiência alimentar e energética não deve diminuir a importância do Brasil como fornecedor?
A autossuficiência não é um salão com teto retrátil, existe um teto. Se você analisar os esforços em autossuficiência alimentar na China ou Índia verá que eles não têm água, que é o insumo mais básico para a produção de alimentos. Plinio Nastari, grande especialista do agro, afirma que uma das razões para os chineses importarem tanta soja (é o maior importador do mundo) mas produzirem tanto milho (a China é o segundo produtor mundial) é porque há cinco vezes mais água em uma tonelada de soja do que em uma tonelada de milho. Achamos que exportamos soja, mas estamos exportando água. Na Índia é a mesma coisa. Fala-se na alternativa África, mas são 50 países no continente e muitos dos projetos precisam ser transfronteiriços para ganhar escala, o que é muito difícil devido a realidades políticas e jurídicas diferentes. Então é mais fácil para países que querem se sentir confortáveis substituir a ideia de autossuficiência pela de segurança alimentar. Por isso os chineses têm comprado participação em equity de empresas de alimentos e de energia no exterior.

Como Santa Catarina se posiciona na nova configuração geoeconômica?
Seria difícil pensar em um estado do Brasil que possa sair tão beneficiado, pois Santa Catarina tem três características de países que tiveram ascensão econômica importante. Uma delas é a complexidade econômica. Enquanto alguns estados são apenas agro ou serviços, em Santa Catarina há complexidade não só entre setores, mas intra-setores – é uma economia muito mais sofisticada. Em segundo lugar, a chamada desindustrialização precoce que ocorre no Brasil é menos grave em Santa Catarina. Então o desafio do Estado é mais sair de um patamar de industrialização para uma quarta revolução industrial ou neoindustrialização do que estar na agropecuária e transformar em atividade industrial. Além disso, ao contrário do que foi a experiência de industrialização da maioria dos países da América Latina, Santa Catarina é importante provedor de bens para o mercado interno e também exportador de bens de valor agregado.

Como tirar proveito dessas características?
É preciso aumentar a escala e tornar isso tudo mais conhecido. Se você pensa no Norte da Itália, pensa em agregado industrial, da mesma forma que a região de Toulouse, na França, é associada a agregado tecnológico e industrial. O perfil de Santa Catarina deveria ser mais conhecido no mundo, pois na medida em que há diversificação para longe da China, o Estado precisa se mostrar. Essa é uma missão não só do governo, é de instituições como a própria FIESC. Poderia haver um evento do tipo “SC Day” em Singapura, Xangai, Abu Dhabi e Nova York, por exemplo. A liquidez estacionada em alguns países vai buscar alternativas, e para a relevância do que se faz em Santa Catarina existem comparadores e parceiros no mundo. Mas ou você espera ser descoberto ou catalisa o processo com bons projetos e roadshows.

Que tipo de investimento tem potencial para ser atraído?
Além de capital privado com interesse de estar no Brasil, há recursos de fundos soberanos e governos estrangeiros que são transformadores e infraestruturais. O Brasil deveria, por exemplo, ter mais portos para escoar o comércio exterior, e parte disso caberia em Santa Catarina. O tipo de parceiro para projetos assim seriam fundos soberanos de países como a Arábia Saudita, Emirados Árabes ou Noruega. Também há muito interesse no mundo para conectar o Atlântico e o Pacífico pela América do Sul.

De que forma a visão global pode ajudar na tomada de decisão do empreendedor?
Se você está em uma galeria de arte ou museu e ficar com o rosto muito perto do quadro não consegue enxergar, é preciso dar três ou quatro passos para trás. Morei recentemente na Ásia (na presidência do Banco do Brics) e de lá, quando se olha para o Brasil, se vê que há recursos hídricos, mercado interno pujante, há vários países dentro do Brasil, como Santa Catarina. Entendo que hoje temos uma situação em que os atrativos brasileiros são mais potentes que os obstáculos existentes no País.

Notícias relacionadas

Indústria News

Inscreva-se e receba diariamente as atualizações da indústria de Santa Catarina.
Confira edições anteriores.

Receber por e-mail

Receber no WhatsApp

Receber no LinkedIn