Aos 17 anos de idade, a catarinense Eduarda Meyer divide seu dia entre estudos no terceiro ano do ensino médio e o trabalho na propriedade da família em Cunha Porã, onde são produzidos todos os meses ao menos 10 mil litros de leite de vaca. A jovem tem um envolvimento ativo no negócio, averiguando a saúde do rebanho, o trato, o rendimento das ordenhas e cuidando da limpeza e da organização do local. Quem toma as decisões sobre investimentos e planejamentos são os pais, mas ela está a par de cada detalhe e com um apreço especial aos números: em 2026, pretende iniciar uma faculdade de Ciências Econômicas, provavelmente em Chapecó, distante 90 quilômetros do pequeno município onde o avô adquiriu, muitas décadas atrás, o lote onde a família cria o gado e também planta fumo.
“Quero fazer faculdade, mas nunca me desligar do campo. Quero ter uma visão diferente do mundo, do que se passa, para depois voltar com essa experiência”, sentencia a estudante. “Temos uma grande oportunidade nas mãos trabalhando no campo. O mundo precisa do resultado que vem daqui”, complementa.
O êxodo rural é um fenômeno mundial, e no Brasil e em Santa Catarina não é diferente: a cada censo é notável o aumento da população urbana. Segundo o último levantamento do IBGE, com dados de 2022, o Brasil perdeu 4,3 milhões de moradores na zona rural e ganhou 16,6 milhões nas áreas urbanas nos últimos 12 anos, num ritmo acelerado em relação aos dados de 2010.
Mas um fator talvez ainda mais decisivo para o futuro do trabalho rural é o envelhecimento da população no campo. Dados do Censo Agropecuário de 2017, também do IBGE, revelam um enxugamento progressivo no número de jovens em regiões agrícolas. Aqueles com idade entre 25 e 35 anos passaram de 13,56% do total para 9,48%, em relação a 2006. Já pessoas com mais de 65 anos subiram de 17,52% para 21,4% entre as duas pesquisas.
Nesse contexto, a manutenção do jovem no campo tem sido um tema crucial tanto para o poder público como para grandes empresas do setor agroindustrial, que desenvolvem em Santa Catarina uma série de programas e incentivos que acabam tornando o campo mais atrativo para novas gerações.
Aliadas ao desenvolvimento tecnológico e à inclusão digital, que tornaram menos árduo o gerenciamento das propriedades e trouxeram mais conforto para o cotidiano longe das cidades, as ações buscam valorizar o produtor rural e mostrar que, com boa organização e conhecimento – que o melhor acesso ao ensino superior, como no caso de Eduarda, também alavanca –, é possível obter ganhos consideráveis como donos do próprio negócio. Para completar, há constantes demonstrações de reconhecimento ao trabalho nessas pequenas propriedades que, juntas, abastecem um mercado global importantíssimo para a economia nacional.
Dinheiro | A família de Eduarda Meyer – que foi contemplada nos últimos dois anos com premiações de destaque em Cunha Porã – vende toda a produção de leite para a cooperativa central Aurora, onde desde meados dos anos 1990 os programas De Olho na Propriedade e Qualidade Total oferecem aos produtores cooperados uma série de cursos e palestras focando na organização familiar – abordando inclusive questões de saúde e o embelezamento das propriedades – e no controle financeiro do negócio.
Tal suporte, construído em parceria com o Sebrae e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), além de cooperativas de crédito, ajudou a Aurora a alcançar a marca, segundo pesquisa recente, de 55% de propriedades preparadas para a sucessão familiar, ou seja: novas gerações interessadas em manter e até mesmo ampliar a produção iniciada por pais e avós em suas propriedades.
“O jovem quer participação de fato nas atividades. Antigamente, só os pais decidiam, e o filho ficava à mercê deles, tinha que pedir dinheiro pra sair, não era nem considerado empregado. Com esse trabalho, mostrando aos pais que o filho tem que tomar parte nas decisões, conseguimos melhorar a permanência do jovem no campo. Se ele tem seu dinheiro, seu celular, uma casa melhor para viver, ele acaba ficando na propriedade”, avalia o vice-presidente de Agronegócios da Aurora, Marcos Antonio Zordan.
O executivo reforça o papel da pecuária para a melhoria no faturamento das propriedades rurais, ainda mais com o avanço da automação e da tecnologia no campo. A Aurora, assim como outras grandes empresas do setor, aplica o chamado modelo de integração rural, sistema de produção agrícola onde produtores se associam à agroindústria, estabelecendo contratos para produção e processamento de matérias-primas usando infraestrutura e mão de obra própria.
“Em uma propriedade de 15 hectares, que é a média dos nossos produtores, se fossem plantados milho, feijão ou soja, eles já teriam abandonado a propriedade. Com o modelo de integração e a produção de proteína animal há um custo alto para investir, mas há um suporte da agroindústria e o retorno financeiro é muito bom. Um casal consegue administrar um aviário com 40 mil frangos e faturar mais de R$ 60 mil em dois meses. Que profissão te dá isso na cidade?”, compara Zordan.
Gratificante e eficiente
Para o produtor rural Anderson Luiz Naiz, de 27 anos, o acesso à tecnologia no campo tem sido essencial para o crescimento do negócio iniciado pelos pais nos anos 1990 em Iraceminha, no Extremo Oeste de Santa Catarina. Ele e o irmão, Cleiton, mantêm uma granja de suínos em contrato com a Aurora, com quase 5 mil animais, além da produção de 10 mil litros de leite de vaca por mês. Em 2023, a família adquiriu um robô alimentador de suínos que melhorou a conversão alimentar e diminuiu a necessidade de mão de obra e o desperdício de ração. “Trabalhamos de domingo a domingo, mas é gratificante produzir alimentos para as pessoas. Hoje em dia a facilidade de acesso a estudos e soluções tecnológicas tem ajudado a evoluir nosso negócio de forma muito eficiente”, considera Naiz.