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Uma nova indústria está nascendo

Transição para economia de baixo carbono é caminho natural para retomada industrial no País. Mesmo sem uma política estruturada para o setor, empresas já contabilizam ganhos com eficiência energética, reciclagem e economia de recursos.

Foto: Shutterstock

Uma das combinações mais promissoras da atualidade é a que associa o desejo de reindustrialização de países (tema abordado na reportagem anterior) com a necessidade de descarbonização para mitigação dos efeitos do aquecimento global – o Brasil assumiu compromisso junto à Organização das Nações Unidas de zerar suas emissões líquidas até 2050. “A principal transformação econômica após a Revolução Industrial é justamente a transição para a economia de carbono zero”, afirmou Elizabeth Reynolds, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, dos Estados Unidos, em evento promovido pela FIESC.

Uma mudança dessa magnitude abre janelas para o desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e serviços diferenciados e cadeias produtivas inteiras – em outras palavras, é uma gigantesca oportunidade de negócios. Não é à toa que a transição para a economia verde é a espinha dorsal do chamado Plano Biden, ou a nova política industrial dos Estados Unidos. A iniciativa prevê investimentos ou descontos de impostos de pelo menos US$ 400 bilhões em 10 anos (pode chegar a US$ 800 bilhões) para a geração de energia limpa, captura de carbono, produção de painéis solares, turbinas eólicas, veículos elétricos e muito mais. A União Europeia, na mesma toada, aumentou os benefícios e incentivos para empresas de energia limpa se desenvolverem no continente. Os esforços de países asiáticos como a China também são notáveis.

No Brasil ainda se aguarda o desenho concreto de uma política de incentivos à economia verde, no contexto de uma nova política industrial. “A transição energética é uma enorme possibilidade para o desenvolvimento da indústria brasileira, desde que haja coordenação de estratégias empresariais com agendas de políticas públicas”, diz Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e presidente do Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No Plano de Retomada da Indústria proposto pela CNI, uma das missões a que deve se dedicar o País nos próximos anos é a descarbonização. Para o seu cumprimento é necessário articular, na visão da entidade, quatro grandes programas: energias renováveis e eficiência energética; mercado de carbono; economia circular; e conservação florestal e bioeconomia. A partir de políticas públicas e programas voltados a temas como esses é que deverão surgir novas e grandes oportunidades para a indústria na direção da chamada economia verde. Estima-se no mercado que algo como R$ 50 trilhões em recursos hoje disponíveis no mundo se tornarão investimentos realizados de acordo com critérios e cláusulas ambientais.

Parte desses recursos pode vir para o Brasil em projetos, por exemplo, de produção de hidrogênio verde. O Boston Consulting Group estima que entre 2025 e 2050 governos e empresas deverão destinar de US$ 6 trilhões a US$ 12 trilhões em produção e transporte de hidrogênio com baixo teor de carbono para substituir combustíveis fósseis. Em junho a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou, em visita ao Brasil, que o bloco investirá 2 bilhões de euros para estimular a produção de hidrogênio verde no Brasil. O combustível poderá ser consumido na Europa, que vive uma crise energética.

“A corrida planetária pela descarbonização é uma nova base para ancorar o avanço nacional”, diz Paulo Hartung, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), associação que reúne indústrias de base florestal (leia artigo de Hartung). As vantagens comparativas do Brasil nesta frente são conhecidas, pois detém 12% da água doce do planeta, 20% da biodiversidade e tem 60% do território ocupado por cobertura vegetal. Energias renováveis correspondem a 45% da matriz brasileira, mais que o triplo da média mundial. O desafio é transformar as vantagens comparativas em diferencial competitivo. O mercado de crédito de carbono, crucial para o desenvolvimento do setor, sequer está regulamentado no Brasil.

Diversas iniciativas já estão rodando, independentemente da formalização de uma política setorial e de sinais contraditórios emitidos pelo Governo em áreas como exploração de petróleo e incentivo à produção de veículos a combustão. “A descarbonização tem ganhado relevância e recebido importantes investimentos na indústria. A redução de emissões de carbono representa uma oportunidade econômica que, muitas vezes, garante o acesso a financiamentos de programas e projetos”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.

Na prática | Diante das tendências, indústrias procuram as melhores formas de inserir em suas estratégias os temas relacionados à chamada economia verde. De acordo com José Lourival Magri, presidente da Câmara de Meio Ambiente e Sustentabilidade da FIESC, a indústria catarinense como um todo é destaque no País em reciclagem de materiais, enquanto a indústria de alimentos eleva continuamente os controles para evitar gases de efeito estufa, como o metano. “Outro destaque no Estado é o uso racional da água. A indústria de transformação – em especial o segmento têxtil – reduz o uso e amplia a reutilização da água”, diz Magri.

O Grupo Malwee, de Jaraguá do Sul, é conhecido por manter na cidade o Parque Malwee, que oferece 1,5 milhão de metros quadrados de área para usufruto da comunidade. O local abriga lagos e 35 mil árvores, e serve para reforçar o respeito do grupo pelo meio ambiente. Paralelamente, ao longo dos anos, a empresa implementou uma política de gestão ambiental aliada aos planos de crescimento. “Podemos destacar o investimento em tecnologias e processos inovadores que vão do uso de matérias-primas mais sustentáveis em nossas coleções à gestão de água, efluentes, resíduos e controle da poluição atmosférica”, resume Anay Zaffalon, diretora executiva de Negócios do Grupo Malwee.

Parque Malwee, em Jaraguá do Sul: 1,5 milhão de metros quadrados e 35 mil árvores - Foto: Shutterstock

Na década passada, a Malwee lançou seu primeiro compromisso público pa­ra a redução de impacto em água, energia, emissões atmosféricas e resíduos. A logística reversa e a economia circular eram vistas como boas oportunidades de negócio. “O plano continha 15 metas das quais tivemos resultados positivos em todas e superamos nove delas, dando destaque para a redução de 75% das emissões de gases do efeito estufa na troca de matriz energética e investindo em eficiência de processo”, detalha a executiva.

Em seu Plano ESG 2030 há o compromisso de reduzir em mais 50% a emissão de gases do efeito estufa. E também o de ter 100% dos seus produtos fabricados com matérias-primas e/ou processos com menor impacto ambiental. É neste contexto que se encaixa o Fio do Futuro, uma matéria-prima de moda inédita no mercado brasileiro. Ele é fabricado com 70% de resíduo têxtil pós-consumo e 30% de uma fibra complementar, processo que emite 44% menos gás carbônico e consome menos 30% de água na sua produção, de acordo com a empresa. O projeto nasceu da prática de reciclagem de resíduos e da compra de fios PET reciclados, que respondem pela quase totalidade do poliéster usado pela companhia hoje em dia.

Roupa de fios reciclados: emissão de gás carbônico reduzida em 44% - Foto: Divulgação

Circularidade | A versão do fio que está sendo utilizado este ano é composta por 85% de peças usadas que seriam descartadas e 15% de fibra de poliéster. A composição mostra uma evolução em relação ao projeto-piloto que previa a composição do fio com 70% de peças usadas e 30% de fibra complementar. A projeção inicial é de que o Fio do Futuro integre pelo menos 25% dos novos produtos. “A curto prazo, nosso objetivo é termos o insumo presente na maioria das coleções das marcas Malwee e Malwee Kids”, informa Zaffalon.

Maior fabricante de embalagens em EPS (o popular isopor) do Brasil, a Termotécnica, de Joinville, foi pioneira em focar na correta destinação das embalagens para a proteção de itens como refrigeradores, fogões, eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Após mais de 20 anos defendendo de forma pioneira a circularidade do material, o presidente da companhia, Albano Schmidt, soma conquistas. “Desde 2007, quando criamos o Programa Reciclar EPS, já recuperamos e reciclamos mais de 44 milhões de quilos de EPS pós-consumo, o que representa cerca de um terço de todo o material reciclado no mercado”, resume o empresário.

Schmidt: bitributação encarece e desestimula a reciclagem de EPS - Foto: Divulgação

O programa se baseia na logística reversa junto a produtores, distribuidores e varejistas, e inclui também o consumidor final. O material é destinado a cooperativas de reciclagem e depois retorna para as fábricas da Termotécnica em Joinville, Manaus (AM), Petrolina (PE), Rio Claro (SP) e São José dos Pinhais (PR). Ele passa por um processo de retirada do ar e se transforma em uma nova matéria-prima, denominada Repor – marca de poliestireno reciclado da Termotécnica. O Repor é fornecido para empresas que fabricam artigos como rodapés, molduras, solados de sapatos, cachepôs, réguas e deques para piscinas. “A demanda vem aumentando à medida que a consciência das empresas sobre a economia circular vem crescendo e também pela pressão da sociedade”, diz Schmidt.

A iniciativa abriu as portas para novos negócios. Em 2020 a petroquímica Unigel lançou uma marca de produtos sustentáveis, o Ecogel, que deu origem a uma parceria com a Termotécnica e a Electrolux. A Unigel fornece o monômero de estireno para a Termotécnica, matéria-prima para a produção de embalagens em EPS, que são utilizadas pela Electrolux para a integridade de seus produtos no transporte. Além disso, a Unigel fornece poliestireno para a Electrolux, que é empregado na fabricação de peças do interior de refrigeradores, como prateleiras e gavetas. E o Repor, por sua vez, é uma importante matéria-prima na produção do Ecogel, que é um plástico reciclado.

Novas parcerias foram firmadas com a Cremer, de Blumenau, e a Santa Luzia, fabricante de rodapés e molduras de Braço do Norte. “De todo o EPS que a Termotécnica produz, 15% são reprocessados. A meta é chegar a 25% até 2030”, projeta o empresário, assinalando que se não fosse a bitributação que incide no produto recolhido e reaproveitado, o quadro seria melhor. “Se o projeto de desoneração que está parado no Senado for aprovado teremos um grande incentivo para crescer mais rapidamente”, garante Schmidt.

Termotécnica responde por cerca de um terço de todo o EPS reciclado no País - Foto: Divulgação

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