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A pandemia desorganizou a economia global e uma das consequências mais marcantes para a indústria foi a escassez de matérias-primas para vários setores, como o automotivo, que engatou marcha a ré devido à falta de componentes eletrônicos. Já a construção civil sofreu com a redução de oferta e forte elevação dos preços do aço, insumo que, em condições normais, responde por cerca de 20% dos custos totais de uma obra. No final de 2020 os preços dos vergalhões haviam subido 60% e faltou mercadoria: os prazos de entrega foram estendidos de poucos dias para mais de três meses até mesmo para empresas que já haviam comprado e pagado pelos produtos. O desarranjo resultou em obras paradas e lançamentos cancelados.
A solução veio a navio, do outro lado do mundo. A importação de 40 mil toneladas de aço produzido na Turquia garantiu as operações da indústria da construção em Santa Catarina e vários outros estados ao longo de 2021. Deve-se o feito à Cooperativa da Construção Civil do Estado de Santa Catarina (CooperconSC), organização que tem entre suas principais atribuições a realização de compras compartilhadas para os associados, obtendo preços melhores. Nesse contexto, aquela que foi batizada Operação Aço Turco é uma das mais complexas e bem-sucedidas ações da cooperativa. Os primeiros passos para que ela se tornasse viável no auge da pandemia foram dados ainda em 2017.
“Iniciamos o processo de certificação do aço da Turquia lá atrás porque achamos que precisaríamos de alternativas aos fornecedores locais”, diz José Sylvio Ghisi, presidente da CooperconSC. Há poucas e grandes empresas fornecedoras de produtos de aço para a construção no Brasil, o que deixa pouca margem de negociação para as construtoras. Para viabilizar alternativas no exterior era necessário adequar os produtos às normas brasileiras, o que incluiu certificação do Inmetro tanto da usina turca quanto da CooperconSC como importador, resultando na criação da marca SC 50. A usina em questão é a gigante Diler, uma das maiores exportadoras de aço para os Estados Unidos, e os produtos homologados são barras e bobinas de várias bitolas.
Ghisi, presidente da CooperconSC: busca de alternativas de fornecimento - Foto: Edson Junkes
É claro que quando tudo começou ninguém poderia imaginar o que vinha pela frente com a pandemia. Mas o fato é que a antecipação permitiu que na hora da verdade tudo já estivesse encaminhado para se fechar um grande pedido ao fornecedor turco. A cooperativa realizou então a prospecção de interesse entre sindicatos e empresas, inclusive de outros estados. A primeira carga de 20 mil toneladas foi fechada para um grupo de 137 empresas de diversos portes – o pedido mínimo era de um lote de 96 toneladas. O preço era convidativo. Mesmo contabilizando o câmbio desvalorizado, transportes, burocracia e impostos, os produtos chegariam aos canteiros de obras a um custo de cerca de 30% inferior ao então praticado no mercado interno. “Não há margem de revenda, somente os custos de processos, e o próprio grupo custeia a operação”, explica Roberth Gézus Bortowski Meinert, gestor da CooperconSC.
O modelo adotado foi o de importação direta, sob encomenda – ou seja, a cooperativa não revendia nada, mas organizava e operacionalizava todo o processo, repleto de etapas e de negociações. Para fechar o pedido, por exemplo, a usina exigia o pagamento antecipado de um sinal, e o restante na entrega. Da mesma forma ocorre com transportador marítimo, e os compradores tiveram que realizar os depósitos em cada uma dessas etapas e também na nacionalização das mercadorias, tudo gerenciado pela cooperativa.
Meinert: choque de oferta afetou os preços internos, beneficiando construtoras - Foto: Divulgação
Nacionalização | A contratação do frete marítimo também foi fundamental para o sucesso da empreitada. A encomenda permitiu “fechar” um navio inteiro com a capacidade de carga equivalente ao tamanho do lote, o que tornou a operação mais barata do que se fosse utilizado um navio de maior porte. A descarga foi realizada no Terminal Portuário Santa Catarina (TESC), localizado no Porto de São Francisco do Sul. Todos os prazos acordados com os fornecedores foram cumpridos à risca.
A CooperconSC finalizou seu trabalho com a nacionalização dos produtos, disponibilizando-os para que as empresas compradoras os retirassem no porto. O primeiro lote foi entregue no início de julho. A partir da primeira experiência bem-sucedida, um segundo lote de 20 mil toneladas foi rapidamente fechado e entregue em setembro. Mais de mil carretas foram necessárias para transportar toda a mercadoria, mas houve caso de carga que seguiu por cabotagem até Manaus. No total, 240 empresas compraram os insumos e mais de 500 obras os receberam. “Além de abastecer as empresas causamos um choque de oferta e impactamos os preços no mercado interno”, diz Meinert.
Uma das construtoras beneficiadas foi a Sônego Construções, de Criciúma, que comprou uma quantidade de aço capaz de suprir suas necessidades do segundo semestre do ano passado e do ano de 2022 inteiro. Seu proprietário, Mauro Cesar Sônego, é presidente do Sinduscon de Criciúma e ajudou a divulgar a iniciativa da CooperconSC em sua região. “Muitas empresas ficaram desabastecidas durante meses, e a importação desafogou o setor”, conta o empresário.
Descarga do segundo lote em São Francisco do Sul: 20 mil toneladas de aço - Foto: Divulgação CooperconSC
Pregos | Por iniciativa de 12 sindicatos da construção civil, a CooperconSC foi fundada dentro da FIESC em 2015, e conta atualmente com 150 empresas associadas. Seu portal de compras compartilhadas permite às empresas combinarem seus potenciais de compra para obter melhores negociações com os fornecedores. Além de Santa Catarina, a cooperativa centraliza a compra de itens para todos os estados do Sul e o Espírito Santo. O gerenciamento operacional é realizado pela empresa parceira SC Supply.
Uma equipe de prospecção internacional é mantida pela cooperativa, que também se encarrega de garantir a qualidade dos materiais e adequação às normas técnicas. Já foram importados produtos como ferramentas manuais, máquinas de corte e dobra de aço e até mesmo gruas e usinas compactas de concreto. Novas compras estão sendo estruturadas envolvendo itens como pregos, arames e cordoalhas. Já as parcerias com empresas nacionais de vários segmentos, como revestimentos cerâmicos e metais sanitários, garantem condições especiais aos cooperados.
Ao mesmo tempo que a CooperconSC viabilizava a importação de aço, representantes do setor e a FIESC se articulavam junto a órgãos de governo para melhorar as condições de compra dos insumos. O setor obteve uma redução de 10% na tarifa de importação de aço e, no plano estadual, conseguiu o enquadramento dos produtos no Tratamento Tributário Diferenciado (TTD), que tem como consequência a redução de ICMS nas importações. A combinação dessas ações com toda a expertise da cooperativa torna vantajosa a importação de aço da Turquia mesmo com a queda de preços no mercado interno. “Vamos conseguir Trazer mais um navio com 20 mil toneladas este ano”, afirma o presidente Sylvio Ghisi.
Canteiros de obra reativados
O alcance das importações de aço turco pela CooperconSC
- 40 mil toneladas entregues em 2021
- Custo 30% menor em relação às usinas nacionais
- 240 empresas de 11 estados atendidas
- Mais de 500 obras abastecidas
- Cerca de mil carretas para levar insumos às obras
- Novo lote de 20 mil toneladas para entrega em 2022