Juilliaan: natural da Venezuela, é em Chapecó que ela se sente em casa - Foto: Suellen Santin
Desesperançados pela profunda crise em seu país, em julho de 2019 Juilliaan Anyelik Bolivar Garcia, o marido e os dois filhos deixaram a cidade de San José de Guanipa, na Venezuela, em busca de um futuro melhor. Partiram num ônibus rumo a Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil, e desembarcaram em Boa Vista (RR). Carregavam pouco mais do que a roupa do corpo e se juntaram a milhares de refugiados venezuelanos. A família passou momentos de medo e insegurança no acampamento onde vivia com outros imigrantes. Juilliaan conta que preferiram morar na rua. “A gente comia no café da manhã sem saber se conseguiríamos fazer a próxima refeição”, lembra.
Permaneceram nessa condição por três meses, até que a oportunidade de um emprego surgiu no distante Estado de Santa Catarina. O Grupo Bugio recrutava famílias de imigrantes para trabalhar em seu frigorífico localizado na estrada que liga Chapecó a Seara, dois dos maiores centros agroindustriais do Oeste catarinense. Era a chance que Juilliaan esperava. Ela e o marido se inscreveram no processo seletivo, passaram pelas duas etapas, e com ajuda de custo da empresa embarcaram com as crianças num voo rumo a Chapecó. Após alguns dias hospedados em uma fazenda, alugaram uma casa assim que receberam um adiantamento do salário. “A gente não tinha cama, nem nada. Os vizinhos, os colegas de trabalho e a empresa se mobilizaram para nos ajudar com roupas, móveis e utensílios de cozinha”, conta Juilliaan.
Dedicada e com facilidade para aprender, em três anos de empresa ela foi promovida duas vezes. Saiu de uma função manual para operar o computador no cargo de apontador de produção, no setor de abate da Ecofrigo. Da Venezuela ficou a saudade das comidas típicas, das festas e do idioma, mas é em Chapecó que ela se sente em casa. A irmã e a mãe também foram morar na cidade e Juilliaan não tem dúvidas de que ali é o lugar para prosperar e criar os filhos. “Tenho o sonho de comprar minha casa própria, e se surgirem novas oportunidades estarei pronta para encarar.”
O Oeste do Estado também foi endereço da argentina Carina Pacheco, que lá formou família quando imigrou para o Brasil em 2001, aos 21 anos de idade. Em 2013 ela se mudou para Itajaí, e há pouco mais de um ano trabalha na Okean Yachts, fabricante de iates que também migrou, há dois anos, do litoral paulista para a cidade catarinense, em um investimento de R$ 110 milhões.
Carina: hospitalidade, acolhimento e muitas opções de emprego - Foto: Divulgação Grupo Okean
Tapeçaria | Costureira com dez anos de experiência em tapeçarias, Carina é uma das responsáveis pela fabricação do estofamento usado nas embarcações. “Tudo é personalizado de acordo com o pedido de cada cliente. É um trabalho delicado, feito nos mínimos detalhes. Jamais imaginei que trabalharia em uma empresa que fabrica iates, e quando cheguei fiquei impressionada e encantada com o ambiente de trabalho”, lembra Carina, que é natural de Córdoba, segunda maior cidade da Argentina.
Em Santa Catarina ela diz ter encontrado hospitalidade, acolhimento e muitas opções de emprego. “É possível encontrar vagas em muitas áreas. Além disso, é um estado com bastante segurança em comparação com outras regiões do Brasil que já conheci”, afirma Carina. Ela também destaca as boas opções de lazer, sejam as belas praias da região ou os serviços de sua cidade.
Com 37,6 mil imigrantes trabalhando em Santa Catarina, o Estado é o destino de um quinto dos estrangeiros que trabalham no Brasil, de acordo com o Observatório das Migrações Internacionais (2020) – só em São Paulo há mais imigrantes. Oportunidades de trabalho e qualidade de vida são reconhecidos fatores de atração, tanto para imigrantes quanto para brasileiros de todas as regiões. “Santa Catarina é um estado desenvolvido, com elevado IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), e isso naturalmente gera fluxos”, afirma Marcelo Fett, secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Se as causas do aumento populacional são conhecidas, o Estado deve se preparar para lidar com as consequências. “O crescimento populacional é bom? Depende”, diz Fett. “O desafio é transformar o fluxo em oportunidades.” Para José Eduardo Fiates, diretor de Inovação e Competitividade da FIESC, um estado mais populoso tende a ter maior peso político e econômico. Há, por exemplo, vários fundos para redistribuição de verbas públicas de acordo com a população, assim como é maior a representatividade no Congresso Nacional. A economia também ganha com um mercado consumidor maior, e ainda há espaço para adensamento populacional: a Holanda, por exemplo, tem metade da área de Santa Catarina e uma população duas vezes e meia maior.
“Desde que não comprometa a qualidade de vida, o crescimento é positivo, pois traz mão de obra qualificada, que traz crescimento industrial”, explica Fiates. “Mas uma população maior também traz, junto com a oportunidade, a responsabilidade de educar e qualificar as pessoas, de fornecer qualidade de vida, infraestrutura, saneamento e saúde”, afirma. O Estado precisa avançar, e muito, nessas áreas, conforme demonstra a reportagem de capa desta edição.