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O trabalho é a melhor saída

Setor auxilia o Governo Estadual no plano de chegar a 14.800 detentos trabalhando até o fim do ano - Por Leo Laps.

Área industrial na penitenciária de Curitibanos: maior taxa de ocupação laboral de SC - Foto: Eduardo Valente/SECOM

Santa Catarina tem a quarta maior taxa de ocupação laboral do Brasil em presídios e penitenciárias. Mais de um terço dos 24.700 detentos nas 52 unidades prisionais do Estado trabalham diariamente em troca de um salário mínimo e da remissão de suas sentenças: um dia a menos de cadeia para cada três trabalhados. As maiores parceiras do sistema penal neste processo de ressocialização são empresas privadas, principalmente indústrias, responsáveis por 55% das 8.400 vagas de emprego oferecidas atualmente para presidiários em Santa Catarina. E é com elas que o Governo Estadual conta para abrir outras 6.200 vagas até o final de 2023 naquilo que a Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa (SAP) considera que será a maior expansão de vagas da história prisional do Brasil.

Número de presos trabalhando em Santa Catarina

Fonte: SAP

Para obter o direito de contratar detentos, as empresas precisam passar, desde 2018, por um complexo processo de chamamentos públicos (até então, elas entravam no sistema por meio de convites e acordos). Os editais em andamento, que tramitam em fases diversas, receberam propostas até fevereiro. O superintendente de Trabalho e Renda da SAP, Antônio Altino de Farias, informa que até junho 30% das vagas que a SAP abriu através dos chamamentos no começo do ano já estão efetivadas e homologadas para empresas como a Ogochi. A marca de roupas masculinas sediada em São Carlos, no Oeste do Estado, poderá montar operações em até quatro municípios catarinenses e se tornar uma das maiores contratantes do sistema penal brasileiro. As vagas restantes deverão ser preenchidas por outras indústrias por meio de contratação direta, o que a legislação atual permite após o processo de editais se desenrolar.

Para Farias, o método de ressocializar presidiários através do trabalho vem se mostrando muito mais eficaz do que simplesmente deixar detentos entregues ao ócio. “Nossa missão é, primeiro, executar as sentenças e, em segundo lugar, preparar o indivíduo para voltar à sociedade melhor do que quando entrou. Além disso, prisões com alto índice de trabalho são mais calmas e tranquilas. O indivíduo tem uma fonte de renda, há movimentação econômica regional e a redução de pena desonera o Estado. A ocupação laboral é, de fato, uma estratégia de segurança do Governo”, destaca o superintendente.

Atualmente existem mais de 200 parcerias laborais dentro das cadeias de Santa Catarina. Junto àquelas articuladas com a iniciativa privada, há também emprego através de instituições públicas, como 26 prefeituras e a Casan, além de oficinas próprias, que executam serviços com fins externos ou internos – por exemplo, fabricar lençóis e fronhas a serem utilizadas nas próprias unidades, ou confeccionar uniformes para a rede estadual de ensino.

As superintendências das regiões Serrana e Oeste são as que têm as melhores taxas de ocupação laboral dentro dos seus presídios – 44,4% e 43,5%, respectivamente. Na região Serrana fica a Penitenciária Regional de Curitibanos, que chegou a empregar 100% dos detentos antes da pandemia. O principal motor de contratação é o Grupo Berlanda, do deputado estadual Nilso Berlanda (PL), que tornou a ressocialização de detentos pelo trabalho uma de suas principais bandeiras políticas. Atualmente, 78% dos apenados da unidade trabalham, e o objetivo é voltar aos números pré-pandemia ainda este ano.

Maiores taxas de ocupação laboral no sistema prisional - Fonte: SAP / Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022

Além da remissão gradual da pena, detentos que trabalham recebem um salário mínimo por mês. Mas apenas metade do valor pode ser utilizada de forma imediata pelo preso e sua família: outros 25% vão para uma poupança que só poderá ser resgatada no final da sentença (o chamado pecúlio) e os 25% restantes são destinados ao Fundo Rotativo, um sistema de gerenciamento de recursos para o sistema prisional criado pelo Governo Federal em 1978.

O Fundo Rotativo catarinense é dividido em oito superintendências regionais mais a Penitenciária de São Pedro de Alcântara. Cada uma delas gerencia os valores gerados na própria região pelo trabalho dos apenados, além de dotações orçamentárias do Estado e outras contribuições e entradas. Em 2022, segundo dados da SAP, o trabalho de apenados gerou um total de R$ 140 milhões, ficando cerca de R$ 31,2 milhões para o Fundo Rotativo. O dinheiro é aplicado em reformas e manutenções, na compra de produtos e matérias-primas e na contratação de serviços.

Para as empresas, uma das principais vantagens é financeira: o salário mínimo é pago sem nenhum encargo trabalhista, inclusive férias ou 13º salário. Além disso, a contratante obtém mão de obra em um período de pleno emprego no Estado, onde postos de trabalho em fábricas demoram meses para serem preenchidos, quando o são. A empresa também tem muito menos problemas com assiduidade, mas obviamente lida com uma série de outros desafios.

Instabilidade | A Bella Arte, de Gaspar, especializada em acessórios para cortinas e utilidades para o lar, conta com o trabalho de detentos da Penitenciária Industrial de Blumenau (PIB) desde 2016, meses depois da inauguração da unidade prisional localizada a cerca de 10 quilômetros da fábrica. Na época a empresa foi convidada pela direção da cadeia a instalar uma oficina no local. Hoje disponibiliza 162 vagas de emprego em três unidades prisionais da região do Vale do Itajaí. Cerca de 80% de tudo o que é produzido passa pelas unidades, que realizam a montagem de kits que são vendidos em mais de 7 mil pontos de venda no Brasil, na América Latina e na África.

Produção na penitenciária Bella Arte, de Blumenau - Foto: Leo Laps

“Fomos um projeto-piloto. Tivemos que fazer reformas e adaptações para nos instalarmos e fomos aprendendo com os erros, entendendo como funcionam as coisas dentro do sistema prisional”, conta o gerente industrial Vander Rodrigues, que acompanha o processo de implementação das oficinas da Bella Arte nas cadeias desde o início e já enfrentou situações de instabilidade. Ele lida diretamente com os líderes, funcionários que trabalham em tempo integral coordenando cada oficina dentro do presídio. É um trabalho que demanda acompanhamento psicológico constante para evitar, por exemplo, aliciamentos, algo que infelizmente está entre os cenários já vivenciados.

“Tivemos um líder que foi pego tentando infiltrar celulares no presídio. Isso nos fez aprender ainda melhor sobre como escolher as pessoas que vão trabalhar lá”, revela Rodrigues. Apesar de parecer pouco atraente, ele garante que há uma fila de interessados em trabalhar nas unidades prisionais. “Além de um bônus financeiro, eles são muito valorizados dentro da empresa”, afirma.

Outros problemas enfrentados são as incertezas e surpresas. Em outubro do ano passado, de um dia para outro, a direção da empresa foi informada que os 60 apenados que trabalhavam em uma das unidades foram punidos por uma infração e retirados das vagas de trabalho. A empresa só voltou a contar com todo o efetivo, formado por outros detentos, 45 dias depois. “A gente não discute quando uma ordem vem de lá, a segurança está em primeiro lugar. Mas esta é uma das razões para que não haja uma procura maior por parte das empresas”, avalia Rodrigues.

Essa dinâmica fez com que a empresa investisse em um sistema mais robusto para seus estoques, que hoje conta com 12 mil metros quadrados dedicados ao armazenamento, e durante a pandemia conseguiu entregar produtos quando outras empresas já tinham zerado os estoques. “Se a empresa não tem a ideia de trabalhar com estoques é melhor não operar com apenados. Tivemos que nos adequar, e isso trouxe benefícios: com um estoque regulador ganhamos rapidez nas entregas e conquistamos grandes clientes”, conta o diretor Tarcísio Rausch.

Rausch e Rodrigues, da Bella Arte - Foto: Leo Laps

Galpões | Além da Bella Arte, os apenados da PIB têm oportunidades de trabalho na Porto Franco, indústria têxtil com sede em Botuverá, em uma oficina de costura do Estado, na cozinha da unidade e em serviços de manutenção e limpeza – há um total de 215 presos trabalhando. A penitenciária foi inaugurada em 2016, mas ainda falta ser construído no local um novo presídio e uma unidade voltada para os regimes semiabertos. “Além do espaço para as obras que transformarão o local em um grande complexo penitenciário, há terrenos para a construção de dois galpões com 800 metros quadrados cada, onde 300 presos poderão trabalhar”, afirma o diretor da PIB, Maicon Ronald Alves.

Alves: Blumenau poderá mais do que dobrar vagas de trabalho para detentos - Foto: Leo Laps

Uma mudança na legislação assinada pelo ex-governador Carlos Moisés no desfecho de seu mandato, em 30 de dezembro de 2022, alterou as regiões do Fundo Rotativo e também trouxe uma novidade: passava a cobrar das empresas que operam dentro de unidades prisionais tarifas de água, esgoto e energia elétrica, além de outras despesas. A isenção dessas contas era um incentivo para que as empresas entrassem no sistema, pois elas já têm que arcar com investimentos em obras civis e na implantação da unidade fabril. A mudança de regras impôs um grande desafio ao plano do Governo de ampliar o número de vagas de trabalho nos presídios. Após o posicionamento da FIESC junto à Assembleia Legislativa, entretanto, um novo projeto de lei foi aprovado em julho, isentando do pagamento das taxas de água, esgoto e energia elétrica os permissionários ou cessionários dos espaços de trabalho no sistema prisional catarinense.

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