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O desafio de engajar as novas gerações

John Davis definiu os conceitos acadêmicos mais importantes para o estudo das empresas familiares, fundou o Cambridge Family Enterprise Group e é um dos mais requisitados consultores do mundo para auxiliar empresas a realizar processos sucessórios. Em dezembro o norte-americano esteve em Florianópolis, a convite da Academia FIESC de Negócios, para ministrar um curso no âmbito do Programa Internacional de Educação Executiva. Nesta entrevista exclusiva Davis comenta os principais desafios para a sucessão envolvendo famílias empresárias.

John Davis: "A geração mais velha tem que ficar mais confortável em se afastar e deixar as pessoas mais novas fazerem coisas. E temos que encontrar papéis para os mais velhos, para que eles ainda sejam úteis e tenham influência" - Foto: Elis Pereira/FIESC

O senhor afirma que o mundo empresarial mudou radicalmente neste século. Como essa mudança impacta a sucessão familiar?
São muitos os fatores como, por exemplo, empresas atualmente terem vida útil menor. Famílias podem estar em um negócio hoje e querer que a próxima geração entre, mas o negócio pode não durar, pode ser vendido ou fechado. Então, quando você traz sua nova geração para um negócio, geralmente quer que ela entenda esse negócio, mas se ele deixar de existir, muito do treinamento e desenvolvimento pode não ser mais tão relevante. Um segundo fator é que a próxima geração, que começou com os millennials e agora se observa também com a geração Z, não é tão interessada nos negócios tradicionais ou em carreiras tradicionais. As ideias deles mudaram sobre o que querem fazer e se querem estar na empresa que os pais se dedicaram a construir, ou se sequer querem ter o tipo de carreira que os pais afirmam ser necessária. Isso está criando tensões nas famílias, porque as famílias querem a sua contribuição, querem você dentro do negócio, mas têm um pouco de dificuldade em se adaptar, na tentativa de se tornarem atrativas para a geração mais nova. Tenho clientes que estão passando por isso, empresas muito interessantes, com boas oportunidades para a próxima geração, mas por uma ou outra razão a maioria deles está dizendo “acho que não”. Outra coisa é que muitos estão mais interessados em investir do que em administrar, e isso afeta profundamente a sucessão. Porque se a minha filha ou filho não vão ser meus sucessores eu deveria começar a pensar na sucessão não familiar ou pensar sobre vender a empresa e migrar para um family office.

Nesse contexto de grandes mudanças, o conceito de sucessão familiar está se modificando?
Sim, vamos ver mais negócios familiares sendo vendidos, e tem muito capital procurando por bons negócios para investir. Penso que isso será uma grande tendência nos próximos 20 anos. Parte do que estamos fazendo em Cambridge é ficarmos prontos, construindo nossa capacidade de aconselhar famílias em compra e venda de empresas.

Em relação a outros países, quais são as particularidades da sucessão familiar no Brasil?
Eu diria que no contexto brasileiro as empresas familiares são muito importantes, pois é um dos lugares mais desafiadores para se fazer negócios. Há muitas oportunidades, mas também muitas regulamentações. Você tem que ser inteligente no Brasil para desenvolver e gerir bem um negócio, e também tem que ser flexível. Uma das razões pelas quais há muitos brasileiros em cargos de alta administração em empresas internacionais é que eles têm essa mentalidade, são flexíveis, solucionam problemas, sabem como fazer as coisas. Observa-se isso nas empresas familiares também. E uma boa coisa sobre as empresas familiares é que você pode passar esse conhecimento adiante. Então, penso que empresas familiares têm um importante lugar na economia brasileira. Além disso, contamos cada vez mais com as empresas para ajudar as comunidades. Conheço muitas empresas familiares brasileiras que são muito ativas e ajudam suas comunidades, ou ajudam no acesso à educação, saúde ou outra causa social importante. Elas são muito relevantes e eu acho que precisam continuar existindo. O problema é que as empresas familiares no Brasil precisam ser mais flexíveis sobre mudar de direção, e como em qualquer outro lugar as famílias resistem a grandes mudanças.

Nesse cenário, quais são os fatores para o sucesso da sucessão familiar?
Creio que as famílias precisam trabalhar mais para conseguir o engajamento da próxima geração, que foi criada com boa educação e tem opções. Não é como duas gerações atrás, quando a melhor opção era entrar no negócio familiar. Hoje eles (a nova geração) podem fazer dez coisas diferentes, podem estar em qualquer lugar, nós os criamos para ter essas expectativas, e agora eles querem fazer outras coisas. Então temos que nos esforçar mais para atraí-los e engajá-los. Este é o primeiro fator: começar cedo e trabalhar muito no engajamento deles. Você não pode apenas falar “deixa fazerem o que quiserem e eles voltarão”. Talvez não voltem se você não encorajá-los. Em segundo lugar, você tem que fazê-los participar mais cedo em conversas importantes, precisa querer que a próxima geração se sinta parte da discussão – isso vai atrair talentos e fazê-los sentir que têm habilidade para ajudar a família. A terceira coisa é que a geração mais velha tem que ficar mais confortável em se afastar e deixar as pessoas mais novas fazerem coisas. E temos que encontrar papéis para os mais velhos, para que eles ainda sejam úteis e tenham influência. O problema é que estamos vivendo muito mais, é um ótimo problema, mas está causando dificuldades porque 30 ou 40 anos atrás as pessoas morriam cedo, a pessoa se aposentava com 65 anos, vivia mais três ou quatro anos e pronto. A geração atual viverá bem até os 90 anos, se não até após os cem anos. Estamos trabalhando com as famílias e tentando desenvolver boas estratégias para esse importante problema.

Qual é o conflito mais comum nessa fase atual das famílias empresárias?
Acredito que é o mesmo de sempre entre gerações, são as novas ideias versus as velhas ideias, e quem deve ter poder para fazer o quê. Se você voltar cem anos, era a mesma problemática entre gerações – as mais jovens chegam com ideias novas e diferentes, até mesmo diferentes expectativas, e a geração sênior tem o poder. Sempre foi igual, e nesse ambiente a geração júnior não é tão paciente e eles têm outras opções. Então eles vão embora, eles vão atrás de suas agendas pessoais em outros lugares. E isso não é porque eles não se importam com suas famílias – eles se importam. Eles só não estão dispostos a se submeter à autoridade de seus pais, pois eles não precisam. Seus pais ainda vão lhes passar suas riquezas e eles não querem fazer algo que seus pais queiram que eles façam. Então a próxima geração cada vez mais tem o poder nesse relacionamento.

Quais as principais virtudes que deve ter um sucessor atualmente?
Um bom sucessor convence a geração mais velha com a postura de “eu acredito nas coisas importantes que você faz e sou necessário para resolver novos problemas”. O sucessor precisa convencer seus pais de que eles acreditam na mesma coisa, que ele é necessário e que está pronto. Isso pode ser frustrante para os dois lados, mas esse é o grande quebra-cabeça que eles precisam resolver. Um bom sucessor deve ser uma pessoa na qual se pode confiar por mais que não se concorde com todas as suas ideias.

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