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A nova fronteira do malte

Com quantidade, diversidade e qualidade, cervejarias regionais suscitam o gosto local por cervejas especiais e conquistam reconhecimento nacional - Por Leo Laps.

Foto: Divulgação

Originada de um núcleo de colonização para germânicos católicos estabelecido nos anos 1920, Itapiranga carrega a reputação de berço da Oktoberfest no Brasil. A festa no pequeno município do Extremo Oeste do Estado, que faz divisa com o Rio Grande do Sul e fronteira com a Argentina, começou em 1978, seis anos antes da versão blumenauense – hoje muito maior e famosa. Mas foi somente em 2016 que outra grande tradição germânica surgiu em Itapiranga. Com nome em homenagem ao missionário que liderou a vinda dos colonos para a região, a Lassberg é a primeira cervejaria artesanal do município. A fábrica tem produção média de 400 mil litros mensais e distribui vários estilos de cerveja para quase toda Santa Catarina e regiões próximas nos dois estados vizinhos.

Fábrica da Lassberg, de Itapiranga - Foto: Divulgação

Daniel Rosolen e Leandro Sorgato eram sócios da FAI (Faculdades de Itapiranga) e não entendiam nada de cerveja até começarem uma pesquisa para montar um laboratório de fabricação da bebida para o curso de Tecnologia de Alimentos da instituição. O projeto acadêmico se mostrou inviável. Mas a dupla percebeu que havia ali uma grande oportunidade de negócio. Rosolen e Sorgato deram os primeiros passos da Lassberg com uma capacidade de produção de 20 mil litros mensais, que logo teve de ser aumentada.

“As pessoas não bebiam cerveja artesanal aqui porque não conheciam, não tinham acesso. Hoje, cervejarias como a nossa tomaram conta dos eventos regionais e, aos poucos, cada vez mais pessoas arriscam experimentar cervejas diferentes da pilsen”, conta Rosolen. A última edição da Oktoberfest de Itapiranga, por exemplo, teve como cervejarias exclusivas a Lassberg e a Unsa Bier, fábrica com capacidade para 1 milhão de litros mensais que se localiza no município vizinho de São João do Oeste. “O povo da cidade cultiva e se orgulha das tradições alemãs, e com a cerveja não é diferente”, garante Rosolen. As medalhas obtidas em competições nacionais como o Concurso Brasileiro de Cervejas e o Brasil Beer Cup ajudam a fomentar este brio local.

Detalhe da produção na Lassberg, de Itapiranga - Foto: Divulgação

Em silêncio | Mais de dois terços das 30 cervejarias artesanais da mesorregião Oeste de Santa Catarina foram fundadas depois de 2015. O número foi catalogado pelo especialista em tecnologia cervejeira e sommelier Jorge Mattos, autor do Anuário das Cervejas Artesanais de Santa Catarina, lançado no ano passado. Sócio da cervejaria Pata Negra, de São Bento do Sul, Mattos viajou 2.500 quilômetros para visitar todas as cervejarias do Estado, e se impressionou com o que viu no Oeste. “Eles estão silenciosamente se preparando para bater de frente com o Vale do Itajaí. As cinco maiores cervejarias produzem a cada mês 2,5 milhões de litros, um número absurdo. Os investimentos são feitos quase sempre por famílias do agronegócio e outras indústrias tradicionais da região que enxergaram no mercado cervejeiro uma boa oportunidade”, assinala Mattos.

  • 30 cervejarias artesanais

    na região Oeste

  • 2,5 milhões de litros

    Produção mensal das 5 maiores cervejarias

Quase metade dessas indústrias está localizada em municípios com menos de 20 mil habitantes. É o caso da Lassberg, da Unsa Bier e também da Big John, cervejaria de Descanso, município de 8 mil habitantes no Extremo Oeste. A fábrica foi inaugurada em 2017 pela empreendedora Diovana Strieder Schacker. Formada em Administração e casada com um médico, Schacker trabalhou por alguns anos na área da saúde, administrando clínicas de vacinação e farmácias. “Mas eu queria produzir algo, criar um produto, era este meu sonho. E tinha que ser aqui, no Oeste.” Em 2012, uma viagem de férias para a Alemanha trouxe a revelação: “Percebi que cada cidade, por menor que fosse, tinha sua fábrica de cerveja. A partir dali comecei a pensar que meu projeto de vida poderia muito bem ser uma cervejaria”, conta a empresária.

Diovana, da Big John: cervejaria se tornou projeto de vida - Foto: Divulgação

A Big John começou a operar com capacidade de produção mensal de 40 mil litros, com investimento inicial de R$ 2 milhões. O plano era chegar ao aniversário de dois anos produzindo e comercializando esse volume. Mas em apenas seis meses a fábrica já atingia a meta, e hoje trabalha com um volume de 316 mil litros mensais. Cerca de 60% da produção é consumida na própria região. “Fomos muito bem recebidos. O plano de negócios previa buscar bares em Curitiba, Florianópolis e São Paulo para vender a produção. Mas a gente consegue vender boa parte aqui, inclusive estilos mais complexos”, afirma Schacker, que planeja novos investimentos para aumentar a produção.

Big John, cervejaria de Descanso - Foto: Divulgação

Bem antes do boom recente de cervejarias no Oeste, os irmãos Markus e Ricardo fundaram com o pai, Karl, a primeira cervejaria artesanal da mesorregião Oeste. E não havia nome melhor do que o sobrenome da família, Bierbaum: literalmente, do alemão, “Árvore de Cerveja”. A cervejaria foi criada em Treze Tílias, município fundado por imigrantes do Tirol, em 2004 – dois anos depois da pioneira Eisenbahn, de Blumenau. Hoje, a Bierbaum tem uma fábrica de 4.500 metros quadrados com capacidade para 1 milhão de litros mensais, e se consolidou como uma das marcas mais conhecidas do Estado, presente nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste e com uma série de premiações em concursos nacionais e internacionais.

Natural da Áustria, Karl conheceu o Brasil no final dos anos 1960, quando veio realizar um trabalho de ajuda humanitária como marceneiro em Erechim (RS). Conheceu a esposa, de Treze Tílias, e voltou para a Europa com ela. Lá Markus nasceu. A família voltou para o município do Meio Oeste em 1971, onde fundou o primeiro hotel da cidade e, duas décadas depois, um restaurante que até hoje é um dos maiores atrativos da cidade, o Edelweiss.

Bierbaum, de Treze Tílias: ideia inicial era servir a cerveja só no hotel - Foto: Divulgação

A Bierbaum deu seus primeiros passos com uma pequena fábrica anexa ao restaurante da família, com uma produção de apenas 3 mil litros mensais. “Eu havia morado na Europa dos 18 aos 23 anos e lá conheci este mercado cervejeiro tão diverso. Dez anos depois, vendo cervejarias como a Eisenbahn, a Alpen Bier (São Bento do Sul) e a Zehn Bier (Brusque) nascendo, pensamos que seria interessante produzir nossa cerveja em uma cidade turística como Treze Tílias. A ideia inicial era apenas servi-las no próprio Edelweiss”, comenta Markus. Mas a demanda da comunidade por cervejas para festas e eventos na região fez a produção quintuplicar em apenas seis meses.

A fábrica seguiu no mesmo local até 2020, quando a necessidade de melhorar processos e aumentar a capacidade produtiva obrigou a Bierbaum a se mudar, deixando apenas um aconchegante pub junto ao Edelweiss para receber turistas e locais. As novas instalações, com uma área cinco vezes maior e apenas 35 funcionários, foram concebidas dentro dos preceitos da indústria 4.0, com o máximo de automação, padronização de produtos e tecnologia de ponta.

Detalhe da produção na Bierbaum, de Treze Tílias - Foto: Divulgação

Formação | Um elemento importante para entender o crescimento da indústria cervejeira não apenas no Oeste, mas em todo o Estado, é a disponibilidade de cursos de formação na área. Empresas especializadas em educação cervejeira, como o Science of Beer, de Florianópolis, e a Escola Superior de Cerveja e Malte, de Blumenau, são consideradas chave para o desenvolvimento do segmento com qualidade e profissionalismo. Foi justamente estudando em Blumenau que Alessandro Robson Lahm conseguiu, junto aos sócios Mickey Villa, Alexandre Pasinatto e Vanderlei Riffel, tornar a Cervejaria Enigma, de Maravilha, não apenas uma realidade, mas uma marca premiada.

A Enigma foi inaugurada em 2018 por amigos de escola que começaram a fazer cerveja caseira na garagem da mãe de Lahm. O brewpub (pub que conta com uma fábrica no mesmo local) fica em uma das principais ruas de Maravilha, e depois de começar com uma produção de apenas 1.500 litros por mês, hoje fabrica 50 mil litros de quase 20 estilos diferentes de cerveja. O plano, segundo Lahm, o mestre cervejeiro, é se manter neste patamar de produção com cervejas de maior valor agregado e estilos diferenciados.

Em 2021, a microcervejaria conquistou o prêmio de terceira melhor IPA do Brasil no Concurso Brasileiro de Cervejas. Estilo de cerveja mais consumido no Brasil depois das tradicionais pilsen/lagers, também é o que mais recebe inscrições no evento, o que torna a premiação ainda mais celebrada. Ano passado, a Double IPA da Enigma obteve medalha de ouro no mesmo concurso. “As premiações nos credenciaram para vender em todo o Estado, e fomos a cerveja do mês no Clube do Malte (maior empresa de assinatura de cervejas do País)”, conta Lahm.

Lahm, Villa e Pasinatto, fundadores da Enigma: medalha de ouro - Foto: Divulgação

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