Os futuros tecnólogos Joziane, Thurow, Bloemer e Gonçalves: prática na indústria associada à visão pedagógica do UniSENAI - Fotos: Leo Laps
Aos 20 anos de idade, Lucas Vicenzo Thurow trabalha como operador de máquina de conformação na Fey, metalúrgica de Indaial que transforma mensalmente 2 toneladas de aço em fixadores para as indústrias automobilística, agrícola e outras. Na metade do ano passado, o jovem começou a encontrar outros 28 colegas de trabalho após o expediente em uma sala de aula do UniSENAI a cerca de 3 quilômetros da fábrica.
Esta deve ser a rotina dos próximos anos, até todos obterem o diploma de tecnólogo do curso de Tecnologia de Gestão da Produção Industrial, a primeira graduação dual do UniSENAI, instituição de ensino superior que em julho de 2022 obteve oficialmente, junto ao Ministério da Educação (MEC), status de centro universitário – condição intermediária entre faculdade e universidade, denotando maior qualidade e autonomia, maior oferta de ensino e uma dedicação muito mais intensa a projetos de pesquisa e extensão.
Lucas estava prestes a iniciar uma graduação na vizinha Blumenau quando seu gerente sugeriu que esperasse o lançamento do curso em Indaial, criado a partir de uma parceria envolvendo o UniSENAI, a Fey e o Simmmei, sindicato que congrega as indústrias metalmecânicas e de material elétrico de Indaial.
Sala de aula do UniSENAI em Indaial: graduação dual tem aulas teóricas e práticas - Foto: Leo Laps
Inspirada em uma metodologia de ensino criada na Alemanha, a graduação dual prevê que parte da carga horária seja realizada dentro de empresas. “Em apenas um semestre o curso me permitiu ter uma visão mais ampla dos processos e de onde minha parte se encaixa no fluxo de produção”, diz Lucas Thurow.
“Na graduação dual o aluno aprende e pratica. A formação é baseada em projetos aplicados dentro de empresas com mentoria, inclusive de profissionais de indústrias, mas orientado por uma visão pedagógica de formação na metodologia do SENAI”, diz Fabrizio Machado Pereira, diretor regional do SENAI/SC e reitor do UniSENAI.
Fernando Fey, diretor da metalúrgica, espera que a nova graduação ajude a formar tomadores de decisão que possam estar à frente de desafios estratégicos das organizações. “Cada vez mais o ambiente produtivo exige profissionais que saibam atuar de forma lógica, resolutiva, interpretando informações e utilizando ferramentas tecnológicas a seu favor. Acreditamos que o curso busca desenvolver os alunos exatamente para este escopo”, diz o empresário, que inicialmente ficou receoso com relação às aulas na indústria.
“Sabíamos que a expectativa dos alunos seria alta, e ter um curso superior dentro de casa seria algo totalmente novo para nós”, afirma. “Porém, nos motivamos muito ao perceber que estávamos proporcionando também uma nova experiência para os envolvidos. Todos aprendem e crescem com esta iniciativa”, diz Fey.
O curso agrega estudantes que trabalham em empresas distintas do município. Luiz Elizeu Gonçalves, por exemplo, trabalha na Maksell. Aos 51 anos, foi indicado pela empresa para fazer sua primeira graduação por já exercer um papel de liderança dentro da fábrica de móveis para padarias e lanchonetes. Joziane Gralha, única mulher do grupo, é proprietária da JR Materiais Elétricos e atua nas áreas financeira e de recursos humanos. Busca com o curso entender melhor os processos industriais.
Um dos mais jovens da turma é Diogo Bloemer, desenhista mecânico da Metalúrgica Schild, que transforma o aprendizado em novas possibilidades para a fábrica de dobradiças em Indaial. “Conhecer e trabalhar na Fey durante o curso trouxe muitas informações sobre processos, indicadores e gráficos. É uma oportunidade que abre muitos caminhos”, afirma o jovem de 19 anos. A Bellota, fabricante de máquinas agrícolas, também tem alunos no programa.
No curso, pelo menos 30% das disciplinas precisam ocorrer dentro da Fey e o conteúdo é avaliado mensalmente. “É aula prática mesmo. No semestre passado tivemos disciplinas de saúde e segurança no trabalho. Os alunos tiveram as aulas teóricas e depois foram fazer avaliação das condições de segurança e riscos na fábrica”, exemplifica Tathiana Pettenuci da Silva, coordenadora do curso.
O SENAI de Santa Catarina, o da Bahia e o do Paraná são os únicos no País, atualmente, a ter status de centro universitário. A sede da instituição catarinense – que soma 25 anos de trabalho com ensino superior – fica em Blumenau, junto ao SENAI. Há ainda quatro campi espalhados pelo Estado: em Chapecó, Florianópolis, Jaraguá do Sul e Joinville. Até o anúncio do MEC, cada uma dessas unidades trabalhava de forma independente.
UniSENAI Blumenau - Foto: Arquivo FIESC
Conexão | Agora eles formam uma estrutura com mais de 11 mil alunos e 70 cursos de graduação, pós e extensão, voltados para a formação de tecnólogos ou engenheiros e sempre com uma forte conexão com a indústria catarinense, que participa de um comitê setorial que avalia e sugere modificações nas matrizes curriculares. Os cursos de engenharia começaram em 2018, e em fevereiro se formaram as primeiras turmas nos campi Jaraguá do Sul, Joinville e Blumenau, nas áreas de engenharia mecânica, produção e controle e automação.
O modelo de graduação dual aplicado junto à Fey deve ser replicado em todos os campi. A indústria de porcelanatos e cerâmicas Portobello, por exemplo, já desenvolve um curso que deve começar no segundo semestre deste ano no campus de Florianópolis. Em Chapecó, a Desbravador Software vai criar junto ao UniSENAI uma graduação voltada para a área de TI. No Vale do Itajaí, a propaganda positiva da experiência com a Fey já despertou interesse de outras empresas da região para construir cursos de graduação.
Além disso, cursos de pós-graduação in company como uma pós em Desenvolvimento Técnico de Produtos 4.0 realizado com a Renner, um MBA em Lean Executive Sensei com a consultoria Honsha e o MBI (Master in Business Innovation) em Mobilidade Elétrica e Energias Renováveis desenvolvida junto à WEG são alguns exemplos de cocriação de produtos de ensino superior do UniSENAI.
No caso do MBI, a primeira turma de 53 profissionais concluiu o curso no início do ano. Uma nova turma inicia o programa em março, de forma virtual, usando o ambiente do UniSENAI Digital, além de quatro encontros presenciais ao longo de nove meses. A pós-graduação terá um módulo para desenvolvimento de projetos para cidades inteligentes com aplicação no mundo real, além de uma missão internacional.
“No UniSENAI tudo é construído a quatro mãos, com cursos absolutamente customizados para um determinado setor de uma determinada região. É feito à mão, no estilo alfaiataria, sempre com o DNA da indústria”, afirma Fabrizio Pereira. Com essa abordagem, o grande propósito do UniSENAI é se posicionar como a “universidade da indústria”. “A instituição tem forças que são únicas: a relação com a indústria, a metodologia de ensino que se suporta toda na prática, o saber fazer. O UniSENAI é uma instituição para transformar, para fazer acontecer”, afirma Bárbara Yadira Mellado Pérez, pró-reitora de Ensino e Extensão do UniSENAI de Santa Catarina.
Atuar para além das fronteiras nacionais é um dos pontos onde o UniSENAI quer avançar mais nos próximos anos, pois como centro universitário tem todas as condições para desenvolver parcerias e alianças estratégicas com instituições de ensino superior que possuem características similares. A ideia é qualificar os docentes através de intercâmbios, imersões e formações e levar alunos para experiências internacionais.
Recentemente, a instituição levou representantes em comitivas que visitaram universidades no Canadá, no Japão e em Singapura. Na América do Norte, Fabrizio Pereira participou de uma Missão Internacional do Emerging Leaders in the Americas Program (ELAP), um programa oferecido pelo governo canadense para visitar instituições com foco em temas como inteligência artificial, machine learning, ciências da computação, análise de big data e engenharia.
Fabrizio Machado Pereira diretor regional do SENAI/SC e reitor do UniSENAI: “Tudo é construído a quatro mãos, com cursos absolutamente customizados para um determinado setor de uma determinada região” - Foto: Filipe Scotti
Vocações | As tratativas para fechar parcerias em pesquisas e projetos voltados para a indústria 4.0 devem ser concretizadas ainda este ano. A visita também trouxe insights sobre metodologias de ensino superior e novos modelos de formação. No Mohawk College, em Ontário, por exemplo, Pereira percebeu o potencial do processo de vocacionalização dos alunos: “A ideia é gerar itinerários formativos mais individualizados e fazer uma jornada de carreira com o aluno, de acordo com sua vocação”.
A pró-reitora de Ensino e Extensão representou o UniSENAI na comitiva que viajou para a Ásia no final do ano passado. De lá trouxe duas conclusões. Primeiro, a importância de se desenvolver novos modelos e metodologias que oportunizem inovação, participação e inclusão. Em segundo lugar, a certeza de que é necessário criar relações interuniversitárias dentro e fora do País. “Não é mais possível avançar sozinho. Hoje precisamos de redes de conhecimento. Por isso estamos abertos, buscando parcerias inclusive regionais”, diz Pérez.
O upgrade de faculdade para centro universitário alavancou os projetos de pesquisa dentro da instituição. Em 2022, mais de 20 projetos foram aprovados em fontes de fomento à pesquisa. O UniSENAI Campus Chapecó, em parceria com a Unoesc Joaçaba e a Olympic College, dos Estados Unidos, foram premiados pelo Fundo de Inovação 100K Strong – Partners of the America para desenvolver uma bicicleta ergométrica que utiliza condução mioelétrica, com o objetivo de auxiliar no processo de recuperação de lesões na medula espinhal. Participam do projeto alunos de engenharia mecânica e de graduação tecnológica em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
Bárbara Mellado Pérez pró-reitora de Ensino e Extensão do UniSENAI/SC: “É necessário oportunizar relações interuniversitárias dentro e fora do País. Não é mais possível avançar sozinho. Hoje precisamos de redes de conhecimento” - Foto: Leo Laps
Cálculos | Os alunos vão aplicar conceitos e tecnologias como machine learning e inteligência artificial para criar um sistema de recomendação de tratamento para pessoas com lesão na coluna espinhal. “A ideia é baratear o tratamento ao maximizar o trabalho de um fisioterapeuta, que poderá atender mais pacientes ao mesmo tempo com o auxílio do equipamento”, diz o coordenador do projeto de pesquisa, Valério Piana.
Um dos jovens que participa do projeto é Vinícius Chagas, estudante do segundo semestre de Engenharia Mecânica do UniSENAI Campus Chapecó. Com 21 anos, ele deve ser um dos alunos que participarão do intercâmbio nos Estados Unidos no segundo semestre deste ano. “O projeto tem muitos desafios e dificuldades, e nos faz ver conteúdos e realizar práticas que em outras universidades só teríamos acesso no final do curso. Tivemos oportunidade de entender como os engenheiros fazem cálculos na indústria, adequando nosso protótipo de acordo com os custos, espaço e dimensionamentos”, detalha.
Vinícius Chagas: projeto de pesquisa para recuperação de lesões na medula - Foto: Suellen Santin
Vinícius participou da modelagem do protótipo da bicicleta, e neste começo de semestre deve focar no dimensionamento e modelagem dos pedais e do motor elétrico do equipamento. “Jamais imaginaria que logo no segundo semestre eu já estaria tendo esse leque de oportunidades e o conhecimento que estou adquirindo”, afirma o futuro engenheiro.
- 70 cursos: de graduação, pós-graduação e extensão;
- 11,3 mil alunos;
- 215 docentes;
- Campi em Blumenau (sede), Chapecó, Florianópolis. Jaraguá do Sul e Joinville