Foto: Ivan Ansolin
A sensação de isolamento é compartilhada pela população da região Oeste desde sempre, e fatos históricos a justificam. Já ia longe o século 20 e o Oeste era desconhecido pelo próprio Estado de Santa Catarina, tanto que foi necessário ao governador Adolfo Konder realizar uma viagem de reconhecimento – em lombo de burro – em 1929. A “Bandeira Konder” também objetivava marcar presença em um território que ainda era cobiçado pelo Paraná e pela Argentina. Foram construídas as primeiras estradas e escolas, mas o esforço ainda seria insuficiente para integrar o Oeste.
Somente décadas mais tarde esta agenda andaria com a criação, pelo Governo do Estado, da Secretaria do Oeste, que possuía orçamento próprio e autonomia administrativa. A infraestrutura deu um salto, assim como projetos de extensão rural, o que sustentou a forte expansão da agroindústria. A construção dos principais trechos das BRs 163, 282 e 470 conectaram o Oeste ao litoral e permitiram o acesso aos portos, dando vazão à vocação exportadora da agroindústria.
Mas não se avançou muito depois disso, e em alguns casos houve retrocesso. Não há mais ferrovias e a infraestrutura rodoviária está defasada em 30 anos. Diferentemente de outras regiões do Estado, não há oferta de gás natural canalizado para a indústria. Há insuficiência de redes trifásicas de energia elétrica. Secas constantes resultam em problemas de falta de água e de saneamento em diversos pontos. “O sentimento na região é um só: o Oeste não pode mais esperar para a superação das graves e crônicas deficiências que a região enfrenta”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.
De acordo com Aguiar, há risco real de migração de investimentos para outras regiões, percepção que é compartilhada pelos empresários locais. “O parque agroindustrial está ameaçado em sua competitividade em razão das históricas deficiências infraestruturais que abalam sua eficiência”, diz Neivor Canton, presidente da Aurora Coop, para quem a infraestrutura da região vive uma situação de “abandono crônico”.
Álvaro Luis de Mendonça, vice-presidente da FIESC para o Alto Uruguai Catarinense: “Nossa região sempre foi muito abandonada pelos governos. O que queremos do setor público é uma boa infraestrutura para trazer o que precisamos e enviar o que produzimos” - Foto: Arquivo FIESC
Para a indústria de aves e suínos, o ponto de maior estrangulamento é o acesso aos grãos. É necessário trazer de outros estados e países 5 milhões de toneladas de milho e soja por ano para a fabricação de rações, e a precariedade do transporte rodoviário encarece – estima-se gasto de R$ 6 bilhões por ano – e aumenta o risco das operações. A condição é um risco à manutenção das atividades industriais em Santa Catarina, pois nesse aspecto outras regiões do País são mais competitivas.
Diante da falta de soluções do setor público, empresários financiaram estudo para a construção de uma ferrovia que ligue o Oeste do Estado à Região Centro-Oeste do País, onde mais se produz grãos. A ideia é que seja construído um ramal da companhia paranaense Ferroeste – que fará a ligação entre Mato Grosso do Sul e o porto de Paranaguá (PR) – entre Chapecó e Cascavel (PR). De acordo com o estudo, há viabilidade econômica para a empreitada e ela pode ser realizada pelo setor privado, de acordo com o marco legal para ferrovias.
Mesmo que o projeto se concretize, há outros desafios logísticos para o problema dos grãos, como a armazenagem. A capacidade existente na região corresponde a cerca de 40% da demanda, o que é muito inferior ao necessário para que o setor não fique dependente de aquisições constantes de cargas, sujeitas à escassez e às enormes flutuações de preços das commodities agrícolas.
Outro “sonho” do empresariado local é a ferrovia Oeste-Leste, ligando o Oeste ao litoral e facilitando o escoamento da produção para os portos e mercados consumidores. Para a FIESC, os projetos ferroviários são importantes, mas para que sejam viáveis devem estar incorporados em um contexto mais amplo.
A proposta da Federação contempla a estruturação de um complexo ferroviário multimodal para contêineres e cargas de valor agregado, que inclui as ferrovias Oeste-Leste e a Litorânea, ambas conectadas à Malha Sul, o que permitirá o acesso aos principais mercados consumidores e de suprimentos para a indústria do Brasil e o mercado internacional, por meio dos portos. “Este é um projeto que deve ser perseguido, mas é de longo prazo”, diz Egídio Martorano, gerente de Assuntos de Transporte, Logística, Meio Ambiente e Sustentabilidade da FIESC.
A melhoria imediata da infraestrutura regional passa pelas estradas. Com volume médio diário de 150 mil veículos, o corredor rodoviário estratégico da região do Grande Oeste compreende um eixo principal, que inclui as BRs 163 e 282, na região Oeste, e a BR-470, no Vale do Itajaí. É considerado um dos mais importantes para a economia de Santa Catarina por conectar o polo industrial do Oeste aos mercados.
Por ser considerado um corredor estratégico deve ter, no entendimento da FIESC, prioridade na destinação de investimentos. Em sua Agenda Estratégica para a Infraestrutura de Transporte e a Logística Catarinense 2023 a FIESC avalia que para adequação da capacidade das estradas, faixas adicionais, sinalização, instalação de balanças, melhoramentos diversos, construção de travessias urbanas e de pontes são necessários recursos da ordem de R$ 1 bilhão nos próximos quatro anos para a região Oeste.
Trechos de rodovias estaduais: falta de manutenção compromete a logística - Foto: Ricardo Saporitti/FIESC
Política de estado | A rede estadual de rodovias que integra o corredor é precária. Levantamento realizado pelo engenheiro Ricardo Saporiti, consultor da FIESC, constatou que o estado de manutenção de 10 rodovias estaduais que se constituem em subtrechos das BRs 282 e 158 é crítica. “A região abrangida por esses subtrechos é responsável por grande parte da produção de aves, suínos e soja de Santa Catarina”, diz Saporiti.
No geral, pelo menos 60% das rodovias estaduais da região estão em condições precárias. Nesse caso, o mínimo de recursos necessários para fazer restauração, conservação e manutenção preventiva é um montante anual de R$ 50 milhões. Mas só o dinheiro não resolve. “É preciso avançar muito na gestão pública, com a definição de uma política de estado para a conservação do patrimônio rodoviário catarinense”, afirma Martorano.
No caso das rodovias federais, a necessidade total de investimentos é de R$ 600 milhões, mas a FIESC definiu uma lista de prioridades para 2023 que envolvem valores de R$ 300 milhões. Para Saporiti, é urgente contemplar os trechos entre Chapecó e São Miguel do Oeste (BR-282) e entre Maravilha, Cunha Porã e Palmitos (BR-158 e SC-283).
Outro caso emblemático dos entraves logísticos da região é a BR-163, no Extremo Oeste. Em pouco mais de 65 quilômetros entre as cidades de São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira, obras inacabadas por problemas em projetos e editais, demora em repasses de recursos e falência de empreiteira criaram um cenário de esqueletos de obras inacabadas em acessos a cidades, desvalorização de imóveis, elevação dos custos logísticos das indústrias, queda do movimento turístico e medo de transitar pela rodovia. “O atraso de dez anos para executar obras em um trajeto tão pequeno causou grandes prejuízos à região”, diz Cleonor José Mahl, presidente do Sindicato da Indústria da Construção e de Artefatos de Concreto Armado do Extremo Oeste de Santa Catarina.
Alternativas | No ano passado a BR-163 era considerada a pior rodovia federal do País quando as obras foram retomadas com recursos do Governo do Estado, que fez um aporte total de R$ 465 milhões em rodovias federais em Santa Catarina – cerca de R$ 100 milhões estão sendo destinados à BR-163. Pode ser o começo do fim de um pesadelo que assombra a região há anos, mas é necessário dar continuidade às obras e o dinheiro está acabando, daí o senso de urgência da FIESC.
A precariedade na BR-163 afeta os processos da Sollos, fabricante de móveis com design exclusivo (leia matéria de abertura do Especial Região Oeste). Localizada em Princesa, a companhia depende de uma estrada estadual em péssimo estado e da BR-163 para que sua matéria-prima chegue ao parque fabril e que os produtos sejam despachados. Desgaste e quebras nos equipamentos de logística e desperdício de tempo resultam em aumento nos custos de fretes. Nos últimos anos, a empresa se viu obrigada a aumentar o estoque de matérias-primas, realizar revisões preventivas mais frequentes nos equipamentos e frota e buscar rotas alternativas para saída dos produtos.
Toda a indústria da região se tornou refém da rodovia. No caso da Macodesc Construtora e Incorporadora, de São Miguel do Oeste, são constantes os atrasos e o encarecimento de obras e serviços, além do afastamento de investidores. A empresa busca alternativas, mas elas nem sempre são possíveis. “Nossa posição geográfica é um pouco desfavorável e tudo o que consumimos vem de todos os lados por rodovias que obrigatoriamente caem na BR-163 e BR-282”, conta Elias Rogério Lunardi, CEO da Macodesc.
Lunardi: aumento de custos e afastamento de investidores - Foto: Ivan Ansolin
A Dipães, indústria de alimentos panificados, tem o parque fabril sediado na cidade de Paraíso, às margens da BR-282, a cerca de 35 quilômetros do entroncamento com a BR-163. Para a empresa, é alto o custo de manutenção dos caminhões e há muita perda de tempo na rodovia. “Muitas vezes precisamos buscar novas rotas, mas isso encarece o produto e atrasa nossas entregas”, afirma o diretor Volmir Meotti, que também destaca a infraestrutura precária na divisa com a Argentina. A ponte sobre o Rio Peperi-Guaçu que liga Paraíso à cidade argentina de San Pedro tem mais de 30 anos. Uma das prioridades defendidas pela FIESC para 2023 é a construção de uma nova ponte.
Tapete cinza | Com a injeção de recursos do Governo Estadual na BR-163, há cerca de um ano um tapete cinza começou a ser implantado e hoje corta os vales do Extremo Oeste, o trecho do Km 78,6 ao Km 122,6 – entre Guaraciaba até a divisa com o Paraná, e em Dionísio Cerqueira, no acesso à Aduana Porto Seco da Receita Federal. A obra está em fase final de execução. Comparada a rodovias de primeiro mundo, esse trecho da BR-163 recebe uma camada de 23 centímetros de concreto que forma o novo pavimento rígido. Também são construídas vias laterais, interseções e acessos.
No início do ano os trabalhos estavam concentrados entre as cidades de São José do Cedro e Guaraciaba, com grande parte já com o pavimento implantado. A pavimentação deve seguir até Dionísio Cerqueira. Na cidade fronteiriça, a implantação de um porto seco pela empresa Multilog promete melhorar ainda mais o cenário logístico da região. O projeto prevê a construção de um armazém de 2 mil metros quadrados e outras estruturas, como pátio para químicos e câmaras frias. O porto seco deverá suportar a movimentação prevista de 2.500 caminhões por mês.
Entretanto, a divisão do projeto de revitalização da BR-163, com trechos de Guaraciaba a Dionísio Cerqueira e de Guaraciaba a São Miguel do Oeste, causou estranheza a grande parte dos empresários, que não entenderam a estratégia e não sabem se o restante será atendido pela revitalização do mesmo padrão – o segundo trajeto também apresenta graves danos. Os recursos estão terminando, e até o fechamento desta edição não havia definição sobre novos aportes para a continuidade da obra.
Obras na BR-163 em Guaraciaba: camada de 23 centímetros de concreto - Foto: Ivan Ansolin
Travessias | Situação semelhante se observa na BR-470, no Vale do Itajaí, que complementa o corredor estratégico do Oeste. A estrada recebe recursos do Governo do Estado, mas não há garantia acerca da continuidade dos investimentos necessários à conclusão. O outro eixo do corredor, a BR-282, que corta a região, precisa de obras de adequação de capacidade, eliminação de pontos críticos, implantação de terceiras faixas, restauração de pavimentos e implantação de travessias urbanas, entre outros. Sem contar com dinheiro do Governo do Estado, as melhorias da BR-282 dependem da liberação de recursos federais.
“Infelizmente nossa região está bem defasada em relação à evolução da infraestrutura logística. Além de rodovias precárias temos um aeroporto pequeno, com poucas opções de voos”, diz Cláudio Frank, diretor da Sollos, referindo-se ao aeroporto de Chapecó, o principal da região, que passa por reformas. Frank é um empresário globalizado, colecionador de prêmios internacionais e com vendas para mais de 30 países. Mas não esconde a sensação de isolamento que acomete os empresários da região Oeste.
A necessidade nos próximos 4 anos para adequar as rodovias do Oeste de SC é de R$ 1 bilhão - Foto: Ivan Ansolin