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Camarões das profundezas

Barco Cordeiro de Deus, de Navegantes, localiza e captura os valorizados camarões-carabineiros em profundidades de até um quilômetro, e os produtos são limpos, processados e embalados ainda a bordo - Por Leo Laps.

Foto: Shutterstock

No ano passado o chef Mateus Proença, proprietário do restaurante Nakaixa Sushi, de Florianópolis, foi buscar conhecimento para sair do que ele considerava “a mesmice do cream cheese e do salmão” que domina o cardápio dos estabelecimentos dedicados à gastronomia japonesa no Brasil. Por meio de cursos realizados em São Paulo ele apurou técnicas e conheceu melhor a história da culinária milenar do país asiático, mas uma de suas melhores descobertas foi o camarão-carabineiro, um crustáceo de cor vermelho vivo que pode atingir 35 centímetros de comprimento e tem um sabor delicado, adocicado e com muito umami (o quinto gosto básico do paladar humano, descoberto em 1908 pelo cientista japonês Kikunae Ikeda). A espécie, cujo nome científico é Aristaeopsis edwardsiana, ganhou fama nacional recentemente, através de uma publicação viral nas redes sociais da chef-celebridade Paola Carosella, no começo do ano. O preço médio, no entanto, não é dos mais populares: valores apurados na Região Sudeste variam entre R$ 270 e R$ 400 o quilo.

O único barco com permissão para pescar o camarão-carabineiro na costa brasileira é o Cordeiro de Deus, uma embarcação com 27 metros de comprimento que funciona como uma fábrica, limpando, processando e embalando os animais pescados ainda em alto-mar. O barco foi construído na Foz do Rio Itajaí-Açu, envolvendo empresas e estaleiros de Itajaí e Navegantes e contando com a dedicação e empenho de Manoel Cordeiro, um armador empreendedor que já foi tema do programa Globo Mar, da Rede Globo, em 2013, quando pescava outra espécie “diferente”: o peixe-sapo, uma iguaria pouco servida nas mesas brasileiras mas que faz muito sucesso na Europa e nos Estados Unidos.

Nascido há 54 anos no Bairro Gravatá, em Penha, Manoel Cordeiro tem água salgada no sangue. “Nasci no mar”, brinca. O pai pescava camarão-sete-barbas e ele seguiu seus passos. Aos 16 anos de idade começou a trabalhar embarcado e aos 25 anos se tornou mestre de um pesqueiro de cação-anjo. Notabiliza-se por sempre buscar alternativas para fugir da concorrência e fazer algo diferenciado. Em 2002, juntando suas economias e contando com a ajuda do pai e do irmão, montou e equipou um barco diferenciado, com porão refrigerado e revestido de inox e equipamento hidráulico para içamento, com a finalidade de capturar e processar o peixe-sapo.

Manoel Cordeiro diz que tem água salgada no sangue: “Nasci no mar” - Foto: Edson Junkes/Arquivo FIEC

Adaptações | Os primeiros passos para o projeto do novo barco, que iniciou os testes em alto-mar em setembro do ano passado, começaram em 2016, e a construção, que demandou 110 toneladas de aço, começou no ano seguinte. A ideia inicial era que o barco fosse dedicado à pesca do peixe-sapo, somando esforços à outra embarcação. Porém, em 2018, a Europa suspendeu a importação de peixes do Brasil, o que causou enorme prejuízo a Cordeiro. O armador buscou uma alternativa de pesca de profundidade para seguir adiante com o projeto, e foi assim que chegou ao camarão-carabineiro, o que exigiu uma série de adaptações ao projeto. As dificuldades, entretanto, continuaram. Na pandemia os preços de insumos e peças chegaram a triplicar.

Etapa final da construção do barco-indústria: preços de insumos dispararam - Foto: Divulgação

“Tive que buscar no mercado de segunda mão, comprar coisas em ferros-velhos ou em estaleiros que estavam fechando. Foi um período muito complicado, de quase desistir do projeto”, relata Cordeiro. A antiga embarcação de peixes-sapos também se chamava Cordeiro de Deus e pode ser considerada uma espécie de protótipo, com tripulação dedicada a eviscerar os peixes e deixá-los prontos para a distribuição em terra firme. O modelo atual tem inovações como uma sonda que desce a mais de 800 metros de profundidade para rastrear os camarões e um sistema de congelamento que, em meia hora, coloca a carne limpa e processada a 35 graus negativos. Tudo que é pescado é despejado diretamente dentro da fábrica do barco, que fica no meio do casco.

Apesar de enfrentar problemas de saúde que exigem tratamento contínuo, Cordeiro faz questão de embarcar por até 40 dias a bordo do seu barco, com mais 10 tripulantes, para comandar a pescaria do camarão-carabineiro, que representa quase 90% do que é puxado pelas redes do Cordeiro de Deus – alguns peixes e crustáceos como o caranguejo real também acabam sendo aproveitados. “É uma pesca muito difícil, um trabalho duro, mas que compensa quando se vê o camarão subindo na rede, com aquela cor muito linda. Passei muita dificuldade para construir este barco. Tive que me desfazer do outro barco e de vários imóveis para fazer acontecer e, agora, ver que está dando certo motiva muito”, conta o armador.

O Cordeiro de Deus já se firmou como uma referência na região de Itajaí, que concentra o maior polo pesqueiro industrial do Brasil. O Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) congrega mais de 300 associados, 254 armadores e 467 embarcações que geram aproximadamente 3.500 empregos diretos. O polo pesqueiro é formado ainda por 48 indústrias, entre elas as duas maiores enlatadoras da América Latina, que geram mais de 6 mil empregos diretos. “A embarcação Cordeiro de Deus é um modelo do que é a pesca industrial e do que buscamos enquanto entidade: uma pesca cada vez mais rentável e sustentável”, afirma Agnaldo Hilton dos Santos, presidente do Sindipi.

Hábitos | Cordeiro ainda está aprendendo sobre os hábitos e mapeando os melhores lugares para encontrar o camarão-carabineiro. Mas a cada saída de mais de um mês para alto-mar ele retorna com uma média de 4,5 toneladas. Os principais locais de pesca ficam em águas próximas a Cabo Frio, no Rio de Janeiro, São Sebastião, em São Paulo, em toda a Costa do Paraná e entre Itajaí e Florianópolis, sempre em profundidades que variam de 400 metros a até um quilômetro. Atualmente, toda a produção do barco é entregue para a Frescatto Company, uma das maiores indústrias de pescados do Brasil, que distribui o crustáceo para restaurantes de todo o País, além de exportar o produto para a Europa e Estados Unidos.

Nem toda, na verdade. A família de Cordeiro, que tem suas duas filhas morando em casa, tem o privilégio de degustar com frequência pratos confeccionados pelo próprio armador, que separa alguns espécimes para cozinhar quando não está em alto-mar. Atualmente, é raro encontrar o camarão-carabineiro em uma peixaria: o produto é negociado pela Frescatto principalmente com restaurantes como o do chef Mateus Proença, em Florianópolis. O fundador do Nakaixa usa a iguaria em um menu especial, intitulado Confiança, em que ele prepara um prato do dia com o que tem de melhor na sua cozinha. “Os clientes saem daqui deslumbrados com o tamanho, a cor do camarão e, principalmente, o sabor. Sempre aproveito para contar um pouco sobre o trabalho do seu Manoel, que é algo fantástico”, elogia o chef.

Pratos do Nakaixa Sushi, do chef Mateus Proença: sabor do camarão impressiona - Foto: Divulgação

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