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A Educação de Jovens e Adultos (EJA) oferecida pela FIESC atingiu, no final do ano passado, a marca de 100 mil pessoas formadas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. A maioria dessas pessoas estava vinculada a indústrias no período em que realizou os estudos, o que permitiu a conclusão das etapas da educação básica. Boa parte delas se manteve empregada no mesmo local após a formatura, passando a exercer funções mais complexas e ter melhor remuneração do que antes. Em muitos casos, o investimento realizado pelas empresas na educação de seus trabalhadores esteve associado a investimentos em processos produtivos e implantação de tecnologias fabris mais avançadas, que permitiram a elevação da produtividade.
É sabido, por meio de pesquisas, que trabalhadores com pouca educação formal realizam apenas tarefas mais simples, contribuindo pouco para a criação ou operação de inovações. É o oposto do que ocorre com os mais qualificados, que são capazes de se adaptar a novos sistemas produtivos e à realização de tarefas complexas. “A educação dos trabalhadores é um fator gerenciável pelas empresas e pode estar alinhada ao seu planejamento estratégico”, destaca Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.
Ao longo dos 25 anos desde que a modalidade começou a ser oferecida pelo SESI catarinense, cresceu a percepção entre as indústrias de que investir na educação não é apenas um benefício aos trabalhadores ou um item importante da atuação social das empresas, mas também pode ser uma ferramenta para elevação da produtividade por meio da qualificação do capital humano, além de essencial para a retenção de talentos. Em alinhamento a essa percepção, desde 2017 é oferecida pelo SESI a modalidade de EJA Profissionalizante. Nela, ao mesmo tempo que conclui a educação básica o aluno tem acesso a cursos de qualificação profissional oferecidos pelo SENAI, adequados às demandas específicas da empresa a que está vinculado.
Mais de 500 indústrias já foram atendidas pela EJA do SESI em Santa Catarina, que é oferecida de forma gratuita para os trabalhadores da indústria. Uma das maiores parceiras é a Tupy, de Joinville. De 2006 até outubro de 2024, exatos 417 colaboradores da Tupy concluíram o ensino fundamental por meio da iniciativa. No ensino médio foram 1.090, totalizando 1.507 colaboradores. Considerando trabalhadores de outras indústrias e da comunidade local que puderam aproveitar a estrutura criada pela Tupy, já passaram pela EJA na empresa quase 2.500 pessoas. A companhia é uma das maiores parceiras da EJA em Santa Catarina, e recebeu no final do ano passado o Prêmio Destaque Educação SESI SENAI (veja o quadro).
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Promoção | Paulo Ardon ingressou na Tupy como esmerilhador e com um forte desejo de crescer na empresa. Aproveitou a oportunidade de concluir o ensino médio por meio da EJA em 2019. “Sempre tive o sonho de ter um cargo melhor na companhia, por isso me inscrevi na EJA, para poder participar dos recrutamentos internos. Foi um momento de muito conhecimento e de contato com excelentes professores”, relembra. “Depois da conclusão as portas se abriram. Finalizei um curso técnico e hoje faço curso superior em Processos Gerenciais. Fui promovido na empresa”, comemora o técnico em Manufatura.
Paulo avalia esses nove anos na Tupy como desafiadores, de grandes conquistas pessoais e profissionais. Entre as conquistas, a aquisição de um imóvel é a grande alegria. Atualmente, Paulo também faz o processo de ambientação dos novos colaboradores da Tupy e sempre cita a formação da EJA como um dos caminhos que podem ser trilhados para a evolução na companhia. Ele compreendeu o compromisso da empresa de investir na educação dos colaboradores, valorizando o desenvolvimento pessoal e profissional, em busca de uma força de trabalho mais qualificada e preparada para enfrentar os desafios do mercado. Trata-se de uma visão de mão dupla, que atende aos anseios da empresa e abre oportunidades para a vida dos trabalhadores.
Desde a implantação da modalidade em Santa Catarina, a proposta do SESI procurou incorporar uma abordagem diferenciada, alinhada à visão de empresas como a Tupy e aos anseios de trabalhadores como Paulo Ardon. De acordo com Thiago Korb, gerente de Educação Básica e Cultura da FIESC, a EJA é tradicionalmente encarada no Brasil como tendo uma função meramente reparadora, no sentido de restaurar o direito à educação e à cidadania que não foi exercido por algum motivo. “Mais do que isso, procuramos criar uma EJA que seja transformadora, que seja um resgate de sonhos e oportunidades que por algum motivo ficaram para trás e que habilite a pessoa a dar novos passos na vida, na progressão de sua carreira”, afirma o executivo.
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Mas mesmo com tanto incentivo nem sempre é fácil para os trabalhadores-estudantes sentirem-se motivados a seguir em frente, conciliando as jornadas de trabalho e escolar ao longo de meses. Para ajudar nessa travessia o SESI catarinense foi pioneiro em oferecer a EJA na modalidade de ensino a distância (EaD) a partir de 2011. Até 80% da carga horária pode ser cumprida neste formato, o que permite maior autonomia aos estudantes e a redução do tempo de formação. A incorporação do EaD foi fundamental para a redução das taxas de evasão – atualmente o índice de retenção dos estudantes é de 80%. “Uma das vantagens dessa autonomia é poder atender às solicitações da indústria, como a flexibilidade do horário e do calendário escolar, respeitando as normas que regem a EJA”, diz Korb.
Saberes | Ao longo dos anos, diversas melhorias têm sido implementadas, com foco em apoiar os trabalhadores na travessia. O reconhecimento de saberes é uma delas. A metodologia permite identificar e validar habilidades e competências adquiridas ao longo da vida, o que pode levar à redução da carga horária e valoriza a trajetória do estudante. Outra forma de envolver os estudantes é vincular o conteúdo pedagógico a problemas e projetos desenvolvidos na própria empresa e nas comunidades onde vivem, o que gera senso de pertencimento e gratificação. A introdução da figura do Mobilizador Educacional também tem dado bons resultados. Suas funções incluem fazer mobilizações nas indústrias para incentivar a adesão de trabalhadores e também apoiá-los ao longo do curso, por meio de acompanhamento individualizado.
Em Santa Catarina existem 42 pontos fixos de atendimento do SESI e do SENAI onde são ministradas as aulas da EJA e EJA Profissionalizante, com oferta regular – há ingressos de novos alunos três vezes por ano. Elas atendem trabalhadores de empresas que não possuem volume suficiente para organizar turmas in company. Já estas, por seu lado, precisam apenas disponibilizar espaço para as aulas e poderão contar com professores do SESI e do SENAI para ministrar os conteúdos nas dependências das empresas. A EJA do SESI também passou a ser oferecida em parceria com prefeituras de todo o Estado, que abrem turmas para seus munícipes. Atualmente há 22 prefeituras parceiras. No total, a EJA gira entre 10 mil e 12 mil matrículas ativas ao longo dos meses.
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Imigrantes | Nos últimos anos as formaturas tornaram-se especiais, envolvendo todas as regionais do Estado em eventos memoráveis que buscam valorizar as conquistas dos estudantes e a participação das empresas. Em novembro de 2024 foram formadas 2.900 pessoas em 16 cidades simultaneamente. Durante os eventos foram relatadas histórias impressionantes como a de Cleodi Teresinha Leonardo, colaboradora da WEG em Jaraguá do Sul. Na EJA do SESI ela cursou o ensino fundamental. Parou. Voltou recentemente para enfim concluir o ensino médio. “Estar aqui hoje é uma conquista para mim”, afirmou, emocionada, durante sua formatura.
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A EJA também se revela um ponto de apoio para imigrantes que encontram oportunidades na indústria catarinense. É o caso de Juan Carlos Medina, de 51 anos, que era advogado na Venezuela. Ele teve que deixar o país, com a esposa Joana Ribeiro, em 2018. No Brasil, sobreviveu vendendo latinhas e picolés em Roraima, depois trabalhou em lavouras de São Paulo. Partiu com a família para Santa Catarina em 2021 para trabalhar em empresas de alimentos da região Oeste. Procurou a EJA do SESI para ter certificados válidos no Brasil, e se formou junto com a esposa. “Aqui as pessoas têm muita oportunidade, mas é preciso estar formado para aproveitá-las”, afirma.
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