Tornar as cidades inteligentes não é só uma oportunidade para desenvolver tecnologia: a qualidade de vida que elas proporcionam é fator de atração para as melhores empresas e profissionais.
Barcelona, na Espanha, é a principal referência no mundo em cidade inteligente - Foto: Shutterstock
O conceito de smart city, ou “cidade inteligente”, vem se tornando cada vez mais conhecido e de alguma forma associado a diferentes segmentos da sociedade e da economia, incluindo a indústria. “Os últimos anos têm sido dinâmicos e transformadores em todos os setores da sociedade e a indústria já não pode se preocupar apenas com questões mais específicas de sua atuação, como equipamentos e logística. É preciso ter uma visão ampla e integrada à sociedade como um todo”, afirma Jean Vogel, diretor executivo do Ágora Tech Park, sediado em Joinville, e presidente da Câmara de Smart Cities da FIESC, recentemente criada justamente para fortalecer a conexão da indústria com o tema.
A Câmara surge como um fórum de debates sobre as transformações necessárias para que as cidades catarinenses se aproximem de um modelo mais equilibrado de desenvolvimento. “Muita gente associa o termo smart city aos avanços tecnológicos, mas não é só isso. Ele diz respeito ao conjunto de atributos que tornam um lugar bom para viver e bom também para realizar negócios, já que um aspecto está cada vez mais associado ao outro”, explica Vogel.
Há dois grandes pontos de aproximação entre a filosofia das smart cities e a indústria. O primeiro é estrutural: ao promover inclusão, sustentabilidade e qualidade de vida, uma cidade terá mais sucesso em atrair empresas e será também um lugar em que os melhores profissionais desejarão viver. Ou seja, é um tema transversal, que se relaciona com todos os aspectos da vida das pessoas e das empresas.
O outro ponto de grande interesse para a indústria catarinense é a exploração de novos mercados, representada pelo fornecimento de produtos e equipamentos que ajudem as cidades a aprimorar a infraestrutura nas mais diversas áreas: transporte, saúde, construção civil, segurança e urbanismo, entre várias outras, que demandam soluções envolvendo otimização de recursos, integração de fontes de informações e diminuição de impacto ambiental, por exemplo. Esses produtos tendem a ter alto valor agregado pois envolvem novas tecnologias, a exemplo de Inteligência Artificial, IoT (Internet das Coisas), Big Data, Indústria 4.0, Realidade Virtual e Realidade Aumentada.
“Nosso estado pode ser exportador de soluções para smart cities”, diz Vogel. Há diversas iniciativas, e algumas das soluções estão em desenvolvimento no próprio Ágora Tech Park, que atraiu diversas empresas associadas ao conceito e se apresenta como o primeiro one stop shop de soluções para cidades inteligentes do Brasil. Já a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) criou, no ano passado, a “vertical” de negócios smart cities.
As 10 cidades mais inteligentes do Brasil... | |
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1 | São Paulo (SP) |
2 | Florianópolis (SC) |
3 | Curitiba (PR) |
4 | Campinas (SP) |
5 | Vitória (ES) |
6 | São Caetano do Sul (SP) |
7 | Santos (SP) |
8 | Brasília (DF) |
9 | Porto Alegre (RS) |
10 | Belo Horizonte (MG) |
...e de Santa Catarina | |
1 | Florianópolis |
2 | Balneário Camboriú |
3 | Itajaí |
4 | Blumenau |
5 | Joinville |
6 | Chapecó |
7 | Jaraguá do Sul |
8 | Itapema |
9 | Palhoça |
10 | Rio do Sul |
Fonte: Ranking Connected Smart Cities 2020
Critérios | Santa Catarina é um expoente em mobilidade elétrica, conceito também associado ao de smart cities. A WEG é um dos principais desenvolvedores de equipamentos de tração elétrica e estações de recarga do País, e juntamente com o SENAI investiu na criação de um Instituto da Indústria em Jaraguá do Sul para a formação de profissionais e o desenvolvimento tecnológico para o setor, além da eficiência energética. A V2Com, empresa do grupo WEG, é especializada em IoT e desenvolve soluções para mobilidade urbana, eficiência energética, iluminação pública, gestão de resíduos, prédios inteligentes e segurança pública.
Não há ainda um padrão de critérios para definir o quanto uma cidade brasileira pode ser classificada como inteligente. Para ajudar a construir essa resposta, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) lançou no final do ano passado a Carta Brasileira para Cidades Inteligentes, elaborada em parceria com a Confederação Nacional dos Municípios. A proposta da carta é o compartilhamento de uma visão única sobre cidades inteligentes para a realidade brasileira, ajudando assim a definir políticas públicas e diretrizes para a iniciativa privada.
Com ênfase na transformação digital, o documento passou por consulta pública depois de ter recebido colaborações de instituições das mais diversas áreas ao longo do processo de elaboração, que se estendeu por mais de um ano. Entre os objetivos para a construção de uma agenda pública, comum e articulada estão a compreensão das mudanças provocadas no espaço urbano pela digitalização, a necessidade de amplo acesso a internet de qualidade, a transparência nos dados públicos e a ênfase no desenvolvimento local e sustentável.
Para comparar o estágio atual das cidades, o que se costuma utilizar são indicadores relacionados a diversos fatores que apontam o nível de desenvolvimento. No Brasil, uma referência é o ranking Connected Smart Cities, que avalia 70 indicadores distribuídos por 11 pilares. Na edição de 2020, que avaliou os 673 municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes, Florianópolis apareceu em segundo lugar, atrás apenas de São Paulo. O ranking das cinco cidades catarinenses mais inteligentes foi completado, na ordem, por Balneário Camboriú, Itajaí, Blumenau e Joinville (todas estas ficaram entre as 25 mais bem posicionadas no ranking nacional).
Meio ambiente | Florianópolis alcançou a posição de destaque por ter obtido boa pontuação em vários pilares (veja os quadros). Mas o ranking permite, também, identificar os pontos mais vulneráveis de cada cidade. No caso da capital catarinense, esses pilares são meio ambiente e urbanismo. Já Balneário Camboriú, 16ª colocada no ranking nacional, está mal posicionada em tecnologia e inovação e em mobilidade e acessibilidade. Itajaí, 18ª, precisa melhorar em segurança e em tecnologia e inovação. Blumenau (19ª no ranking nacional) tem seu pior desempenho nos pilares urbanismo e saúde, enquanto Joinville (23º lugar) é prejudicada principalmente pelo mau desempenho no item segurança.
Destaques por área Representantes catarinenses entre as dez primeiras cidades do País em cada tema avaliado |
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Economia | Florianópolis (3ª), Jaraguá do Sul (7ª), Joinville (8ª) | |
Governança | Balneário Camboriú (1ª), Itajaí (3ª) | |
Segurança | Balneário Camboriú (4ª), Florianópolis (10ª) | |
Tecnologia | Florianópolis (4ª) | |
Educação | Florianópolis (5ª) | |
Mobilidade | Florianópolis (5ª) | |
Empreendedorismo | Florianópolis (7ª) | |
Urbanismo | Balneário Camboriú (7ª) | |
Saúde | Florianópolis (7ª) |
Fonte: Ranking Connected Smart Cities 2020
Uma das diretrizes centrais da ideia de smart city é a de que sempre é possível melhorar. A capital catarinense é vista como uma das cidades brasileiras com maior potencial de consolidação como smart city em padrões internacionais, mas isso passa por duas frentes: continuar evoluindo em aspectos nos quais já se destaca – como tecnologia, educação, saúde e empreendedorismo – e avançar o quanto antes em temas nos quais não apresenta tão bom desempenho, como meio ambiente.
Essa prioridade foi ressaltada pelos pesquisadores Tan Yigitcanlar, Eduardo Moreira da Costa e Jamile Sabatini-Marques no estudo “Smart City Florianópolis: jornada de criação do caminho de inovação de uma ilha turística”, produzido no âmbito do Laboratório de Cidades mais Humanas, Inovadoras e Sustentáveis (LabCHIS), do Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC.
“O meio ambiente está sob grave risco devido à urbanização”, aponta o estudo, acrescentando que a questão mais importante é o assentamento irregular e informal que vem tomando a cidade, associado ao fornecimento limitado de infraestrutura. Somente 62% da população é atendida por sistema de esgoto. “O restante libera resíduos domésticos e comerciais na natureza, tornando o mar e as lagoas, principalmente na alta temporada, totalmente vulneráveis.”
Integração | Cuidar melhor do meio ambiente em Florianópolis teria efeito positivo em vários dos outros pilares – da saúde ao empreendedorismo, pois motivaria a criação de mais negócios ligados à natureza e ao turismo qualificado. É um exemplo da visão sistêmica que o diretor de Inovação e Competitividade da FIESC, José Eduardo Fiates, considera ser um conceito-chave para o planejamento de empresas e governos: a lógica dos sistemas complexos, para criar soluções que sejam realmente estruturais.
Isso envolve a necessidade de planejamento a longo prazo e de planejamento em conjunto entre as mais diversas instituições, duas históricas dificuldades brasileiras. “O espírito da Câmara de Smart Cities é justamente superar essas dificuldades e unir forças, aqui em Santa Catarina, na direção de uma visão inovadora compartilhada”, diz Fiates.
Vale acrescentar que por mais que as cidades catarinenses se destaquem nacionalmente, o patamar exigido agora é outro, pois elas concorrem com cidades do mundo inteiro, inclusive porque, com a proliferação do trabalho remoto, as pessoas poderão cada vez mais escolher onde vão morar. A principal referência no mundo é Barcelona. “É uma cidade que dá a sensação de que tudo funciona bem e de forma integrada. Acredito que esta seja a melhor definição de uma smart city”, afirma Vogel.
Na avançada Barcelona, um dos objetivos de seu atual estágio de desenvolvimento é fazer com que a grande quantidade de dados obtidos pelas mais diversas tecnologias seja compartilhada com os cidadãos, para que a comunidade possa se envolver diretamente nas estratégias de aprimoramento do espaço em que vivem.
Retrato de uma cidade inteligente
Um lugar agradável, atraente e promissor para se viver apresenta um conjunto de bons indicadores nas mais diversas áreas. Não há critérios fixos para definir isso, mas aqui vão alguns exemplos
- Economia: Alto nível de emprego e renda, diversidade dos setores econômicos
- Educação: Trabalhadores com ensino superior, vagas em universidades públicas, disponibilidade de dispositivos eletrônicos para estudantes
- Empreendedorismo: Alto índice de criação de novas empresas, tempo de vida das empresas, facilidade para abrir negócios
- Energia: Diversidade da matriz e utilização de fontes renováveis
- Meio ambiente: Coleta de recicláveis, monitoramento das áreas de risco, saneamento
- Mobilidade: Relação automóveis/habitante, relação ônibus/automóveis, idade média da frota, ciclovias, diversidade de modais no transporte público
- Saúde: Cobertura de água potável, coleta e tratamento de esgoto, número de leitos e médicos, mortalidade infantil, expectativa de vida
- Segurança: Número de policiais, taxa de homicídios, mortes no trânsito, incidência de crimes
- Tecnologia e inovação: Cobertura de banda larga, acesso à internet, patentes, bolsas CNPq, participação do setor de tecnologia na economia local e população ocupada em negócios ligados à P&D
- Urbanismo: Leis de zoneamento, ocupação do solo, plano diretor, nível de concentração da população em determinadas áreas da cidade
Fonte: Connected Smart Cities