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Quando se fala em dores da indústria, a boa gestão da saúde dos trabalhadores certamente está entre as principais. A disparada nos custos dos planos de saúde empresariais em geral não é acompanhada pela melhora da saúde dos colaboradores, que cada vez registram mais afastamentos por causa de doenças crônicas e problemas de saúde mental. Referência em saúde na indústria, o SESI foi nos últimos anos desafiado a apresentar soluções mais abrangentes que as circunscritas à Segurança e Saúde do Trabalho (SST), a chamada saúde ocupacional, que se concentra em atender a um conjunto de normas e práticas legais, e a promoção da saúde, que contempla aspectos como nutrição, atividades físicas e estilo de vida.
A resposta é uma inovação chamada de Total Health, baseada em inteligência de dados e coordenação de cuidados capaz de entregar resultados bem melhores para trabalhadores e empresas, em comparação com a simples contratação de um plano de saúde. A plataforma de serviços e tecnologias, que permite estruturar a gestão estratégica da saúde nas empresas, baseada em valor e com foco na atenção primária, começou a ser desenvolvida em 2023 e passou a ser utilizada pelos primeiros clientes no ano passado. Para o SESI catarinense, que é pioneiro nesta nova abordagem da saúde na indústria, trata-se de um ponto de inflexão. “O Total Health representa um marco histórico para o SESI, que entra em uma nova fase”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.
Na prática, é a entrada do SESI na área da saúde assistencial que compreende o diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças, daí a mudança de perspectiva. Trata-se de uma consultoria que pode estar aliada a serviços para apoiar a indústria na estruturação de sistemas de gestão de saúde de forma integral, contemplando as diversas dimensões em torno do tema. A empreitada já incorpora, de saída, um diferencial fundamental para a indústria. É que por meio de atividades tradicionais de promoção da saúde, SST e até mesmo de educação, a organização está profundamente enraizada nas empresas há décadas e conhece suas estruturas e desafios.
Percepção | A integração entre as áreas da saúde ocupacional, assistencial e de promoção da saúde permite oferecer cuidados mais completos aos trabalhadores, promovendo a saúde tanto no ambiente de trabalho quanto na vida pessoal. “Total Health significa olhar para o sistema como um todo, olhar para a pessoa integralmente, pois ela não se divide em uma pessoa na empresa e outra fora. Essa divisão que até então era preponderante não faz mais sentido”, diz Fabrizio Machado Pereira, diretor de Educação, Saúde e Tecnologia da FIESC.
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A nova abordagem chega ao mercado junto com o aumento da percepção das empresas de que não está funcionando simplesmente terceirizar para as operadoras de planos a saúde assistencial de seus trabalhadores – e tampouco é uma opção razoável, para a maioria, descontinuar os planos e deixar os colaboradores totalmente dependentes da rede pública. Ao contrário, as maiores companhias já se deram conta de que precisam assumir o protagonismo da gestão da saúde em seus domínios, e que os resultados são muito melhores se os cuidados forem coordenados ao invés de fragmentados. “A empresa que assume os cuidados dos seus colaboradores obtém maior engajamento, pois eles reconhecem a preocupação e enxergam os resultados”, informa Sendi Lopes, gerente de Saúde e Segurança do SESI e SENAI em Santa Catarina.
É o caso da Unidade Vega da ArcelorMittal, em São Francisco do Sul, que estruturou, a partir de 2022, a iniciativa batizada de Saúde Total, baseada em cuidado humanizado, integral, personalizado e contínuo. “O Saúde Total é um sistema de gestão estratégica que contempla a saúde mental (para manter o equilíbrio), a saúde física (para ter disposição) e a saúde total (para ser mais feliz)”, destaca Patrícia Maçaneiro, gerente de Área de Segurança, Saúde e Meio Ambiente da ArcelorMittal. Thiago Braz Novaes, médico do trabalho e responsável técnico pelo ambulatório de saúde da empresa, complementa que o programa é um acompanhamento universal do trabalhador, multidisciplinar e humanizado. “A gente gere o momento, na vertical, do paciente, mas também na horizontal, na linha do tempo, acompanhando a sua jornada ao longo da vida”, afirma Novaes.
O sistema engloba a saúde ocupacional, a atenção primária em saúde e ações de qualidade de vida e bem-estar de forma integrada. A equipe de saúde procura lideranças da fábrica para propor a realização de workshops sobre o conceito de saúde integral para as equipes. O ambulatório funciona 24 horas, com disponibilidade de equipe de saúde multidisciplinar, entre pessoal próprio e do SESI. Funciona em conceito híbrido. O médico plantonista, que é um médico de cuidado, pode atender tanto a parte ocupacional quanto a assistencial, de forma presencial e virtual – como os dependentes não têm acesso ao ambulatório, podem consultar virtualmente.
O sistema atende cerca de 800 funcionários e 2 mil dependentes, e é aperfeiçoado em parceria com o Total Health, do SESI. Por meio do aparato de inteligência de dados da plataforma, novos indicadores estão sendo desenvolvidos para aprimorar o acompanhamento da população. Além disso, linhas de cuidado estão sendo desenhadas para a coordenação da atenção, e profissionais do SESI apoiam o programa – a organização inclusive disponibiliza um trailer para realização de tratamento odontológico dentro do conceito de atenção primária em saúde bucal.
Dentre os resultados colhidos pela empresa destaca-se a negociação de reajustes do plano de saúde sempre abaixo do mercado. Um dos motivos é que os serviços dos planos não são acionados sem critério pelos beneficiários, o que reduz a sinistralidade. “Quando a empresa tem um sistema de gestão da saúde como o nosso, a equipe se torna a referência para o funcionário. Ele vai procurar você antes de ir ao pronto-socorro ou fazer uma cirurgia”, diz Novaes, acrescentando que o absenteísmo e o turnover são baixíssimos na empresa, e o clima organizacional é considerado excelente pelos colaboradores. Ainda assim, a companhia está desenvolvendo, junto com o Total Health, indicadores para mensurar a satisfação e o reconhecimento dos funcionários acerca do sistema de saúde da empresa.
Além da ArcelorMittal Vega, empresas como a WEG já se valem do Total Health para apoiar seus sistemas de gestão da saúde. Na WEG já existem indicadores de retorno sobre investimentos na área de saúde, e o modelo adotado pela empresa é o da saúde baseada em dados, de acordo com o gestor Jefferson Galdino. O foco é na saúde preditiva, uma abordagem que utiliza dados e tecnologias para prever riscos de doenças e antecipar problemas de saúde. O objetivo é identificar pessoas com maior probabilidade de desenvolver doenças antes mesmo de apresentarem sintomas. Os maiores investimentos são em promoção de saúde, prevenção de doenças e na atenção primária. A empresa mantém cinco ambulatórios em Jaraguá do Sul, que fazem 25 mil atendimentos por mês.
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Inteligência | A ferramenta Total Health, do SESI, auxilia as empresas a organizar a gestão da saúde como um todo, de forma estratégica e integrada, o que é essencial hoje em dia. Estudos do SESI apontam que, na média, apenas 30% dos custos das empresas com saúde são custos diretos, como o pagamento de planos. A maior parte é de custos indiretos decorrentes das perdas por absenteísmo e presenteísmo. “Muitas empresas não conhecem seus custos médicos, não sabem se têm um plano de saúde adequado e qual é a taxa de sinistralidade, e tampouco conhecem a situação de saúde do conjunto de seus trabalhadores, quando isso deveria estar na pauta do dia dos principais dirigentes”, afirma Pereira.
O Total Health contempla todos esses aspectos. Estruturada como uma consultoria, a plataforma de serviços e tecnologias auxilia as empresas a encontrar a melhor forma de fornecer atenção primária aos trabalhadores, o que pode incluir, por exemplo, o deslocamento de médicos e psicólogos do SESI para as companhias. A organização dessa estrutura é essencial para a obtenção de informações que vão abastecer a inteligência da plataforma, que conta com um poderoso sistema de coleta e análise de dados, estruturado com ferramentas de IA generativa e plataforma de Business Inteligence, para acompanhar não só os indicadores de saúde dos trabalhadores, mas também os resultados dos desfechos dos programas implementados.
Dados bem trabalhados permitem abordagens mais personalizadas, considerando as especificidades de cada trabalhador. Isso se conecta a outra premissa central do Total Health, a coordenação de cuidados. Trata-se de organizar e integrar os serviços de saúde de uma pessoa de um modo que ela não fique “perdida”, sem saber por onde começar ou para onde ir, e também para que todos os profissionais envolvidos trabalhem em conjunto para a obtenção de bons resultados. Os objetivos são melhorar a qualidade da assistência, aumentar a satisfação do beneficiário e reduzir custos, eliminando etapas desnecessárias.
Com base nas principais doenças crônicas enfrentadas pela indústria, a plataforma definiu linhas de cuidado com protocolos e etapas que auxiliam a coordenação de cuidados em frentes como a saúde mental e doenças osteomusculares, levando em conta a rede assistencial existente em cada região e as características de cada indústria. “Em conjunto com a empresa e o plano de saúde, definimos como articular o cuidado da melhor forma possível”, explica Iananda Barbieri, médica assessora para novos modelos de negócios em saúde da FIESC.
O Total Health está alinhado à metodologia VBHC (Value-Based Health Care), ou cuidado à saúde baseado em valor, que coloca o valor entregue ao paciente no centro dos cuidados de saúde. É uma abordagem que foca em melhorar os desfechos de saúde para os pacientes ao mesmo tempo que reduz custos e otimiza recursos. O modelo tradicional, ao contrário, é baseado em volume de serviços. “No VBHC o valor é definido pela relação entre os resultados clínicos importantes para o paciente e os custos para obtê-los”, diz Leandro Pereira Garcia, doutor em Ciências da Saúde e pesquisador-chefe do Centro de Inovação SESI em Saúde.
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O problema é crônico
País vive transição epidemiológica que requer novas abordagens do sistema de saúde.
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O Brasil está envelhecendo, e naturalmente ocorre o mesmo no interior das indústrias e nos demais setores da economia. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), metade da força de trabalho no Brasil terá mais de 50 anos até 2040. Em paralelo à transição demográfica, ocorre uma transição epidemiológica. Hoje em dia – e cada vez mais, em tendência – a predominância é de doenças crônicas, como hipertensão arterial, diabetes, obesidade e doenças osteomusculares. Estas doenças são responsáveis por mais de 70% das mortes no Brasil.
Doenças crônicas crescem até mesmo entre os mais jovens, decorrentes do estilo de vida, e são elas que mais afetam o desempenho do trabalho. Conforme estudo do Fórum Econômico Mundial, os fatores que mais prejudicam a produtividade são distúrbios do sono, dores nas costas e no pescoço, colesterol alto, hipertensão e ansiedade. A obesidade dobra as chances de um trabalhador ficar incapacitado. É fato conhecido que na indústria a grande maioria dos adoecimentos é de natureza não ocupacional, sendo a maior parte decorrente de estilos de vida pouco saudáveis, como o tabagismo ou sedentarismo.
Já a crescente epidemia de saúde mental, que tem causas multifatoriais e é de difícil tratamento, provoca a perda de 51 dias de vida saudável ao ano para os trabalhadores na forma de absenteísmo e baixa produtividade, de acordo com pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). “Os problemas de saúde ocupacional correspondem a uma pequena parte dos afastamentos. Nove em cada dez são decorrentes de problemas de saúde não ocupacionais”, diz a médica Iananda Barbieri.