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O mercado foi para o espaço

Pequenos satélites de baixo custo marcam novo momento da indústria aeroespacial, o New Space, que tem forte participação do setor privado. O Instituto SENAI de Inovação em Sistemas Embarcados é um dos protagonistas no desenvolvimento de soluções - Por Fabrício Marques.

Foto: Shutterstock

O Brasil começa a explorar um mercado que marca um novo momento da indústria aeroespacial, no qual o setor privado investe e participa do desenvolvimento de satélites de pequeno porte e, ao mesmo tempo, explora e se beneficia de múltiplos serviços e oportunidades de negócio gerados por esses equipamentos.

Nos próximos meses o País deverá colocar em órbita dois nanossatélites, dispositivos que podem ser pouco maiores do que uma caixa de sapatos e pesar de 10 a 30 quilos. Eles têm, contudo, funcionalidades semelhantes às de satélites tradicionais, tais como câmeras e sensores, computadores, comunicação por rádio, sistemas de posicionamento e de propulsão. A grande vantagem é que custam bem menos – a partir de R$ 1 milhão.

  • US$ 350 bilhões

    Mercado espacial global em 2020, com destaque para serviços satelitais

  • US$ 1 trilhão

    Mercado estimado em 2040

Fonte: Morgan Stanley

Esses dois nanossatélites, desenvolvidos por iniciativas diferentes, vão cruzar o território do País várias vezes por dia e coletar a princípio imagens e dados de uso meteorológico e agrícola. Mas a ambição dos projetos é bem maior: eles buscam testar e explorar novas aplicações e potencialidades desse tipo de dispositivo, como a análise de imagens de propriedades agrícolas, o monitoramento de barragens e de linhas de transmissão de energia.

O primeiro a ir ao espaço, ainda no primeiro semestre de 2023, será o Visiona Cub (VCUB1), desenvolvido por uma empresa de São José dos Campos (SP), a Visiona Tecnologia Espacial, joint venture entre a Embraer Defesa & Segurança e a Telebras. O desenvolvimento do projeto contou com a parceria do Instituto SENAI de Inovação (ISI) em Sistemas Embarcados, sediado em Florianópolis. O lançamento ficará a cargo de um foguete da empresa norte-americana SpaceX.

VCUB1 será plataforma para testar e validar tecnologias espaciais - Foto: Shutterstock

A Visiona fornece produtos e serviços de sensoriamento remoto e telecomunicações por satélite e pretende usar as informações coletadas pelo VCUB1, que tem peso de apenas 12 quilos e está orçado em R$ 8,7 milhões, para refinar os dados e análises destinados a seus clientes.

O dispositivo abriga duas cargas. Uma delas é uma câmera de observação, que terá uso na agricultura e controle de desmatamento, e, eventualmente, em cartografia e monitoramento marítimo. Já a segunda carga é um “rádio definido por software”, um computador capaz de trabalhar com diferentes aplicações.

“Como o projeto da Visiona teve vários desenvolvimentos feitos conjuntamente com a Embrapa, isso definiu as cores que o satélite vai enxergar”, afirma o engenheiro mecânico João Paulo Rodrigues Campos, CEO da Visiona. Foi selecionada a banda Red Edge, apropriada para o monitoramento de lavouras, por ser capaz de mapear diferentes tipos de cobertura vegetal e distinguir, por exemplo, áreas de pasto, canaviais ou florestas nativas.

Imagens de SC e de área agrícola feitas por satélites: aplicações diversa - Foto: Divulgação INPE

O VCUB1 será capaz de gerar esses dados com precisão e qualidade melhores do que os dos satélites disponíveis no mercado. As mesmas técnicas utilizadas para detecção automática de desmatamento podem vir a fazer, por exemplo, a observação de reservatórios de hidrelétricas. Outra aplicação será a coleta de dados hidrometeorológicos. O Brasil dispõe de uma extensa rede de estações que enviaram esses dados nas últimas décadas para os satélites SCD-1 e SCD-2, lançados em 1993 e 1998, respectivamente, e que ainda funcionam, apesar do esgotamento de suas baterias.

Para a Visiona, o principal objetivo do VCUB1 é ser uma plataforma para testar e validar tecnologias espaciais e diferentes aplicações que novos satélites desenvolvidos pela empresa terão no futuro. “O mais valioso no projeto foi o desenvolvimento da arquitetura do satélite e do software embarcado. O aprendizado vai nos permitir lançar satélites de tamanhos variados”, afirma Campos. “Nossa intenção sempre foi fazer satélites maiores e mais sofisticados e precisávamos de uma arquitetura escalável. Os softwares embarcados do VCUB1 são provavelmente os mais sofisticados já feitos no Brasil.”

João Paulo Rodrigues Campos, CEO da Visiona: “O mais valioso no projeto foi o desenvolvimento da arquitetura do satélite e do software embarcado. O aprendizado vai nos permitir lançar satélites de tamanhos variados” - Foto: Divulgação

Frotas espaciais | O ISI Sistemas Embarcados destacou-se no desenvolvimento do VCUB1. A parceria teve apoio financeiro da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e incluiu integração e testes do satélite e desenvolvimento de tecnologia de comunicação com solo.

O Instituto SENAI também vai participar de uma rede de empresas, centros de pesquisa e universidades incumbida de lançar um satélite de observação de alta resolução da Visiona, com 150 quilos de peso. O projeto já foi aprovado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência federal de apoio à inovação. “A participação do Instituto SENAI no desenvolvimento de satélites é uma mostra do nível avançado de tecnologia que a instituição coloca à disposição da indústria”, diz Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.

Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC: “A participação do Instituto SENAI no desenvolvimento de satélites é uma mostra do nível avançado de tecnologia que a instituição coloca à disposição da indústria” - Foto: Marcos Campos

Paralelo à iniciativa da Visiona, deve ser lançado em 2024 o primeiro nanossatélite da Constelação Catarina, programa criado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) que se propõe a colocar em órbita nos próximos anos, de forma escalonada, 12 desses artefatos, divididos em três frotas de quatro unidades. Cada um desses equipamentos tem vida útil estimada em dois ou três anos e a intenção é que cada frota seja mais moderna e capaz de oferecer aplicações mais avançadas do que a anterior, em campos como o desenvolvimento industrial, o agronegócio, cidades inteligentes, saúde, segurança e defesa civil.

O desenvolvimento da primeira frota de nanossatélites, com custo estimado em R$ 3,2 milhões, está a cargo do ISI Sistemas Embarcados e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “O objetivo agora é envolver novos players da indústria catarinense no desenvolvimento tecnológico espacial e parceiros privados com interesse em explorar a constelação em seus negócios”, explica o engenheiro da AEB Cristiano Trein, que organizou o programa quando era diretor de governança do setor espacial da agência, cargo que exerceu entre 2020 e 2022.

Os nanossatélites são uma porta de entrada natural para este novo mercado, já que requerem investimentos acessíveis e têm capacidade de gerar produtos e serviços inovadores. “Eles também funcionam como um dínamo para desenvolver a indústria espacial”, afirma. Trein vê potencial para que, a partir da infraestrutura criada para construir e lançar a rede de satélites, Santa Catarina se torne o principal polo tecnológico e empresarial de nanossatélites do Brasil e da América do Sul. “Há demandas da sociedade e do agronegócio que sinalizam vocações regionais para a indústria espacial”, conta.

Embora a iniciativa seja sediada em Santa Catarina, os satélites coletarão dados do Brasil inteiro e os fornecerão para todo o País. Já existe interesse de empresas de vários estados em participar do programa, tanto no desenvolvimento quanto no uso de aplicações dos nanossatélites.

Um dos satélites da primeira frota da Constelação Catarina está sendo desenvolvido pelo ISI Sistemas Embarcados, enquanto outro está sob responsabilidade de um grupo de pesquisadores da UFSC. “A primeira aplicação que estamos desenvolvendo é a defesa civil, com apoio ao monitoramento de eventos climáticos”, explica Paulo Violada, pesquisador-chefe do ISI Sistemas Embarcados. “Estamos trabalhando no desenvolvimento de comunicação definida por software, coleta de dados de solo, sensores terrestres e sensores satelitais, integração, testes e validação e controle de painéis solares, entre outros”, afirma.

Satélite do projeto Constelação Catarina: aplicação em defesa civil - Foto: Divulgação

O setor de energia será um dos beneficiados, pois uma possibilidade é o monitoramento de linhas de transmissão, que estão espalhadas pelo Brasil inteiro, inclusive em áreas remotas e sem comunicação. Será possível, por exemplo, detectar danos na estrutura elétrica ou fuga de corrente. De acordo com Violada, o Instituto SENAI dispõe de expertise em desenvolvimento de produtos inteligentes, de sistemas inteligentes e de inteligência de dados.

“Essas três plataformas de que dispomos são úteis para qualquer segmento da indústria, do agro ao setor de óleo e gás, e também para o desenvolvimento de nanossatélites”, diz. Hoje o ISI Sistemas Embarcados conta com uma centena de pessoas atuando em pesquisa, desenvolvimento e gestão. Dispõe, por exemplo, de um laboratório de sistemas espaciais, com uma sala limpa para integração e capacidade de testar satélites. “O desenvolvimento dos nanossatélites exige hardware, eletrônica, análise de dados e visão computacional, das quais nós participamos. Temos na casa de 15 pessoas envolvidas nesses projetos”, conta Violada.

  • US$ 7,6 bilhões

    Investimentos em startups espaciais em 2020, a maior parte com origem em venture capital

Fonte: BryceTech

Cadeias de valor | O mercado dos nanossatélites está vinculado a um conceito conhecido como New Space e se contrapõe ao que passou a ser denominado de Old Space, que foi a caríssima corrida tecnológica ao espaço disputada entre norte-americanos e soviéticos, responsável por levar os primeiros homens ao espaço e à Lua na década de 1960 e promover 135 viagens de ônibus espaciais.

A característica do New Space é o protagonismo crescente do setor privado na tecnologia espacial, que se tornou alvo de interesse do capital de risco e celeiro de startups. As faces mais conhecidas dessa mudança são as de magnatas como Jeff Bezos, Elon Musk e Richard Branson, fundadores de empresas que exploram voos espaciais, capazes de colocar satélites em órbita, levar cargas para a Estação Espacial Internacional (ISS) e até oferecer passeios para turistas em seus foguetes.

“No New Space a iniciativa privada participa de forma ativa, buscando criar e explorar mercados, gerar cadeias de valor, emprego e renda, e ativar a economia, dedicando-se a nichos comercialmente rentáveis”, afirma Trein. Apesar do protagonismo do setor privado, ele lembra que o investimento público continua a ser essencial no New Space tanto para estruturar programas como para fazer encomendas tecnológicas. “O Estado precisa ampliar seu orçamento para o setor aeroespacial e contratar mais satélites para a indústria. O polo aeroespacial de São José dos Campos só está consolidado hoje porque no passado houve esse tipo de investimento”, explica.

A ideia de lançar uma constelação brasileira de nanossatélites e monitorá-la a partir de Santa Catarina remonta a meados de 2020, quando um ciclone bomba que se formou no litoral da Região Sul do País causou 13 mortes, 11 delas em municípios catarinenses. Ventos de até 170 quilômetros por hora espalharam prejuízos por dezenas de cidades do Estado e interromperam o fornecimento de eletricidade para 1,5 milhão de residências e estabelecimentos. Isso chamou atenção da sociedade para os efeitos dos eventos meteorológicos extremos associados às mudanças climáticas.

Poucas semanas após o desastre natural, o deputado federal Daniel Freitas (PL-SC), presidente da Frente Parlamentar Mista do Programa Espacial Brasileiro, envolveu a Agência Espacial Brasileira (AEB) em uma mobilização para desenvolver projetos capazes de ajudar a prever a ocorrência desses fenômenos e amenizar seu impacto. Daí amadureceu uma proposta de levar ao espaço um conjunto de pequenos satélites de múltiplos usos – além da meteorologia, poderiam criar sinergias, por exemplo, com o agronegócio, a defesa civil e a área de infraestrutura.

Mudança de eixo

Características da exploração espacial, ontem e hoje

  • Old Space

    • Grandes programas espaciais financiados por governos;
    • Disputa entre nações;
    • Longos tempos de desenvolvimento e altos custos;
    • Missões científicas e exploração do espaço; aplicações militares.
  • New Space

    • Abordagem mais comercial e empreendedora das atividades espaciais;
    • Empresas privadas, capital de risco e startups;
    • Desenvolvimento e fornecimento de novos serviços e produtos com custos baixos;
    • Comunicação baseada em satélite, sensoriamento remoto e turismo espacial.

Capacidade | O programa Constelação Catarina foi formalizado em maio de 2021 e hoje faz parte do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) para o período de 2022 a 2031. “Analisamos a capacidade de gerar tecnologia em Santa Catarina por meio de instituições como o Instituto SENAI e a UFSC, e propusemos o programa”, explica Trein. O aporte inicial, de R$ 5 milhões, veio de uma emenda parlamentar da bancada catarinense no Congresso.

O agrônomo e especialista em sensoriamento remoto Bernardo Rudorff, diretor executivo da Agrosatélite Geotecnologia Aplicada, sediada em Florianópolis, destaca a importância de contar com uma indústria de nanossatélites e recursos humanos capazes de desenvolvê-los. “Isso é extremamente valioso e positivo para o País”, afirma Rudorff, que fez carreira como pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e em 2013 deixou a instituição para fundar a empresa com outros três sócios.

Um dos principais produtos oferecidos é o SIMFaz, um sistema de monitoramento de fazendas que se baseia na análise e no processamento de imagens de satélites em conjunto com dados climáticos, territoriais e ambientais sempre atualizados. A Agrosatélite mantém parceria com o ISI Sistemas Embarcados, que envolve o uso de recursos de inteligência artificial para extrair informações de imagens de satélite de forma automatizada.

De acordo com o pesquisador, as imagens disponibilizadas gratuitamente por grandes satélites, graças a investimentos vultosos de governos, têm sido eficientes para dar lastro aos serviços que sua empresa presta, mas ele reconhece que nanossatélites poderão ajudar a ampliar a resolução e a frequência de obtenção de dados, caso o custo seja atraente.

Instituto SENAI conta com laboratório de sistemas espaciais - Foto: Arquivo FIESC

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