A aposentadoria especial, que possui regras diferenciadas em razão da presença de agentes nocivos no ambiente de trabalho, é concedida apenas em casos excepcionais em que é comprovada a efetiva exposição do trabalhador a agentes químicos, físicos ou biológicos.
Essa comprovação deve se dar mediante formulário (o chamado Perfil Profissional Previdenciário – PPP), que é emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho (LTCAT) expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Por se tratar de aposentadoria concedida com menos tempo de serviço (25, 20 ou 15 anos, a depender do agente nocivo), o benefício é custeado por uma contribuição adicional a cargo do empregador. A aposentadoria especial e, por consequência, a contribuição adicional não são devidas nos casos em que, mesmo presente o agente nocivo, a empresa adotar medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância.
Esse era o sentido da legislação brasileira, que vigorava até há pouco e era exitosa no objetivo de estimular as empresas a investirem em medidas de prevenção em prol de um ambiente de trabalho mais seguro e saudável.
Esse cenário foi alterado – embora a legislação não tenha sido alterada – com o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 555 de Repercussão Geral (ARE 664.335/SC) que, especialmente, no caso de exposição ao ruído acima do limite de tolerância (85 dB), fixou tese determinando que a declaração do empregador no PPP sobre a eficácia do EPI não descaracteriza o direito à aposentadoria especial.
A tese do STF no Tema 555 para os casos de exposição a ruído passou a ser interpretada e aplicada nas esferas administrativa e judicial como hipótese de presunção absoluta de ineficácia do EPI. Ou seja, deixou-se de considerar todo e qualquer tipo de prova (pericial ou documental) que ateste a capacidade de os protetores auriculares elidirem ou neutralizarem, de forma eficaz, os efeitos do ruído no trabalhador.
Tal interpretação, além de não se sustentar no que estabelece a tese fixada no Tema 555 do STF (cujo texto é explícito em dizer que não se deve considerar meramente o que foi declarado no PPP), contraria e ignora todo o arcabouço legal, infralegal, a jurisprudência dos Tribunais pátrios ao longo dos anos sobre a matéria, assim como a evolução tecnológica dos aparelhos de proteção auriculares.
A tese, portanto, não estabelece uma presunção absoluta de ineficácia dos EPIs contra o ruído. Ela apenas exige que haja uma comprovação técnica mais robusta e detalhada, além da simples informação fornecida no PPP, o que pode ser comprovado mediante laudos técnicos, relatórios de medições de ruído e outros documentos que demonstrem que, no caso concreto, o equipamento foi capaz de reduzir a exposição do trabalhador a níveis seguros.
Não obstante, de uma hora para outra, empresas que cumpriam à risca a legislação e investiam em medidas eficazes de proteção individual passaram a ser alvos de fiscalização da Receita Federal, com imposição de multas e cobrança retroativa da contribuição adicional que até então não era devida.
Ao tentarem comprovar a eficácia das medidas adotadas no caso concreto, tanto o Judiciário quanto o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF têm julgado os recursos em favor do recolhimento da contribuição adicional, e fundamentam as decisões com base em uma interpretação equivocada da tese do STF, qual seja, de presunção absoluta de ineficácia do EPI nos casos envolvendo ruído.
Além do âmbito previdenciário e tributário, interpretação equivocada da tese do STF também tem repercutido no âmbito da Justiça do Trabalho. Em alguns julgados, empresas foram condenadas ao pagamento do adicional de insalubridade aos trabalhadores submetidos a ruído, mesmo quando os laudos técnicos afirmam a eficácia do EPI.
Diante desse imbróglio, a Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) vem atuando no enfrentamento da questão com o intuito de que a matéria seja revisitada e reconhecida a possibilidade de se demonstrar, no caso concreto, a comprovação técnica da eficácia do EPI na eliminação ou neutralização do agente nocivo ruído.
Nessa empreitada, em parceria com as demais Federações do Sul (FIERGS e FIEP) e com a Confederação Nacional da Indústria – CNI, a FIESC buscou respostas técnicas sobre o tema, o que culminou no estudo de laboratório reconhecido internacionalmente como referência na área de ruído e vibrações (LAEPI – Laboratório de Equipamentos de Proteção Individual).
O estudo do LAEPI, que fundamenta as ações ajuizadas pela Indústria no STF com o intuito de revisitar o tema, conclui que os equipamentos de proteção individuais no caso do ruído são eficazes, devendo sua eficácia ser atestada mediante análise do caso concreto por meio de laudos técnicos.
Destaca ainda que desde o julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 664.335, em 2015, “houve avanços tecnológicos significativos tanto nos protetores auditivos quanto nos estudos sobre os efeitos do ruído na saúde humana. Houve melhorias em materiais e designs dos EPIs, proporcionando maior conforto e eficácia. Paralelamente, o uso de dispositivos com cancelamento ativo de ruído se tornou mais acessível, complementando a proteção em ambientes de altos níveis de ruído”.
Sobre as alegações de efeitos extra auditivos do ruído no corpo humano, o estudo afirma que a absorção de ondas sonoras via ossos e tecidos torna-se relevante somente em intensidades acima de 115dB, nível este não encontrado usualmente em ambiente industrial. Logo, a transmissão de ruído via ossos e tecidos no exercício do trabalho em parques fabris é inexistente ou desprezível.
Outro ponto a considerar é que o Brasil adota procedimentos rigorosos e internacionalmente reconhecidos para a avaliação e aprovação de protetores auditivos, que só podem ser considerados EPI e comercializados após evidenciada sua eficácia.
Diante disso, o que se espera do Judiciário é que fundamente suas decisões com base na ciência, que prime pela preservação da confiança normativa e dos precedentes jurisprudenciais de forma a proteger também o empregador que cumpre cautelosamente as regras de saúde e segurança do trabalho.
Com esse novo olhar para o tema, merecem destaque duas recentes decisões do TST em processo de empresa catarinense que discute o cabimento de adicional de insalubridade a trabalhador exposto a ruído.
As decisões acolheram a defesa da empresa no sentido de que a questão deve ser analisada caso a caso, com verificação das condições de trabalho em cada situação concreta e à luz de elementos de prova. Além disso, enfatizaram as decisões que o Tema 555 de Repercussão Geral do STF não se aplica aos casos em que se discute o pagamento do adicional de insalubridade quando da exposição ao agente nocivo ruído, pois o Tema 555 trata de matéria previdenciária (concessão de aposentadoria especial), enquanto as ações em exame envolvem matéria trabalhista (Processo nº TST-Ag-AIRR - 0000637-10.2023.5.12.0058 e Processo nº TST-RRAg - 0000690-51.2023.5.12.0038).
É acertada a posição do TST, que rechaça o entendimento de presunção absoluta de ineficácia do EPI nos casos de ruído. A matéria não pode ser considerada de forma abstrata, tratando igualmente situações distintas. Empresas que comprovadamente controlam a exposição ao ruído com critérios técnicos e monitoramento adequado, que cumprem à risca toda a vasta e rígida legislação sobre o tema, não podem ser surpreendidas com autuações milionárias ou condenações judiciais injustas.
Além da falta de respaldo legal para tanto, como bem sinalizam as recentes decisões do TST, a persistência na interpretação equivocada de desconsiderar a análise in concreto do ambiente de trabalho pode vir a desestimular investimentos em medidas de prevenção, acarretando, assim, em inevitável retrocesso na proteção e preservação da saúde e segurança dos trabalhadores.