A multinacional norte-americana WestRock está investindo US$ 345 milhões, o equivalente a R$ 1,3 bilhão, na ampliação de sua fábrica de papel em Três Barras, no Norte de Santa Catarina – quando estiver em pleno funcionamento, a unidade vai aumentar em 45% a produção de sua linha de papéis de alta performance, baseados em uma combinação de fibras extraídas de eucalipto e de pinus e que têm resistência elevada apesar da gramatura reduzida.
A aposta da WestRock desperta atenção em um momento de baixo crescimento econômico no País e se justifica, em grande medida, pela dinâmica do mercado de papel e celulose, que planeja investimentos no longo prazo, sem levar em conta oscilações de curto prazo do valor das commodities, e colhe hoje a árvore que plantou há dez ou 15 anos. A ampliação da unidade de Três Barras vai fornecer matéria-prima para a nova fábrica de embalagens da WestRock de Porto Feliz, interior paulista, que entra em operação em 2019, terá capacidade de produzir anualmente 400 milhões de metros quadrados de papel ondulado – e é fruto de um investimento planejado há sete anos.
Outra justificativa para a retomada de investimentos é que, se o mercado interno anda fraco, o externo não perdeu fôlego. “Nossa equação de investimentos considera as oportunidades dentro e fora do Brasil. Quando o mercado interno retrai, podemos canalizar o excedente para fora, pois temos mais de uma centena de fábricas de papelão e mais de uma dezena de fábricas de papel espalhadas por diversos países”, explica Heuzer Guimarães, diretor florestal da WestRock. Ele observa que a demanda por celulose continua elevada. “Houve uma diversificação no uso da celulose para além das aplicações tradicionais”, diz, referindo-se, por exemplo, ao uso do insumo em cápsulas de medicamentos.
A matéria-prima e os produtos brasileiros mantêm-se competitivos internacionalmente. Segundo dados da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), a produção brasileira de celulose aumentou de 14 milhões de toneladas em 2012 para cerca de 21 milhões de toneladas em 2018 – e as exportações da matéria-prima cresceram em um ritmo ainda maior, de 8,5 milhões de toneladas para 14,7 milhões de toneladas no mesmo intervalo de tempo. Já no caso do papel, o desempenho atingiu um ponto de equilíbrio em 2011, com produção nacional na casa dos 10 milhões de toneladas, mantendo-se nesse patamar até agora – 20% são exportados.
Santa Catarina é um dos responsáveis por esse bom desempenho, o que se explica pela notável adaptação de variedades do pinus ao clima e ao solo do Estado. As temperaturas baixas e a disponibilidade permanente de água levaram este pinheiro trazido da América do Norte a ocupar, a partir dos anos 1960, extensas áreas de reflorestamento e a substituir a exploração de espécies nativas como a araucária e a imbuia como matéria-prima da indústria moveleira, introduzida pela colonização alemã e italiana. O melhoramento genético promovido por indústrias de papel e celulose transformou o pinus em um insumo valioso. “Uma condição climática adequada permitiu haver em Santa Catarina um crescimento de matéria-prima por hectare maior do que no resto do País e as espécies que estão sendo trabalhadas vêm ampliando a competitividade do setor”, afirma Odelir Battistella, presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria Florestal da FIESC.
Segundo dados da Associação Catarinense de Empresas Florestais (ACR), a produtividade do pinus, que era de 18 metros cúbicos por hectare/ano na década de 1960, hoje supera os 40 metros cúbicos, chegando a até 60 metros cúbicos em algumas áreas. O resultado disso é que, hoje, Santa Catarina é o segundo estado que mais cultiva esta árvore para fins industriais, em especial a variedade Pinus taeda. A área total é de 546 mil hectares, atrás apenas do Paraná. Sua madeira é fonte de celulose de fibras longas, essencial para garantir resistência ao papelão. A alta produtividade do pinus compensa uma desvantagem natural – a árvore demora 15 anos para poder ser cortada, o dobro do tempo do eucalipto. O clima frio catarinense não é tão adequado para o eucalipto, que produz celulose de fibras curtas, um insumo essencial para fabricar papel por garantir qualidade de impressão. Ainda assim, Santa Catarina também tem 116 mil hectares dedicados a esta cultura.
Sem competição
As fazendas de reflorestamento se disseminaram em áreas pouco propícias para agricultura, seja pelo clima muito frio, pelo solo pedregoso ou pela declividade dos terrenos, e se transformaram em uma grande vocação econômica. “Santa Catarina foi o primeiro estado a plantar florestas em lugares talhados para isso e jamais permitiu que a madeira competisse com a agricultura e a pecuária”, observa o engenheiro florestal Joésio Siqueira, vice-presidente da consultoria STCP, de Curitiba. Durante a década de 1970, uma política de incentivos fiscais do Governo Federal ajudou a disseminar o reflorestamento no País e estimulou as empresas a investir em melhoramento genético.
“Esses incentivos perduraram até meados dos anos 1980 e em Santa Catarina foram potencializados por fatores como a disponibilidade de estradas e a atração de investimentos em industrialização. A silvicultura tornou-se um excelente negócio”, diz Joésio Siqueira. À parte os grandes investimentos, empresas de porte menor também estão investindo. “Em cidades como Caçador, Rio Negrinho e Lages, muitas empresas buscam melhorar a eficiência e aumentar sua capacidade de processamento. São investimentos menores, mas importantes”, afirma Mauro Murara, diretor executivo da ACR.
Em 2016, a produção de celulose e papel em Santa Catarina movimentou R$ 6,8 bilhões, o equivalente a 5% da indústria do Estado, e é responsável pela geração de mais de 20 mil empregos. Três Barras, onde fica a unidade da WestRock, concentra 8,8% desses postos de trabalho, seguida por Caçador, com 7% do total – no município estão as sedes de empresas tradicionais como a Adami, que atua no mercado de papel, embalagens e produtos de madeira, e a Fábrica de Papel Tedesco, que no final de 2018 anunciou a aquisição de uma terceira máquina para produzir sacos de cimento, investimento capaz de elevar a produção de sacos de 269 milhões por ano para 360 milhões. A Tedesco produz celulose, papel e sacos industriais em Caçador, e também fabrica embalagens de papelão ondulado em Canoas (RS). “Há um movimento de investimento na indústria florestal em Santa Catarina depois de anos sem ampliações”, observa Odelir Battistella, que, além da WestRock e da Tedesco, também destaca a construção em Lages de uma nova unidade da Berneck, fabricante de painéis de madeira.
O movimento é ligado à expectativa de retomada do mercado interno. “O tempo de maturação dos investimentos em celulose e papel é elevado. As ampliações de agora refletem a confiança dos empresários no crescimento da economia em um ou dois anos”, diz Nereu Baú, presidente-executivo do Sindicato das Indústrias de Celulose e Papel de Santa Catarina (Sinpesc).
Os fabricantes mantêm áreas extensas com árvores plantadas e adquirem matéria-prima de fornecedores locais. A WestRock se abastece de 60% de florestas próprias e 40% de madeira comprada fora – e está lançando um programa para ampliar as parcerias e preservar a qualidade da matéria-prima. Por ser uma multinacional, a empresa enfrenta restrições legais para adquirir extensões de terra no País maiores do que dispõe agora. “Nossa estratégia é compartilhar com os parceiros os ganhos que obtivemos com melhoramento genético”, afirma Guimarães, da WestRock.
Parte da produção comprada de terceiros é a chamada madeira fina, que são as extremidades das árvores, com diâmetro inferior a 18 centímetros. Ela é descartada pela indústria de móveis e pisos, que utiliza as partes grossas das toras, e aproveitada para fazer papel e celulose. “As árvores de nossas florestas são padronizadas – as mudas são oriundas de uma mesma matriz para garantir qualidade e uniformidade”, informa.
Uma característica da indústria de papel e celulose catarinense é a sustentabilidade ambiental. A certificação da madeira de reflorestamento tem sido uma ferramenta poderosa para que as empresas conquistem espaço no mercado internacional. A manutenção de áreas nativas cumpre uma exigência da legislação para explorar as fazendas de reflorestamento. O resultado é que para cada hectare de floresta plantada no Estado, estima-se que haja pelo menos outro hectare de floresta nativa preservada. “São áreas muito bem monitoradas, o que favorece a preservação”, diz Mauro Murara, da ACR.
Corredor de fauna
A Klabin, que mantém 66 mil hectares de áreas plantadas em Santa Catarina e tem unidades fabris em Otacílio Costa, Lages, Correia Pinto e Itajaí, tem foco na preservação da biodiversidade. “Preservamos uma grande quantidade de florestas naturais e áreas nas beiras de rios e riachos que criam um corredor de manutenção da fauna”, conta José Totti, diretor florestal da Klabin. Estão protegidas, por exemplo, as cabeceiras dos rios Canoas e Caveiras, assim como muitas nascentes.
Um dos destaques é o trabalho realizado no complexo Serra da Farofa, próximo a Lages, uma das maiores reservas particulares de patrimônio natural (RPPN) do País. Com 5 mil hectares, abriga mais de 420 espécies de flora e 190 da fauna. A área foi adquirida para promover compensação ambiental, seguindo a legislação da época. “Pela legislação atual, estamos com sobra de áreas de reservas, mas vamos mantê-las e preservá-las”, afirma Totti.
Em março, a Klabin inaugurou um Centro de Interpretação da Natureza, localizado em um ponto estratégico da RPPN, para apoiar pesquisas científicas feitas em parceria com instituições como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). O centro oferece infraestrutura para alojar grupos de estudantes e pesquisadores. “Antes eles tinham que acampar e enfrentavam o clima muito frio. Agora, têm condições bem mais adequadas para estudar a biodiversidade da reserva.”
Papel e Celulose em SC |
APOSTA NO MERCADO INTERNO
Não é só no mercado de papel e celulose que a indústria florestal catarinense registra novos investimentos. A Berneck, fabricante de painéis de madeira e madeira serrada, está investindo R$ 900 milhões em uma nova fábrica em Lages, às margens da BR-116, com potencial para produzir anualmente 520 mil metros cúbicos de MDF e 480 mil metros cúbicos de serrados. A unidade, que deve começar a operar em janeiro de 2021, será a terceira planta do grupo – as outras duas estão sediadas em Curitibanos (SC) e Araucária (PR). A escolha de Lages se deve à proximidade com grandes áreas de reflorestamento de pinus. “Como trabalhamos com uma commodity, é importante que a fábrica esteja perto da matéria-prima para evitar que o frete de fornecimento dos insumos tenha impacto nos custos”, diz Graça Berneck Gnoatto, diretora comercial e de marketing da empresa. Segundo ela conta, a crise em que o mercado de painéis mergulhou em 2014 obrigou a empresa a procurar novos mercados. “Como já tínhamos uma cultura exportadora com os serrados, principalmente para a Ásia, fomos buscar novos mercados também para painéis de madeira e hoje vendemos nossos produtos para países como Estados Unidos, Coreia do Sul e quase todos da América Latina”, afirma.
Complexo Industrial em Curitibanos: produção se voltou às exportações
Decisão final
A exportação ajudou a Berneck a enfrentar a crise, mas a empresa aposta na retomada do mercado interno para voltar a crescer. “Com as exportações quase não há margem nos painéis. Não é um bom negócio depender demais do mercado externo”, diz a diretora. O surgimento de fábricas de MDF concorrentes no Espírito Santo e em Mato Grosso evidenciou a necessidade de expandir a produção, mas a empresa aguardou a mudança de governo para tomar a decisão final. É certo que a retomada ainda não engrenou. No entanto, há expectativa de que aconteça em breve. “A demanda está retraída e a mola vai soltar”, prevê Graça Berneck.
Santa Catarina tornou-se um dos principais polos para o segmento de painéis, abrigando empresas como a Berneck e a Guararapes. De acordo com dados da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), a produção de painéis de madeira no Brasil alcançou no ano passado 8,1 milhões de metros cúbicos, quase 3% a mais do que no ano anterior. As exportações responderam por 1,3 milhão de metros cúbicos, volume 4% superior ao de 2017. Já em relação a outros mercados como o de pisos laminados, as vendas domésticas caíram de 11,9 milhões de metros quadrados em 2017 para 11,1 milhões em 2018.
De acordo com o presidente-executivo da IBÁ, Paulo Hartung, a crise da construção civil teve forte impacto no comércio de pisos de madeira. “Com a retomada da economia e da confiança do consumidor, a tendência é de aquecimento”, afirma. Ele observa que a indústria não está aguardando a recuperação da economia e lançou recentemente uma campanha chamada “Laminados, já pensou?”, que busca difundir atributos do piso laminado, como sustentabilidade, resistência e custo-benefício.
Por Fabrício Marques
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