Para o setor privado, a insegurança jurídica é um dos grandes entraves ao investimento e ao desenvolvimento. Como a Justiça lida com esta questão?
Rodrigo Collaço - É preciso reconhecer que o judiciário concorda que a segurança jurídica é um bem importante para o desenvolvimento. Hoje em Santa Catarina os juízes têm uma visão clara do papel do judiciário para a criação de um ambiente propício aos negócios. Temos muita tranquilidade em relação a isso, pois 83% das decisões do TJSC são confirmadas pelos tribunais superiores. Em relação ao primeiro grau, 70% são confirmadas pelo TJSC. Portanto, o norte das decisões judiciais é bom. De maneira geral, acho que o ambiente é bom no Brasil, porque as últimas reformas procuraram dar eficácia às decisões dos tribunais superiores, que passam a ser cumpridas pelas demais instâncias. Não se vê mais como um mérito do juiz o desafio às decisões dos tribunais superiores, pelo contrário. Hoje há uma visão sistêmica e uma compreensão do juiz de que uma decisão dele em desacordo com os tribunais superiores mais cedo ou mais tarde será reformada. Essa cultura está se formando em toda magistratura. É um cenário em transformação, em direção à segurança jurídica.
Insegurança jurídica também tem a ver com falta de clareza nas regras, complicando as decisões da Justiça?
Sim, é o caso da legislação tributária. Há dificuldade tanto para o empresário quanto para o judiciário sobre a longevidade da norma, e a instabilidade normativa gera insegurança. Delfim Netto dizia que imposto bom é imposto velho, que todo mundo já discutiu judicialmente e já sabe como funciona, mas no Brasil tem muita regulamentação, portaria ou decreto, o que cria instabilidade.
Normas ambientais também são confusas. Como a Justiça tem lidado com a questão?
Existe uma sobreposição de órgãos de fiscalização, e o ambiente de negócios seria favorecido se houvesse apenas um órgão de licenciamento. As pessoas já se convenceram, em todos os meios, que o Brasil precisa de desenvolvimento com preservação. Mas a preservação não pode ser apenas um fim em si mesmo, ela deve ser adequada, ajustada ao desenvolvimento social e empresarial. Em Santa Catarina, tanto por parte do legislativo, que produziu um código avançado, quanto dos juízes, procura-se compatibilizar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico. Vejo um amadurecimento dos juízes neste ponto.
A morosidade também é fator de insegurança, e em Santa Catarina o número de litígios é acima da média, sobrecarregando o judiciário. Por que é assim?
O próprio processo de desenvolvimento torna a justiça pequena para a realidade de negócios local. Cidades que passam a ter um porto, por exemplo, se desenvolvem exponencialmente. Em Itapoá houve uma explosão de processos, mas havíamos criado uma comarca pequena, para atender uma comunidade pequena. Em Araquari, o crescimento econômico ultrapassou a capacidade do judiciário. Além disso, nosso modelo empresarial é diversificado e pulverizado, não é concentrado. O mesmo acontece com as faculdades de Direito, que são espalhadas por todo o território. Se há mais advogados, o mercado tem que se estabelecer em todos esses locais.
Se a justiça é lenta, litigar é vantajoso para quem não tem razão?
Quando a justiça é lenta, ela sai do lado de quem tem o direito e passa para o lado de quem não tem. Antigamente, se alguém batia na traseira de um carro, ouvia da vítima: “Me paga senão eu te boto na justiça”. Hoje, quem bate atrás diz: “Eu não vou te pagar, se quiser me bota na justiça”. Nosso objetivo maior tem que ser buscar a velocidade do poder judiciário. No ano passado, entraram 130 mil novos processos no TJSC, e conseguimos reduzir o estoque de processos existentes. No primeiro grau entraram 800 mil processos novos, e graças a um aumento de produtividade de 17% o estoque não aumentou. O resultado tem a ver com uma nova visão de mensurar o trabalho de cada vara do Estado, que passou a ser vista como uma unidade produtora. Se entram mais processos do que saem ela está em déficit, em caso contrário, em superávit.
Como ajustar a demanda de processos?
Buscamos aplicar conceitos da iniciativa privada, como fazer uma leitura correta de dados utilizando ferramentas de inteligência artificial. A FIESC nos mostrou a importância de ter dados bem trabalhados para a tomada de decisões e nos fornece apoio. Pelos indicadores, podemos entender até que ponto o judiciário ajuda ou prejudica o desenvolvimento local ou regional. O estudo do crescimento de processos, da população e dos negócios nos permite dimensionar, de agora em diante, as comarcas de acordo com a demanda. Isso mudou o patamar do diálogo que temos com a sociedade. Muitas lideranças locais nos abordam pedindo, por exemplo, a criação de uma vara. Nós então mostramos todos os dados sobre aquela comarca, demonstrando se há de fato necessidade, ou se há outros locais mais necessitados.
A busca por acordos de conciliação também é um caminho?
A conciliação é uma forma moderna e mais barata de resolver litígio. Para reduzir expressivamente o número de processos, os acordos devem ser feitos entre instituições, como no caso recente da poupança, que envolveu a Febraban, o Instituto de Defesa do Consumidor, o STF e a Advocacia-Geral da União. Estabeleceu-se que pode buscar a indenização tanto quem tem processo na justiça quanto quem não tem. Além de resolver as pendências, sinaliza que as pessoas não precisam entrar em juízo. Bancos e empresas de telefonia, que são responsáveis por grande parte dos processos, poderiam buscar acordos dessa ordem.
Quais são as principais frentes do judiciário para reduzir a morosidade?
A conciliação está no topo da lista. Há a questão da prevalência da jurisprudência e também começamos a caminhar para a incorporação da inteligência artificial na resolução de processos de massa. Existem muitas ações iguais espalhadas pelo Brasil, muitas vezes com julgamentos em tribunais superiores. Logo teremos um sistema com robô capaz de identificar em todo o sistema judicial brasileiro que ações são essas. E também não vejo dificuldade desse robô dizer qual é a decisão do tribunal superior para essas ações. Com a digitalização de processos que ocorrerá no Brasil, as ações de massa, repetidas, terão uma solução que vai depender muito pouco da ação humana.
Como o senhor avalia parcerias em programas como o Novos Caminhos, para dar oportunidades a jovens egressos de abrigos?
O que nos fez procurar a FIESC como parceira neste projeto é a alta consideração e orgulho que temos da classe empresarial industrial catarinense. Há grande consciência social do industrial, e o programa Novos Caminhos é um exemplo que envolve lideranças de todas as regiões. Pessoas que ao atingir a maioridade são obrigadas a deixar abrigos, mas que não têm família nem profissão, recebem capacitação profissional para que não corram o risco de ir para a marginalidade. É uma parceria baseada na sensibilidade social.
Por Vladimir Brandão