Político dos mais experientes do Estado, pela terceira vez presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), o deputado Julio Garcia (PSD) se ancorou no que chama de boa política para conduzir seu mandato, em desafio ao clima de polarização e de repúdio à classe política que se instalou no Brasil. Para Garcia, é justamente a divisão e a dificuldade de se encontrar convergências que mantêm o País em crise. Em contrapartida, ele vê mais oportunidades para o legislativo fazer o papel de mediador e conduzir as reformas
Por Vladimir Brandão
Temos no Brasil um dos piores ambientes de negócios do mundo. Qual é o papel do legislativo para reverter esse quadro?
A nível nacional, cabe ao Congresso promover as reformas necessárias: a da previdência, a tributária, depois a reforma política e também aprimorar a reforma trabalhista que já foi feita. Esta será a grande contribuição do legislativo, pois o Brasil só vai crescer quando tivermos as reformas concluídas. Vivemos um cenário difícil em 2019. Iniciamos o ano com boas perspectivas, mas diversos acontecimentos acabaram inviabilizando a tendência de crescimento e agora dependemos das reformas. Elas estão no Congresso, mas o Governo tem que agir para que elas aconteçam. As reformas não acontecem sozinhas.
Diante da relativa omissão do Governo, não se observa um maior protagonismo do legislativo na condução das reformas?
Sim, felizmente o Congresso reagiu no primeiro semestre. Quando percebeu que o presidente não queria se imiscuir na negociação política e na formação de uma base de apoio para as reformas, o Congresso tomou as iniciativas. A reforma da previdência está sendo tocada pela Câmara dos Deputados.
E qual é o papel do legislativo estadual para a melhoria do ambiente de negócios?
As reformas estruturais são de competência do legislativo federal, mas os legislativos estaduais podem contribuir muito. No primeiro semestre tivemos um exemplo disso em Santa Catarina. O Governo editou um decreto regulando os incentivos fiscais, houve reação do setor produtivo e a Assembleia Legislativa entrou em campo, fez um projeto a toque de caixa, reagiu. E em um segundo momento agiu de modo combinado com o Governo, o que é o ideal: convergir harmonicamente. O legislativo tem que ajudar o executivo. O Governo voltou a negociar com o setor produtivo e as questões foram equacionadas. É um exemplo do que pode acontecer em outros setores. O Governo enviou no primeiro semestre a sua reforma administrativa, que foi aprimorada no poder legislativo, tanto que ao final, independentemente de ter maioria ou não, o Governo agradeceu à Assembleia, porque ela devolveu uma reforma aprimorada. Mas para que contribuições como essas acontecem tem que haver harmonia, interação e muito diálogo.
Os incentivos são importantes para o ambiente de negócios em Santa Catarina. Como aprimorá-los?
O desenvolvimento do Estado nas últimas duas décadas deveu-se muito à política de incentivos. Ela decorre da guerra fiscal que existe entre os estados. Na reforma tributária isso terá que ser resolvido, mas até lá não temos como fugir dela. Santa Catarina entrou bem nessa guerra, agiu bem e obteve resultados fabulosos. A despeito de alguns desvios, alguns incentivos que talvez não devessem ter sido concedidos, mas que são exceções, a regra funcionou maravilhosamente bem. Enquanto a guerra fiscal existir, quem não entrar na disputa, quem não competir, vai cair. Os mais agressivos e competitivos conseguem crescer mais.
De fato, a economia de Santa Catarina tem se saído melhor do que a média nesses anos de crise.
Também há outros fatores além dos incentivos, como a diversidade da economia, então nunca temos uma crise que atinja o Estado como um todo. A soma desses fatores contribui, mas temos uma grande deficiência no Estado, que é a infraestrutura, o calcanhar de Aquiles do nosso desenvolvimento. Com boa infraestrutura, teríamos uma economia muito mais agressiva.
Que contribuição o legislativo pode dar nessa agenda?
Ela depende muito de decisões do executivo e muito de se ter recursos financeiros. O Governo Federal deve muito para Santa Catarina. Mas são obras caras e não há dinheiro. O Estado brasileiro inchou de maneira tal que todo o dinheiro hoje é para custeio, nada sobra para investimento, e não há uma reforma estrutural prevista para resolver esse problema. O País se tornou refém de corporações e isso atrapalhou o nosso desenvolvimento.
Mesmo diante de diagnósticos tão claros, por que é tão difícil encontrar soluções para esses problemas?
Vivemos um momento no Brasil em que não temos grandes líderes. Essa condição dificulta a harmonização, pois são os grandes líderes que conduzem as convergências. Veja os últimos que apareceram: Lula liderava em um segmento específico da sociedade. Bolsonaro tem outra proposta, mas eles não são líderes conciliadores que procuram harmonizar, construir. Essa é a maior dificuldade. É a convergência que nos leva ao desenvolvimento. Uma frase tão velha mas tão atual é: “A união faz a força”. Está faltando promover a união, o poder está dividido e isso decorre da falta de líderes que possam estabelecer a convergência.
O novo quadro político mudou o cenário também em Santa Catarina. As dificuldades de convergência se aplicam também aqui?
Acho que um pouco menos. O governador é uma pessoa comedida na fala, de trato fácil, e a Assembleia Legislativa tem buscado se posicionar de maneira diferente. A Constituição determina que os poderes têm que ser independentes e harmônicos. Temos procurado ser harmônicos em primeiro lugar, e depois independentes. Então eu diria que essa dificuldade nem existe em Santa Catarina. Temos divergências, mas temos muitas convergências, e essa relação favorece o Estado.
Quando o senhor assumiu a presidência da Assembleia fez questão de valorizar a política em um cenário de repulsa à política. Como lidar com isso?
As últimas eleições trouxeram uma mudança. O povo está saturado da classe política e demonstrou isso nas urnas. Mas não existe nova política nem velha política, o que existe é política bem-feita e política mal feita. O maior governador da história de Santa Catarina foi Celso Ramos (governou entre 1961 e 1966). Ele é da velha ou da nova política? É da política. Ele soube fazer política, soube fazer gestão, e é isso que interessa. Tem que combinar: não dá para fazer só gestão sem a política porque não funciona, e vice-versa.
A atual Assembleia, bastante renovada, responde a essa necessidade de se fazer boa política?
Sim. Os novos enriquecem o debate político. Deputados de primeiro mandato trazem consigo uma grande experiência. O legislativo nada mais é do que um recorte da sociedade que vem para cá representá-la. Houve renovação grande e isso é salutar, temos aprendido muito com os novos. Eles têm sido brilhantes no debate, no entusiasmo, no desejo de mudar, de contribuir. É uma mudança perceptível.
Nesse novo cenário, como se estabelecem as relações com o setor produtivo?
Estamos sintonizados com o setor produtivo, que é quem gera renda e emprego. Precisamos ouvir quem produz – a Assembleia tem esse papel. O diálogo sempre existiu, mas acho que neste mandato está até mais ativo, em função das circunstâncias de termos um governo novo e um grande desejo de mudanças. Por isso tem que haver equilíbrio nessa condução, e em função disso acho que o protagonismo da Assembleia está maior.
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