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O Caldeirão das invenções

Ecossistema catarinense cresce mais rápido e entrega mais resultados do que a média porque tem história consistente e articulação eficiente entre os atores.

O tão perseguido “match” entre startups e grandes empresas não é obra do acaso ou fruto da iniciativa isolada de um ou de outro. Por trás do sucesso da inovação aberta, que é o formato contemporâneo de excelência na arte de inovar, encontra-se um organismo vivo, pulsante e mutante que se convencionou chamar de ecossistema de inovação. É formado por organizações de ensino, pesquisa, governo e o setor privado em suas mais diversas representações, que interagem de forma orgânica e em coordenação descentralizada, com o objetivo de gerar inovações e, por consequência, negócios, oportunidades, trabalho e riqueza.


Santa Catarina tem um ecossistema evoluído e maduro para os padrões nacionais, que se notabiliza por entregar resultados na forma de inovações relevantes. Há dados objetivos que demonstram isso. Nos últimos três anos o número de empresas do setor de tecnologia dobrou, chegando a mais de 11,4 mil, e a produtividade do trabalhador neste segmento é 30% superior à média nacional, de acordo com a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate). O percentual de alunos do ensino superior em cursos voltados à tecnologia é o segundo maior do País, e são eles a principal fonte geradora de startups, um dos pontos fortes do ecossistema catarinense. Florianópolis, Joinville e Blumenau estão entre as cidades com maior densidade de startups por habitante do País.


Essas e outras empresas, que geraram faturamento de R$ 15,8 bilhões em 2018, entrelaçam-se a uma rede cada vez mais densa de universidades e centros de pesquisa, centros de inovação públicos e privados, incubadoras e parques tecnológicos, aceleradoras de startups, fundos de capital de risco e redes de investidores-anjo. É reconhecido que um dos fatores fundamentais do sucesso do ecossistema catarinense é a cooperação. “Aqui todos conversam, colaboram entre si e coordenam esforços para alcançar objetivos comuns. Isso é um diferencial”, afirma Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC.


A FIESC é um dos motores do ecossistema por atuar em diversas camadas. Começa na formação profissional e empreendedora, por meio do SENAI e do SESI, e passa pela pesquisa aplicada, que conecta a pesquisa acadêmica às necessidades de inovação da indústria, trabalho realizado nos Institutos SENAI de Inovação (veja o box). Também fornece consultoria e mobiliza recursos para empresas em diversas áreas relacionadas à inovação, como lean manufacturing, indústria 4.0 ou projetos de internacionalização. No plano intermediário, que compreende os setores industriais, trabalha na articulação e planejamento por meio de ações como o Programa de Desenvolvimento Industrial Catarinense (PDIC), que definiu os setores portadores de futuro no Estado e ações necessárias à sua competitividade. Amarrando tudo isso a FIESC atua no plano político, para criar um ambiente favorável ao fortalecimento do ecossistema.

 

Hélice | A FIESC integra o Pacto pela Inovação, iniciativa que agrega mais de 30 entidades do Estado com o objetivo de alinhar ações e potencializar resultados. “Defendemos a linha de inovação ecossistêmica em Santa Catarina, que se integra ao conceito de indústria 4.0 e a outras oportunidades de inovação para a indústria”, diz José Eduardo Fiates, diretor de inovação da FIESC.


O modelo de Hélice Tríplice, de articulação entre universidades, empresas e governo para criação de ecossistemas de inovação, está na origem do Vale do Silício, maior referência no assunto. Guardadas as proporções, o modelo norteou o arranjo catarinense. O ponto de partida foi a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que a partir dos anos 1960 estruturou em Florianópolis cursos de engenharia que se destacaram entre os melhores do País. Eles foram a base para o polo tecnológico que começou a tomar forma nos anos 1980, com startups pioneiras nascidas na academia e a inauguração da primeira incubadora de empresas de base tecnológica do País, a Celta.


Outro marco foi o programa Plataforma da Tecnologia da Informação e Comunicação de Santa Catarina (Platic), executado a partir de 2004 com recursos públicos e coordenado pelo IEL-SC. Saiu daí um conjunto de ferramentas para padronização de processos e produtos de software e qualificação para as empresas, proporcionando grande salto qualitativo para o software catarinense. “Não existe sorte. O caminho vem sendo pavimentado há muito tempo no Estado”, diz Alexandre D’Ávila da Cunha, presidente da Câmara de Tecnologia e Inovação da FIESC.


Magna Souza e Carlos Fernando Cabeça Neves não estão em Florianópolis só pelas belas praias, mas por causa dos resultados do processo descrito anteriormente. Mineira de Ipiaçu, Magna, de 27 anos, é aluna de doutorado em ciências da computação e matemática computacional pela USP, com pesquisa na área de técnicas estocásticas de modelagem matemática aplicada a ambientes industriais. Graças a uma parceria da universidade com o SENAI, trabalha em um projeto no Instituto SENAI de Inovação em Sistemas Embarcados. “É minha primeira oportunidade de aplicar anos de estudo em projetos para melhorar a eficácia dos sistemas de produção da indústria”, conta Magna. “Usamos conhecimentos adquiridos no mestrado e doutorado na resolução de problemas reais e atuais”, diz Neves, de 31 anos, que é natural de Belém do Pará.

 

Matriz | A estrutura e a reputação do ecossistema catarinense atraem recursos, gente qualificada e novos clientes, em busca justamente do que Magna e Carlos Fernando tanto se orgulham de fazer: encontrar soluções. “Um ecossistema precisa de problemas para resolver”, afirma José Renato Domingues, vice-presidente corporativo da CTG Brasil, empresa de capital chinês que é a segunda maior geradora privada de energia no país. Em setembro, a CTG firmou parceria com a Acate para estruturar seu primeiro laboratório de inovação no Brasil. Um dos objetivos é implantar a cultura de inovação na companhia utilizando metodologias de startups em seus projetos. Detalhe: o laboratório será instalado em São Paulo, abrindo oportunidade de ampliação das conexões do ecossistema catarinense.


Hoje o principal ponto de convergência é Florianópolis, mas a rede se espalha pelo Estado. Em Joinville, que tem a economia baseada na indústria tradicional, aposta-se em tecnologia para diversificar atividades e apoiar o upgrade necessário à velha indústria. “A ideia é orientar a matriz econômica para cinco setores: tecnologia da informação e comunicação, biotecnologia, internet industrial, novos materiais e logística, com base na integração entre governo, iniciativa privada, academia e sociedade civil organizada”, diz Danilo Conti, secretário municipal de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável.


O arranjo que se organiza no Perini Business Park é exemplar neste sentido. Nele convivem dezenas de empresas e cursos de engenharia da Universidade Federal de Santa Catarina, o que facilita conexões frutíferas entre as partes. A inauguração do parque tecnológico Ágora Tech Park, em março, nos mesmos domínios, atraiu empresas, associações e projetos ligados ao ecossistema da cidade, tornando-se o seu ponto focal. Nos cinco primeiros meses de funcionamento do parque foram realizados mais de 150 eventos relacionados a inovação.


Há um movimento em curso no Estado. Em diversas cidades, mesmo pequenas, como Luzerna, de 5,7 mil habitantes, erguem-se incubadoras e centros de tecnologia, eventos são realizados todos os dias e a cultura da inovação se dissemina. Por iniciativa da Acate, de 2018 para cá foram criados três novos centros de inovação em Florianópolis e um em São José. O Governo Estadual tem projeto para construir 13 centros em diferentes municípios, embora a execução ande a passos lentos e somente dois já estejam funcionando.


Outro exemplo de descentralização: a primeira fase do programa Centelha, executado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc), teve 1.222 ideias inscritas, que se candidataram a receber apoio financeiro e acompanhamento técnico para implementação. “Foi o maior número de ideias dentre todos os estados, e elas vieram de um grande número de municípios: 110”, diz Fábio Zabot Holthausen, presidente da Fapesc. O Centelha é um programa do Ministério da Ciência e Tecnologia e tem recursos da Finep para incentivar empreendedorismo e startups. Foi inspirado no projeto Sinapse da Inovação, criado pela Fapesc há mais de 10 anos.

 

Relevância | Por trás do esforço de adensar o ecossistema está a busca por relevância. Santa Catarina, ou particularmente Florianópolis, ganhou reputação nacional, mas seu ecossistema não tem mercado internacional e é praticamente desconhecido fora do Brasil. Ainda é pouco para um estado que ambiciona, de acordo com o Pacto pela Inovação, tornar-se o mais inovador não só do Brasil, mas da América Latina. O Estado tem a maior parte dos ingredientes para chegar lá, mas há desafios. “A inovação depende de quatro recursos: conhecimento, gente, capital e mercado”, explica Fiates, da FIESC, para quem o fator mais complexo de se acessar é o capital humano, que já é atraído ao Estado, como se viu nesta reportagem, porém em quantidade considerada insuficiente para sustentar um crescimento vigoroso do ecossistema.


Para Fiates, Santa Catarina está bem posicionada para receber gente qualificada por possuir um bom “terroir”. No universo da enologia, a expressão refere-se à composição de solo, clima e nutrientes onde as uvas crescem e que define as características do vinho. No caso de Santa Catarina, o “terroir” da inovação se definiria por belezas naturais, qualidade de vida acima da média e bons serviços, fatores atraentes ao profissional da nova economia. A infraestrutura precária, entretanto, é fator de baixa competitividade para a atração de pessoas e de empresas internacionais de tecnologia.

 

Economia criativa | Em outra ponta, o esforço é para dar oportunidade ao capital humano já existente no Estado por meio da elevação do padrão educacional. O Movimento Santa Catarina pela Educação, da FIESC, foi criado com essa visão. Novos projetos surgem nessa linha, como o que pretende criar cinco centros de inovação social em comunidades pobres da Grande Florianópolis, fruto de parcerias de várias entidades, dentre elas a FIESC, com o Instituto Padre Vilson Groh. O primeiro deve ficar pronto em 2020 na comunidade Monte Serrat, em Florianópolis. “A ideia é que seja um centro de convivência e de formação integral das crianças, adolescentes e jovens para atuar como empreendedores ou profissionais de áreas de tecnologia e economia criativa”, afirma o padre Vilson Groh.

 

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