Quando estava no fundamental, se dependesse da opinião de alguns professores Priscila Varella nem ingressaria no ensino médio. Mas ela foi em frente, concluiu a etapa e manifestou um forte desejo de passar à graduação. Diante da deficiência intelectual que apresentava, algumas pessoas achavam que já estava de bom tamanho parar por ali. Priscila não deu ouvidos, fez o vestibular, entrou na segunda chamada e se formou em publicidade e propaganda pela FURB, em Blumenau. Ela sempre contou com o apoio da mãe, a juíza estadual Ana Paula Amaro da Silveira, em sua jornada de enfrentamento de um mundo muitas vezes hostil, pontuado por desconfiança e preconceito. Mesmo a interação com gente bem intencionada nunca foi fácil. “Quando a pessoa não tem um problema aparente e surgem atitudes consideradas inadequadas pelo padrão, cria-se uma situação com que as pessoas não sabem lidar”, afirma Ana Paula.
Após a formatura e a mudança da família para Florianópolis sucedeu-se um período difícil, quando um preocupante estágio inicial de depressão se instalou. “Eu queria trabalhar, queria me sentir útil”, conta Priscila, ilustrando suas angústias na ocasião. O ano era 2014, e sua mãe procurava por empresas que possuíssem programas estruturados para a inclusão de pessoas com deficiência. Encontrou a FIESC, que havia recém-criado o seu. Logo de cara Priscila notou uma diferença em relação às suas experiências anteriores. Toda a entrevista para admissão foi conduzida com base em suas competências, e não em deficiências. Ela foi contratada para a função de assistente administrativa na área de Gestão de Pessoas. Deu-se então algo como um renascimento, e a jovem foi “rebatizada”: tornou-se a Pri, uma figura carismática e popular na sede da FIESC. Logo nos primeiros meses ela comemorou o aniversário de 26 anos em um restaurante com um grupo de amigos do trabalho.
Foi um marco, a primeira vez na vida que ela se sentiu de fato incluída, segundo a mãe. A depressão ficou para trás, sem a necessidade de qualquer medicação. A cura veio com a integração e o trabalho.
Pri sempre pôde contar com uma madrinha (todos os participantes do programa são apadrinhados por um colaborador) para acompanhá-la no dia a dia e auxiliar no processo de integração. De acordo com a atual madrinha, Rosiane Lopes, que também é coordenadora do programa Incluir para Crescer, um dos pontos de notável desenvolvimento de Priscila é a comunicação interpessoal. A garota que parecia tímida e sentimental passou a entender melhor o ambiente de trabalho e se revelou comunicativa e integrada. A disposição para aprender coisas novas era antiga, mas o ambiente acolhedor deu suporte para que o seu trabalho melhorasse constantemente ao longo de quase cinco anos. “É crescente a qualidade das suas entregas”, atesta Rosiane.
Ambiente
Além de serviços rotineiros como o controle de ponto e o trânsito de documentos, a funcionária colabora em diversas atividades, como as campanhas de comunicação interna. Além das habilidades técnicas, uma contribuição de Pri para a melhoria do ambiente e da eficiência do trabalho está em suas competências socioemocionais – justamente as que estão entre as mais requeridas no mundo do trabalho contemporâneo. Seu forte é o trabalho em equipe, e ela é considerada um ponto de equilíbrio nos grupos de que participa, porque é capaz de agitar ou acalmar as pessoas na medida necessária para que todos sintonizem e encontrem o foco. Nesse sentido, sua contribuição para a elevação da produtividade do trabalho é notável. “Ela está ensinando a equipe, demonstrando do que é capaz para que as pessoas possam contar cada vez mais com ela”, conta Rosiane.
O programa Incluir para Crescer, mantido pela FIESC e suas entidades, atende 410 pessoas com deficiência (PCDs) em todo o Estado. Contratar PCDs é uma obrigação legal de empresas que têm mais de 100 funcionários (de 2% a 5% do total do quadro funcional), mas programas estruturados ajudam para que a inclusão seja plena. O Incluir para Crescer tem processo de admissão exclusivo e simplificado, os participantes recebem acompanhamento constante e avaliação periódica e há atenção especial a aspectos como a acessibilidade e ergonomicidade nas unidades em que atuam, dentre outras iniciativas que respeitam as diferenças e valorizam a diversidade.
“Mais do que simplesmente cumprir a legislação, o objetivo é dar condições para que as pessoas realizem um bom trabalho e tenham uma vida digna e feliz”, afirma Carlos Kurtz, diretor jurídico e de relações institucionais da FIESC.
Além de acolher como funcionários, as entidades educacionais da FIESC – o SESI e o SENAI – têm cerca de 700 alunos com deficiência visual, auditiva, motora e intelectual. O SESI mantém cinco escolas para a modalidade de educação inclusiva, que contam atualmente com 180 alunos e uma equipe de 50 profissionais auxiliares de sala de aula e intérpretes. “Mas a ideia é que essas escolas deixem de existir e as pessoas com deficiência sejam incluídas no cotidiano das demais escolas”, diz Claudemir Bonatto, diretor de educação do SESI e SENAI. A educação inclusiva também existe na modalidade de educação continuada e pode ser organizada in company, para que empresas ofereçam educação e treinamento para funcionários portadores de deficiências. Profissionais do SESI também qualificam gestores e trabalhadores de empresas em linguagem de sinais, para que possam se comunicar com deficientes auditivos, dentre outras iniciativas.
“Mais do que simplesmente cumprir a legislação, o objetivo é dar condições para que as pessoas realizem um bom trabalho e tenham uma vida digna e feliz” - Carlos Kurtz, diretor jurídico e de relações institucionais da FIESC
Portal
A inclusão de pessoas com deficiência na indústria é um processo em construção. Nem todas as empresas têm consciência da importância da diversidade em seus quadros. E muitas outras que querem incluir esbarram na falta de pessoas com deficiência que desejam trabalhar e sejam qualificadas. Uma iniciativa da FIESC que acaba de entrar no ar colabora para que as lacunas sejam preenchidas. Trata-se de um portal que promove o encontro de pessoas que procuram trabalho com empresas que precisam e querem contratar. Não se trata de um banco de dados, pois o sistema é de adesão voluntária. As pessoas podem se cadastrar por conta própria ou com a ajuda da família ou de alguma associação a que sejam ligadas. O tipo de deficiência deve ser declarado, mas o mais relevante é o histórico escolar e profissional do candidato. Assim as empresas podem conhecer os profissionais adequados às suas necessidades que existem em sua região. O portal também inclui a oferta de cursos de qualificação e de assessoria voltados à inclusão do SESI e do SENAI, que podem atender tanto as pessoas quanto as empresas.
O portal está sendo construído em parceria com o Ministério Público do Trabalho e outras instituições ligadas à área, o que garante que ele funciona dentro do interesse e do ponto de vista das pessoas com deficiência, não sendo uma mera ferramenta para as empresas cumprirem cotas. O lado das empresas que tentam mas não conseguem se enquadrar e são penalizadas com multas também é de interesse da FIESC. Seu departamento jurídico finaliza a proposta de um projeto de lei para que as empresas sejam bonificadas pelo cumprimento das cotas em lugar da visão meramente punitiva. “O projeto também contempla a situação de que a empresa não pode ser autuada se tentar e não conseguir cumprir a cota. Deve haver mais bom senso na fiscalização”, explica Carlos Kurtz.
A preocupação com a inclusão de PCDs também levou à modificação de um dos principais programas sociais de que a FIESC participa. O Novos Caminhos, voltado a adolescentes em situação de abandono que são acolhidos em abrigos mas têm que deixá-los quando completam 18 anos, agora também tem as pessoas com deficiência e as crianças em seu foco.
O objetivo é oferecer preparo emocional e profissional aos jovens, além de encaminhamento ao mercado de trabalho. Em um novo ciclo do programa que se inicia, os participantes passam a ter acesso a uma série de serviços, como o de odontologia e orientação nutricional aos gestores das casas de acolhimento, oferecidos pelo SESI. Crianças e jovens também poderão participar das oficinas de educação maker e ter acesso a diversas atividades esportivas. O Novos Caminhos já atendeu quase mil adolescentes em mais de 70 municípios catarinenses. É uma parceria que envolve a FIESC e entidades estaduais como Tribunal de Justiça, OAB, Associação de Magistrados, Associação de Medicina, Ministério Público e Fecomércio.
Por Vladimir Brandão e Leo Laps